Home

elias_va_me_assis - Repositório Institucional UNESP

1. 60 Dos gregos aos S mbia dos romanos aos escandinavos da Idade M dia dos samurais Japoneses aos Baruya todos pensavam que a verdadeira virilidade passava pela rela o entre dois homens N o havia necessidade de distinguir o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo biol gico do relacionamento entre pessoas do sexo oposto O homoerotismo n o causava qualquer desonra social Ao contr rio toda ignon mia reca a sobre atos sexuais passivos N o havia necessidade de uma palavra como homossexualismo porque o conceito n o existia Os homens que amavam outros homens eram considerados mais masculinos pois buscavam nessa rela o igualarem se e os que amavam as mulheres se igualariam a elas e portanto seriam efeminados Essa pedagogia sexual seguia regras que faziam com que a rela o entre o adulto e o adolescente permanecesse somente at a aquisi o da barba como s mbolo da hierarquia entre os homens BADINTER 1993 Na cultura greco romana havia um Eros m ltiplo e heterog neo no qual o prazer estava a servi o da pessoa havendo a id ia de um monismo sexual A pederastia estava associada pedagogia sexual cuja fun o social era a de ensinar o mais jovem a tornar se um cidad o A ideologia do gozo visava abolir as restri es e aceitar a dimens o do excesso em grego hybris como sendo uma categoria normal na rela o com os objetos MELMAN 2003 p 55 A virilidade era refor ada e s os homens goz
2. 197 ser reconhecida como profissional estar independente financeiramente para ent o realizar a cirurgia foi escutado pela paciente Vai primeiro fazer a cirurgia do nariz colocar silicone nos seios cuidar dos p los que s o coisas que est o mais vis veis ao olhar do outro Sua vida passa a se desenrolar de acordo com o que se convencionou como crit rio de reconhecimento estudo profiss o trabalho dinheiro apar ncia feminina corpo feminino pois s assim poder emergir o seu desejo Dizia me nas primeiras entrevistas do medo de crescer de envelhecer de morrer De morrer a crian a que era Agora que n o tem mais medo de morrer a cirurgia pode ser adiada H uma urg ncia em realizar a cirurgia mas eu vou me preparando dessa forma e quando eu voltar j estarei pronta inclusive sem aquele medo de morrer Mas se isso acontecer terei ido para o c u realizada como mulher Considera es Finais Como narrado v rios aspectos da apar ncia e do discurso de Maria demonstram a exist ncia de uma idealiza o de mulher dentro dos moldes do que constru do socialmente para os g neros Mas como todo lugar idealizado ele inalcan vel e portanto gerador de ang stia porque nunca se ir cumprir com as expectativas de seu imagin rio A imagem do seu corpo era inaceit vel percebia a dist ncia entre ela e a imagem idealizada de si mesma colocando a cirurgia como a tentativa de moldar se
3. Esta a hist ria de J ferson jovem universit rio com quem realizei entrevistas durante cinco meses ap s ser encaminhado por uma paciente transexual Ao contr rio de outras pacientes que se apresentaram vestidas como mulher ele se apresentou com uma apar ncia masculina relatando inseguran a em se expor n o s ao social mas tamb m ao meio familiar A identifica o com a transexualidade A busca pelo hospital aconteceu ap s encontrar pessoas transexuais pela internet que interpretaram a sua n o aceita o do corpo masculino e o sentimento de um eu feminino dentro de si como sendo transexualidade At ent o tinha sido um filho mach o praticante de artes marciais e academias o que lhe rendeu uma apar ncia f sica musculosa a qual ent o queria esconder Usava sempre moletom roupas largas que escondiam os contornos de seu corpo unhas e sobrancelhas bem feitas e cabelos encaracolados favoreciam a apar ncia andr gina combinada ao nome feminino escolhido Ang lica Ao ter sido diagnosticado pelos colegas virtuais como uma transexual compra o livro A Experi ncia Transexual de Stoller 1982 e o traz para as sess es Seu discurso reflete o que ser transexual para o autor buscando na sua m e a m e stolleriana o argumento de sua liga o com ela de seu jeito feminilizado e sua dificuldade de rela o com o pai Refere se a ela como a m e f lica que n o se cuida e n o transparece seu lado
4. Eu me aliviava da culpa que sentia 220 Quer dizer que j desejou algu m J at ent o me dizia n o sentir desejo nem por homem nem por mulher N o fez men o de sua vida amorosa al m de seu interesse pelo amigo com quem trocou confid ncias com conte dos de amizade durante muitos anos cujo v nculo que os ligavam era o catolicismo Dizia que s como mulher isso deveria acontecer Preciso da vagina para ser reconhecida como mulher e ser amada por outro homem Ent o por isso que necessita da cirurgia Ser minha nica possibilidade minha ltima tentativa de resolver meu problema Se n o der certo prefiro morrer Lembra se que na adolesc ncia teve sangramentos no p nis e fantasiava que era menstrua o Vinha de quinze em quinze dias Ningu m podia saber Sentia que algo mexia dentro de mim N o falei nada pra ningu m pois n o tinha coragem de perguntar e se fosse menstrua o Ao iniciar o acompanhamento no hospital contou ao m dico sobre sua suposta menstrua o o que levou a equipe a hipotetizar tratar se de intersexo que n o se comprovou com os exames At ent o fantasiava essa possibilidade de ter rg os femininos pois se lembra de ter sido internada uma vez por apresentar sangramento anal e oral por v rios dias e o m dico quis falar com a fam lia em particular longe dela Isso fez com que imaginasse que tivesse a ver com uma poss vel feminilidade Os pais nunca falaram sobr
5. Gostaria de saber se algu m em face de alternativa de enlouquecer se conservando seus atributos masculinos ou a de tornar se mulher s de esp rito n o optaria pela segunda Ele n o se queixava de estar em um corpo errado ele se sentia transformado em mulher e n o reivindicou isso ao cirurgi o Essa transforma o tinha um car ter t o insuport vel que mobilizava toda a sua for a para n o ceder homossexualidade Em um segundo momento essa transforma o adquiriu um car ter divino o que o fez em seu del rio aceitar o destino de assumir uma posi o identificat ria feminina para cumprir com uma miss o de procria o Os sintomas apresentados por Schreber permitiram a Freud 1980s observar nesse caso a impossibilidade radical de aquisi o de uma identidade sexual Privilegiou a an lise do del rio ao evoluir para um sentimento de feminiza o inelut vel como resposta delirante a um efeito inaugural na instaura o de sua filia o simb lica Tornar se mulher constitu a para Schreber a um s tempo uma necessidade para manter a ordem do mundo e uma tentativa inconsciente para se curar de sua psicose Para Millot 1992 p 25 como mulher de Deus prometida para engendrar uma nova humanidade que ao cabo de dolorosa elabora o delirante Schreber se permite o gozo transexual do qual acometido diante do espelho Deus o quer conclui ele ao final de suas mem rias Deus exige um estado const
6. do sexo para al m de um destino anat mico ou seja de tr nsito de um sexo a outro 3 1 1 Na Mitologia O ser humano atrav s dos mitos revela a coexist ncia do masculino e do feminino em um s corpo a qual projetada de modo geral na id ia da natureza andr gina de Deus Tir sias ao separar por duas vezes as serpentes que se acoplavam em um ato de amor foi metamorfoseado em mulher Depois de sete anos recuperou o sexo masculino adquirindo assim a experi ncia do amor como homem e como mulher Diante de tal sabedoria foi convidado a ir ao Olimpo a pedido de Zeus e Hera para resolver a quest o Quem teria um maior prazer num ato de amor o homem ou a mulher Tir sias responde que se um ato de amor pudesse ser fracionado em dez partes a mulher teria nove Hera ficou furiosa e o cegou pois ele havia descoberto o segredo feminino e decretado a superioridade do homem nico capaz de proporcionar tanto prazer a uma mulher Zeus por gratid o concedeu lhe o dom da profecia da vis o de dentro para fora As mudan as de um sexo para outro na mitologia eram consideradas forma de express o de uma natureza andr gina ou hermafrodita Normalmente havia um in cio sexualmente amb guo e em seguida uma defini o e as n pcias sagradas deste que era considerado her i O amor representava o encontro da metade perdida re unindo e restaurando desse modo a antiga perfei o como diz Plat o 1991 o her
7. heterossexuais homossexuais e bissexuais tornou se Sodomia utilizado segundo Badinter 1993 para se referir aos contatos sexuais principalmente anais mas n o s entre homens e homens homens e animais homens e mulheres que n o tenha como fim a procria o O termo encontrava se na lista dos pecados graves junto com o estupro adult rio desvio de menor e incesto O Tratado de Sodomia do padre Sinistrati d Ameno s c XVIII fez diferencia es sutis para ele a sodomia perfeita seria quando na rela o carnal homossexual entre dois homens ocorresse a penetra o anal e o pecado s poderia ser absolvido pelo papa ou pelo bispo Na rela o anal entre um homem e uma mulher a sodomia era considerada imperfeita e qualquer confessor poderia perdo lo 57 a E EEN A EA 5 x MRS ye DO RADE Homofilia em seu sentido etimol gico significa atra o por indiv duos de seu pr prio sexo biol gico L fe a r As pa nl 4 Suas Pr tica de retirada cir rgica do tero e ov rios saud veis considerados naquela poca os respons veis pelo temperamento inst vel das mulheres LAQUEUR 2001 Atualmente utiliza se o termo histerectomia para a retirada do tero n o com a mesma finalidade 62 natural Falava se bem menos de sodomia distanciando se do pecado religioso e passou se a falar de pederastia como um pecado moral que dizia respeito ao Estado Com a inven o de u
8. homens que se definissem transexuais femininas Em fun o dos questionamentos que podiam vir das fam lias o servi o social estabelecia contato com poss veis parceiros e familiares sendo esta uma forma de obtermos mais informa es sobre a pessoa bem como um acompanhante durante o processo de transexualiza o Essa profissional era ainda o elo de comunica o da paciente com os outros profissionais A ginecologia al m dos exames pr vios para diagn stico diferencial encaminhando para as especialidades necess rias realizava o acompanhamento sistem tico da paciente no monitoramento das modifica es corporais decorrentes do uso de horm nios prescritos ou auto administrados Em parceria com a urologia eram os respons veis pela cirurgia de transgenitaliza o fonoaudiologia cabia a avalia o e treino de voz A fisioterapia desenvolvia trabalho fundamental no p s cir rgico psiquiatria cabia a avalia o de poss veis dist rbios mentais que em parceria com a psicologia deveriam avaliar se havia alguma co morbidade associada ou seja se haviam aspectos que identificassem na paciente uma incapacidade para decidir esse ato Esses profissionais devem acompanhar tais pessoas sistematicamente e assegurarem que elas n o v o mudar de id ia para que imaginariamente onipotentemente se escape do engano do 19 arrependimento Embora se fale de uma convic o inabal vel aparece aqu
9. lado feminino J ferson dizia ter sempre se sentido dentro de uma casca tendo que representar um lado masculino j que seu pai era perspicaz acusando o de bicha e menininha quando o filho mostrava seu lado sens vel chorando por exemplo Se o pai era perspicaz suas palavras davam o tom de uma nomea o de um reconhecimento de seu lado feminino daquilo que J ferson ainda n o sabia identificar Meu pai um estranho para mim ele n o sabe conversar s falar mal e bater Segundo ele lutar artes marciais era uma forma de estar mais pr ximo fisicamente de um homem e funcionava como um disfarce para a sua feminilidade Por que aprender lutas marciais Seria somente para parecer se com um homem para estar pr ximo de um homem Aprender a lutar n o poderia ser por algum motivo a mais para se defender de agress es para agredir Para aprender a ser homem Deixemos essas quest es para mais tarde J ferson tinha um amigo com quem viveu uma rela o amorosa plat nica Foi seu primeiro amor Adorava quando ele o agarrava nas lutas era muito bom t lo junto ao seu corpo Sempre se referia ao corpo do amigo dizendo o quanto era bonito mas nunca falou sobre seus sentimentos Assim viveu sua adolesc ncia disfar ando muito bem seu lado mulher Seu lado mulher deseja homens e mulheres diz o que o leva a definir se como um bissexual no que diz respeito sua elei o de obj
10. o cir rgica longe de ter sido a solu o exacerbou o que agora se organiza como um sentimento de que todos os homens recusam reconhec la como mulher Esta torna se ent o a origem de seus males e um sentimento de permanente aus ncia de inscri o em um lugar simb lico que lhe assegure um reconhecimento N o passo de um corpo objeto de uso do outro Embora sua queixa se apresente assim aparece paradoxalmente uma busca em ocupar o lugar de objeto do gozo do outro ao supor que a vagina o que o outro quer Assim ter rela es sexuais com homens era principalmente pelo que isso pudesse significar como reconhecimento de sua feminilidade satisfazendo se sexualmente com o gozo que proporcionava aos homens A escolha de objeto parece ter tido o efeito que refor ou a sua identifica o feminina como defesa sua homossexualidade Estando fechada a rela o com o significante f lico ela s pode ter acesso do lugar do Outro Assim do lugar da m e o Outro primordial que requisitado esse significante o qual inauguralmente divide o sujeito em seu desejo Esse dispositivo simb lico afeta o v nculo com os homens medida que sua vontade de submeter o outro ao sabor do gozo de uma parte do seu corpo marca a sua divis o que lhe retorna como do Outro o desejo homossexual na submiss o desse outro que volta ao sujeito sua pr pria aboli o em rela o ao significante que anima seu desejo ao se identificar com
11. que a natureza cruel cometeu restaurando assim o lugar que poderia ocupar em seu universo ps quico com o qual possa se identificar do lado do corpo mulher que traria o olhar e o desejo masculino nica forma que sup e ser poss vel ser desejada Podemos considerar que duas vertentes surgiram em torno do ideal Uma a partir do desejo de ser mulher desejo que pode ser concretizado com a cirurgia colocando a em vantagem em rela o irm e m e sendo mais mulher que elas A outra vertente situada como objeto fetiche do olhar masculino Na transfer ncia comigo enquanto analista eu era convocada a responder desde o lugar desse Outro que pode dizer de sua feminilidade O que se colocava em jogo era a possibilidade de que eu fizesse existir a partir do manejo transferencial um dizer que propiciasse algum saber para Maria Se o corpo se distancia do biol gico na medida em que simbolizado sendo o efeito da linguagem a cirurgia parece ter o efeito que Lacan sup s fun o das marcas corporais 199 Ao se referir libido como o rg o essencial para se compreender a natureza da puls o Lacan 1964 p 195 a define como um rg o irreal medida que se articula com o real de modo que nos escapa exigindo que sua representa o seja m tica Mas por ser irreal isso n o impede um rg o de se encarnar e possa se materializar no corpo atrav s da escarifica o Transportando para a cirurgia de transgen
12. 4 2 AS TRANSEXUALIDADES NO DISCURSO PSIQUI TRICO Alby 1956 psiquiatra contempor neo a Lacan n o era partid rio da cirurgia como tratamento da s ndrome transexual considerando tal interven o uma castra o tal qual a realizada nos perversos sexuais referindo se s pr ticas citadas no cap tulo anterior Introduz o termo na nosografia psiqui trica por consider lo um problema que diz respeito psiquiatria Segundo Mercader 1997 p 45 para Alby permitir a mudan a de sexo era o mesmo que satisfazer uma necessidade neur tica ou ajudar a satisfa o de uma id ia delirante o que era inaceit vel do ponto de vista tico O desej vel seria proteger essas 80 pessoas de uma extens o de suas tend ncias m rbidas e das consegii ncias dessa evolu o para elas mesmas evitando uma libera o e um al vio de suas ang stias morais que mascararia prov vel in cio de uma descompensa o No artigo Transvestism and Transsexualism Benjamin 1953 op e se a todo tratamento psicoterap utico e sobretudo psicanal tico da transexualidade e da q en A 87 travestilidade Em 1955 Money esbo ou suas primeiras teses sobre o conceito de g nero aplicadas diferen a dos sexos Os cl nicos come aram a usar o termo Verdadeiro Transexual ii para designar aqueles que comprovadamente viveriam melhor ap s um curso terap utico que culminaria com a cirurgia genital O termo
13. 4 4 A DIFUS O DOS AVAN OS BIOTECNOL GICOS E SEUS EFEITOS A difus o universal da ci ncia das t cnicas m dico cir rgicas e da economia aliada globaliza o contribuiu para que esse fen meno no plano imagin rio sa sse da esfera individual e se tornasse um sintoma da civiliza o A cirurgia de transgenitaliza o um tratamento que pressup e um autodiagn stico e uma autoprescri o terap utica determinando o nascimento de uma pr tica que leva as pessoas que n o se sentem vontade com o seu sexo Redesigna o de sexo ou transgenitaliza o o nome adotado oficialmente pela Harry Benjamin International Association para essas interven es cir rgicas embora tamb m seja usual na esfera m dica e social a express o mudan a de sexo 83 a identificarem se ou n o com essa s ndrome visando ainda educ las sobre como ser feminina A internet tem uma fun o importante na difus o dessas pr ticas Na ltima d cada houve uma romaria de transexuais brasileiros com destino principalmente Tail ndia o para so dessa cirurgia para a realiza o da mudan a de sexo por pre os mais acess veis Em sites de bate papo entre transexuais no Brasil prevalece a id ia de que aquele pa s o melhor local para realiz las n o sendo mais o motivo econ mico j que aqui ela acontece de gra a em alguns locais Al m de considerarem as t cnicas tailandesas mais avan adas e
14. Ela faz uma an lise da transexualidade a partir da homossexualidade para quem o desejo heterossexual impens vel mas que preserva essa heterossexualidade por meio de uma estrutura melanc lica de incorpora o pela identifica o e incorpora o do amor que n o nem reconhecido nem lamentado A recusa do investimento homossexual pelo heterossexual desejo e objetivo imposta culturalmente por uma proibi o social tal qual o tabu do incesto que divide o universo da elei o sexual em categorias de permitidos e proibidos que mant m uma identidade de g nero est vel relacionada por desejos opostos O g nero ent o n o seria uma ess ncia mas um devir modelado por mecanismos e pr ticas s cio culturais mas que nunca obedecem completamente s normas pelas quais sexo e g nero s o fabricados Dentro dessa concep o Louro 2001 questiona tanto os discursos 134 homof bicos quanto os favor veis integra o dos homossexuais ou as cirurgias de transgenitaliza o Para ela tanto a heterossexualidade quanto a homossexualidade s o interdependentes e necess rias pois fazem parte de um mesmo quadro de refer ncia Essas autoras contempor neas citadas neste subcap tulo rompem com o binarismo ao pensar as identidades de g nero de formas fluidas plurais m ltiplas e cambiantes Nessa perspectiva para que uma transexual reconhe a seu desejo e decida pela realiza o ou n o da cirurgia precisaria desconstr
15. Londrina setembro 2002 Transexualidade Um Desafio Para a Psican lise no Hospital Texto apresentado durante o Congresso de Psicologia da Sa de Corpo e In Satisfa o e resumo publicado em anais S o Paulo junho 2003 Onde Deus criou o homem a ci ncia inventa a mulher a prop sito da cirurgia de transgenitaliza o Anais da V Jornada de Psicologia do Hospital Universit rio Regional do Norte do Paran Londrina setembro 2004 Do corpo sem sentido ao corpo sentido na experi ncia transexual Anais da V Jornada de Psicologia do Hospital Universit rio Regional do Norte do Paran Londrina set 2006 ELLIS H L onisme ou VPinversion esth tico sexuelle Paris Mercure de France 1933 FARINA Roberto Transexualismo do homem mulher normal atrav s dos estados de intersexualidade e das parafilias S o Paulo Novolunar 1982 283 FERENCZI S L homoerotisme nosologie de homosexualit masculine 1911 Psychanalyse e Paris Payot 1978 p 117 129 FERNANDES M H Corpo S o Paulo Casa do Psic logo 2003 FOUCAULT M Hist ria da Sexualidade I A Vontade de Saber Rio de Janeiro Ed Graal 1976 Herculine Barbin Di rio de um Hermafrodita Rio de Janeiro Francisco Alves ER O nascimento da cl nica Rio de Janeiro Forense Universit ria 1978 Hist ria da Sexualidade II O Uso dos Prazeres Rio de janeiro Graal 1984 Microf sica do poder Rio de Janeiro Graal 1993 FORBE
16. O conceito de g nero tentou desde a d cada de 1980 justificar a recusa da biparti o sexual apoiando se em estudos antropol gicos para refletir a rela o entre natureza e cultura onde a no o do sujeito n o est presa ao sexo biol gico Segundo Frignet 2002 essa recusa tendo por origem as exig ncias crescentes do reconhecimento identit rio da homossexualidade visando extrai la do mbito das patologias vai encontrar na transexualidade uma ilustra o cl nica que servir de justificativa vindo de encontro com o soci logo Herdt 1993 que ir propor o terceiro sexo terceiro g nero buscando assim ultrapassar o enfrentamento imagin rio da dualidade Raymond 1979 retira o determinismo sexual do biol gico para transp lo ao social ao escrever que a sociedade patriarcal e suas defini es de masculinidade e feminilidade constituem a causa primeira da exist ncia da transexualidade A oposi o social dos grupos de g nero constitui um dualismo que n o conv m aceitar nem com fim de reunifica o androginia nem de convers o transexual onde as pessoas transexuais s o escravas do corpo real que n o desejam e rejeitam e do corpo cobi ado que adquirem no sentido em E 5 S 121 que se estipula ser imposs vel o primeiro viver sem o segundo 2 Nesse sentido o sexo algo determinado pela natureza fundamentada no corpo biol gico e g nero algo que se constr i em suas rela es com a cultura P
17. Suas fantasias de abandono se confirmam pois o marido de Mariana a proibe de falar com J ferson pois desconfiava que n o se tratava de uma rela o de amizade Resolve abandonar a faculdade para trabalhar e oferecer Mariana uma vida financeira que a possibilite separar se do marido e assim ocupar a fun o que sup e que o marido ocupava para Maria provedor financeiro Vai significando os desejos e as impossibilidades ante as identifica es com o masculino e o feminino A masculinidade fortemente associada ao descontrole e a viol ncia e o feminino sensibilidade e s insufici ncias viris afetivas e intelectuais Passa a conviver com a fam lia de Mariana e conquist los medida que os auxilia em algumas situa es profissionais Apresenta a namorada para os pais e tem consci ncia de que ficaram felizes porque aos seus olhos trata se de uma rela o heterossexual Entretanto os pais concordam em pagar o laser para retirar os p los de seu corpo sendo o que mais lhe incomoda os p los impedem o contato mais pr ximo e mais limpo Pele com pele Come a a faltar s sess es e passa a dar religi o o valor correspondente s sess es Revela que por insist ncia do pai estava fregiientando os cultos religiosos embora n o 209 gostasse e queria continuar os encontros comigo Diz que havia abandonado a faculdade e conseguido um emprego o que lhe renderia um ganho salarial que lhe permitiria tornar se
18. conhecimento Embora seja uma demanda dirigida medicina essas pessoas deparam se no hospital com a psicologia como uma das reas que dever acompanh las no percurso de altera o corporal 1 3 MEU ENCONTRO COM AS TRANS SEXUALIDADES NO HOSPITAL O encontro com essa cl nica ocorreu a partir de um convite feito pela Dire o do Hospital Universit rio Regional do Norte do Paran para que eu participasse de uma Comiss o Multidisciplinar para Estudos sobre Casos de Transtornos de Identidade Sexual que estava sendo composta por profissionais de diversas reas entre elas psiquiatria ginecologia urologia cirurgia pl stica endocrinologia bio tica gen tica servi o social fonoaudiologia fisioterapia direito e psicologia Chegavam institui o pessoas que solicitavam a cirurgia de transgenitaliza o al m da corre o de opera es mal feitas realizadas clandestinamente Presenci vamos ainda tentativas de suic dio decorrentes de uma insatisfa o com o pr prio corpo referente identidade sexual Diante desse panorama fazia se necess rio uma equipe que pudesse estudar bem como atender tal popula o Acrescentava se a isso o apoio do governo que por meio de uma Resolu o do Conselho Federal de Medicina autorizou em 1997 a cirurgia i Si 13 3 sa desde que realizada em hospitais escola sem fins lucrativos utilizando se de recursos estabelecendo que a verdade das pessoas est no sex
19. constitu do Freud 19801 1914 destaca a import ncia do eu ideal e do ideal do eu para esse processo e Lacan 1961 desenvolve o conceito de identifica o de significante que em oposi o identifica o narcisista permite situ la de forma provis ria Esse reconhecimento de si enquanto o outro do espelho portanto em uma imagem invertida far com que se instaure o desconhecimento de todo o ser humano quanto verdade de seu ser e sua profunda aliena o na imagem que far de si mesmo E a partir do reconhecimento da m e de sua autentica o que a crian a ser inclu da no registro do simb lico e portanto um efeito do significante que a nomeia instaurando a em uma identidade particular Embora n o seja um termo criado pela psican lise a identidade passa a ser utilizada em nossa l ngua como aquilo que nos referencia e que nos permite diferenciar se do outro e estar presente em qualquer constru o te rica referente transexualidade o que me leva a produzir algumas considera es sobre isso 6 1 A CONSTRU O PSICANAL TICA DA IDENTIDADE SEXUAL Desde crian a tive a tend ncia para criar em torno de mim um mundo fict cio desde que me conhe o como sendo aquilo a que chamo eu me lembro de precisar mentalmente em figura movimentos car ter hist ria v rias figuras irreais que eram para mim t o vis veis e minhas como as coisas daquilo a que chamamos abusivamente de vida real Esta tend n
20. es com a Antropologia os Estudos de G nero e a Psican lise a fim de compreender como o ser humano constr i sua no o de eu e de corpo e o que disso nos remete cultura contempor nea torna se importante refletir sobre a escuta cl nica no que p de ser acolhido sobre as singularidades da busca pela altera o corporal e do que poss vel generalizar As transexuais sentem ser do outro sexo e n o retrocedem frente a modifica es corporais inventando como solu o para o problema social da sexua o a opera o que retira o que n o reconhece como pertencente a si mesma ou que n o pode reconhecer A possibilidade de produzir o efeito normatizante por meio da interven o hormonocir rgica imaginariamente resolveria o impasse criado e expresso no discurso uma alma feminina aprisionada em um corpo masculino e assim serem inclu das em um mundo onde s cabe ser homem ou mulher N o por acaso que o reconhecimento da transexualidade pelos psicanalistas tenha se iniciado em leituras autobiogr ficas como Schreber afinal essas pessoas n o consideram que deveriam repensar em an lise algo que se inscreve no corpo o corpo que vai mal As que buscaram o hospital psiqui trico foram porque a fam lia ou elas mesmas entenderam o sentimento de estranheza com o pr prio corpo como algo insano diante dessa experi ncia paradoxal Se atualmente as encontramos em hospital geral porque ao demandarem a inter
21. o na imagem substitu da pela aliena o estrutural ao Outro da cadeia significante que na verdade a primeira opera o de causa o do sujeito ou seja com o espelho passando a representar o Outro onde o sujeito admira seu eu enquanto eu ideal como um objeto do desejo do Outro Segundo a maneira como se apreende o desejo do Outro o sujeito ter imagens diferentes de seu eu e tamb m da realidade QUINET 1994 p 46 Ele retoma o narcisismo de Freud para situar ali a fun o do imagin rio atrav s da distin o entre a perda da realidade na neurose e na psicose O funcionamento imagin rio permite um n vel de retra o da realidade que envolve a organiza o para o indiv duo de uma imagem do seu pr prio corpo consequentemente a falha nesse processo resultaria em diferentes manifesta es cl nicas A falha na fun o imagin ria se situa na rela o entre a matura o sens rio motora e as fun es de controle imagin rio no sujeito LACAN 1975 1954 p 127 Nesse sentido a rela o do sujeito com o mundo teria algo de inauguralmente lesado a fenda constitutiva do sujeito que permite separ lo do objeto sem a qual sua estrutura estaria comprometida na condi o do sujeito falante falasser que o objeto se perde e se constitui enquanto objeto perdido adquirindo o estatuto de objeto a O sujeito ao procurar na imagem especular o objeto que o causa encontra em seu luga
22. o tivera xito nos animais talvez fosse poss vel realiz la cientificamente em algu m que voluntariamente se submetesse a ela Sujeitava se a todas as consegii ncias considerando esta a nica possibilidade de proteger se da loucura ou da morte inevit vel Hirschfeld criou em 1919 em Berlim um Instituto das Ci ncias Sexuais para receber travestis e homossexuais de ambos os sexos Intencionava apoiar os tr mites para que essas pessoas fossem autorizadas a se vestirem conforme o sexo identificado a mudarem de nome nos documentos oficiais e a realizarem altera es corporais Uma das medidas tomada pelo Instituto foi a emiss o de um certificado m dico explicando as raz es pelas quais tais pessoas podiam ser encontradas nas ruas com roupas do sexo oposto e com altera es na est tica corporal O objetivo era evitar san es policiais e obter a modifica o nos documentos oficiais Em 1920 nos Estados Unidos divulgaram a realiza o de um tratamento cir rgico para mudan a de sexo em um artigo m dico uma mulher que n o aceitava a sua homossexualidade ao procurar um tratamento para sua fobia que se deu atrav s da sugest o e da hipnose fracassou na tentativa de cura O m dico ent o aceitou o pedido da paciente de ajud la a preparar se para o papel masculino sendo realizada uma histerectomia para esteriliz la e evitar a menstrua o A justificativa para esse tratamento foi a tentativa de Atitude que iremos enc
23. que esse gozo se externaliza cada vez mais do lado do Outro Antinomia expressa pelo jogo de rela es e identifica es imagin rias e o real da viol ncia homof bica e de um corpo onde se produz os conflitos identit rios Ante a inconsist ncia do simb lico da lei recorrem ao imediatismo na carne no Real para selar a possibilidade de n o se desfazer o la o social a letra do s mbolo que pertence ordem do real e que se inscreve no corpo na carne e que carece de sentido A carne que desde o real funciona como o suporte material e que aponta para o simb lico A cultura o simb lico encarna o sujeito que precisa operar no real a sua inscri o no simb lico desde suas identifica es imagin rias O corpo a imagem que constitu mos em uma dupla rela o uma imagem para si e para o outro Outro Estamos na cultura da imagem que nos leva a refletir acerca do papel da mesma em rela o ao ideal Concordo com Balandier 1997 quando diz que o indiv duo est exposto a dificuldades impiedosas tenta responder a elas buscando a apropria o mais profunda de si 156 mesmo e de sua rela o com os outros atrav s da metamorfose no corpo e no esp rito apagando se a diferen a que poderia ser a causa da ang stia A cultura torna se provocadora de interven es cient ficas que afetam o ser f sico do homem em sua pr pria forma o naquilo que o constitui Os processos biol gicos humanos est o aculturados at a mais
24. s vezes para sermos reconhecidos tentamos forjar em n s uma identidade pessoal mascarando ou recusando nossa origem mas n o se trata mais do que um sentimento uma ilus o essa certeza de quem somos pois ela constantemente reinventada tecida no cotidiano das rela es Nessa perspectiva Mercader 1997 p 16 prop e pensarmos que a convic o de que n o se a partir do seu sexo biol gico e sim do outro prov m do terreno da ilus o A ilus o de mudan a de sexo se basearia na id ia de uma similaridade entre ser homem e ser mulher e na possibilidade de uma aboli o da diferen a entre os sexos Quando a significa o do corpo e o limite do real s o denegados instaura se uma dicotomia de comportamento tanto mais r gida e estereotipada quanto mais artificial A ilus o transexual n o pode no entanto ser considerada como um erro poss vel ser transexual no campo social e te rico compartilhando do que disse Freud em O futuro de uma Ilus o O que caracteriza a ilus o ser derivado dos desejos humanos se aproxima por esta raz o id ia delirante em psiquiatria mas tamb m se separa dela A id ia delirante est em contradi o essencialmente com a realidade a ilus o n o necessariamente falsa mas irrealiz vel ou em contradi o com a realidade FREUD 1980x 1927 p 44 127 Embora seja uma manifesta o diante de um social que a pr define diz respeito s singul
25. s vezes atitudes de deboche e ironia ou militando em prol de seus direitos As sa das produzidas pelo discurso cient fico aportam um saber para o que at ent o n o tinha nome era inomin vel para o sujeito Trata se de um ideal cient fico e a ci ncia continua progredindo nesse sentido Segundo Melman 1993 p 39 os progressos das ci ncias tornam se uma boa not cia para os psicanalistas pouco a pouco os psicanalistas v o ser indispens veis em fun o deste resto que produzido pelo corpo da ci ncia do qual o analista se ocupa Esses progressos deixam de lado o sujeito prova de que o recalque da subjetividade constitutivo do discurso cient fico Lacan 1998e 1966 sublinhou que a psican lise se constituiu ocupando se do sujeito deixado de lado pela ci ncia id ia que se vinculou a o do analista atento quilo que as ci ncias m dicas n o escutam N o se trata por m de ignor ncia mas da rela o epistemol gica destes com o fen meno que investiga que n o se ocupa da subjetividade Todavia a psican lise n o est a para preencher com seu saber o suposto n o saber cient fico pois como prop e Lacan 1971 1972 p 73 em seu semin rio Ou pire no discurso anal tico n o se trata de um discurso cient fico mas de um discurso no qual a ci ncia nos prove o material que algo muito diferente cabendo aos psicanalistas tomarem o caminho da cl nica pois s no campo transferenci
26. somente enquanto faltante Ao homogeneizar a queixa transexual anula se o sujeito por tr s da demanda e se esquece que cada pessoa elabora um mito sobre seu padecimento sobre aquilo que lhe acontece Surge ent o a ocasi o de oferecer um espa o para que essa queixa possa ser escutada de outra forma pois como aponta Moretto 2002 se os m dicos dessem conta de tudo n o haveria raz o para a entrada do psicanalista no hospital 2 2 1 2 Os Efeitos de uma Oferta Se como disse Lacan para cada oferta cria se uma demanda ao oferecer ao sujeito um espa o para que ele fale cria se o desejo de ser escutado Uma escuta que levar o sujeito a se escutar abstendo me de buscar qualquer causalidade e sem confundi lo com uma etiologia m dica Ou em outras palavras minha escuta n o visa estabelecer a exatid o do que lhe causou a transexualidade e a nica verdade que interessa aquela que remete ao sentido e fun o intersubjetiva tomada nesse espa o m dico Em converg ncia com a tica a busca da verdade do sujeito opera em um campo delimitado pela fala e pela linguagem fora de qualquer objetiva o pautada no discurso de estarmos ali para encontrar o verdadeiro transexual cuja solu o autom tica se inscreveria na indica o ou n o da cirurgia preservando assim a Ordem heteros sexual A ambi o de meu trabalho essencialmente cl nico n o se trata somente de terapia ou tratamento como
27. Atribu a necessidade de sexo vaginal o motivo pelo qual ele n o se separava da esposa Para Alice todo homem necessita de sexo vaginal reificando a sua busca pela altera o corporal para suprir as necessidades sexuais do homem reafirmando mais uma vez o quanto a cultura heterossexista e homof bica se imp e nas a es do ser humano Alice sente repugn ncia pelo seu sexo embora admita que uma vez teve um caso com uma mulher que se dizia l sbica e com quem tentou manter uma rela o sexual com penetra o a qual considera ter sido um fracasso Confirma ent o a sua impossibilidade viril seja nas rela es ativas com homens ou com mulheres o que re afirma a busca pela cirurgia Quando est com homens sendo que se interessa apenas por heterossexuais fica atenta a forma como eles se interessam por ela Na menor possibilidade de haver interesse por seu p nis ou se toc lo ela se afasta imediatamente Embora n o esconda sua situa o em seus encontros sempre desconfia de quem a procura Acha que s vai acreditar em um homem quando puder oferecer o que ainda n o tem uma vagina Revive a cena nos encontros sexuais ao estar atenta ao desejo do outro para em seguida rejeit lo Embora se deixasse envolver em relacionamentos homossexuais mantinha se como objeto de desejo dos homens em situa es de sexo anal e fela o na condi o que imaginava aproxim la de uma posi o culturalmente feminina passividade
28. Gra a 1996 se dedicou mais ao estudo das homossexualidades mas insere a transexualidade como uma das perturba es da identidade sexual que se manifestam nos est gios iniciais do desenvolvimento Segundo ele essas perturba es podem ser distinguidas de acordo com sua express o sintom tica poca de aparecimento defesas predominantes e pontos de origem e considera estes desvios sexuais como condi o para o seu surgimento uma distor o profunda da matriz familiar ao n vel das identifica es Para Grafia 1996 p 13 14 a hip tese cl nica da transexualidade como estrutura dificilmente sustent vel sobretudo por seus estritos crit rios diagn sticos que s o raramente satisfeitos pela experi ncia As no es de uma simbiose feliz de uma feminiliza o sem castra o de aus ncia absoluta de registro paterno de travestismo sem excita o t m sido contestadas cl nica e teoricamente Para ele o estatuto nosol gico da transexualidade como entidade psicopatol gica fica essencialmente abalado por sua inconsist ncia cl nica diagn stica e metapsicol gica evidenciando se nesses casos o fracasso de uma defesa perversa ou uma psicose monossintom tica delirante O psicanalista Ceccarelli tem trazido contribui es desde 1994 em v rios artigos sobre este tema Suas proposi es ancoram se principalmente nas teorias de Piera Aulagnier e Mc Dougaull Para ele
29. O Pai privar n o s a m e de possuir o objeto f lico mas tamb m vai privar a crian a de ser o falo sendo necess rio que tanto a m e quanto a crian a suportem essa priva o admitindo a Lei 3 Quando a falta do objeto imagin rio acontece no Simb lico diz respeito castra o no confronto com a Lei da cultura representada pela fun o paterna o agente Pai real o confronto da realidade de ter e n o ser o falo LACAN 1995 p 36 A crian a experimenta a castra o como uma d vida simb lica imagin ria com o pai j que sup e que este quem possui o falo colocando a submetida Lei da cultura nica via poss vel para o desejo 114Mauss 2003 1950 desenvolve o conceito de Dom ao estudar os sistemas de trocas nas sociedades primitivas Lacan utiliza um sistema espec fico que Mauss apresentou o Potlach significa alimentar consumir Neste sistema havia tr s obriga es a de dar a de receber nada poderia ser recusado e a de retribuir dever que se n o cumprido se transformaria em d vida A primeira que se refere a dar tudo o que se tem Lacan considerou que seria o equivalente a n o se dar nada j que imposs vel dar tudo amar dar o que n o se tem Utilizou o para articular a frustra o de amor ao conceito de demanda 15O Falo uma palavra grega empregada para designar o rg o masculino em seu sentido simb lico Freud 1980 v 1923 vai se referir aos s
30. Quando a abordagem da especificidade estrutural impuser uma terminologia mais estrita diferencio no interior do campo psiqui trico os transexuais dos transexualistas FRIGNET 2002 p 46 Para este autor s os sintomas transexuais permitem psican lise esclarecer a aquisi o da identidade sexual e diferenci la da sexua o pontos chaves na an lise da cl nica da transexualidade Assim prop e de um lado as transexuais em quem a identidade sexual est forclu da e que s o portanto fora de sexo e do outro as transexualistas nas quais a identidade sexual est assegurada mas permanecem em um impasse no que diz respeito sexua o No primeiro caso o processo de identifica o real que imposs vel para o sujeito por falta do reconhecimento f lico a impossibilidade de acesso ao significante paterno onde a identidade sexual foi forclu da passivamente e essa inacessibilidade diferencia o sexual que vai nela fazer retorno no real sob a forma de sua convic o de ser do outro sexo outro no imagin rio e outro no simb lico No segundo caso onde a identidade sexual foi assegurada tratar da posi o que o sujeito adotar na coloca o social em jogo de seu sexo no que n o mais por conseguinte sua identidade sexual mas sua escolha sexuada No que concerne ao sexo este se refere aqui quilo com o que o sujeito confrontado desde o nasciment
31. Reconhece que sempre foi ausente mesmo porque propriet rio de restaurantes principalmente nos fins de semana que poderia ficar com a fam lia n o podia Relacionamentos comigo com o espelho com os outros Durante as sess es p de se perceber certa dificuldade para enunciar sua demanda que n o se descolou da que era dirigida ao m dico voltada para o corpo e uma dificuldade para nominar seus afetos Mara faltava muito pois estava sempre viajando para a casa da m e permanecendo por v rios dias No in cio dizia n o confiar em mim e qualquer coisa que eu apontasse ou questionasse era como se eu quisesse que ela mudasse de opini o ou descobrir algo dela para impedi la de realizar a cirurgia O seu descompromisso com a an lise relacionava se com a imposi o m dica do tempo em que deveria esperar para realizar o que acreditava ser a solu o para o seu problema O predom nio da imagem em rela o ao seu corpo era tema constante em nossos encontros revelando car ncia de significantes femininos no Inconsciente a falta de um apoio simb lico que produzia uma inclina o sobre o imagin rio em busca do ideal de eu que se apresentava em oposi o s refer ncias simb licas do masculino associado ao pai Nos atendimentos pedia minha opini o sobre roupas cabelos etc Pintou e cortou seu cabelo de v rias cores e formas diferentes Colocou e retirou muitos piercings Usou lentes de contato verdes azuis e violeta
32. a todo o momento lembrava as filhas das insufici ncias dele A m e considerada por Mara como to chefe da fam lia por ser quem tinha a responsabilidade n o s de administrar os bens como de criar as filhas era a nica pessoa a quem realmente amou nesse mundo refor ando sua identifica o com ela Aos 11 anos foi passar as f rias na casa da tia e voltou Mara mais magra com lentes de contato azuis cabelos e unhas longas e pintadas Uma linda adolescente Seu pai a quem ela tamb m se referia como ausente destitu do da fun o paterna n o se manifestou Manteve se indiferente como a vida inteira for A m e levou um choque mas p de confessar que sempre desconfiou de sua feminilidade Nunca se permitiu pensar ou falar sobre isso limitando se a expressar sua indigna o quando a via vestida de menina ou brincando de bonecas 254 Entretanto ao deparar se com a certeza da filha ajudou a em seu projeto de mudan a de sexo aposentou se e mudou de cidade com ela As outras filhas queixando se de ficar com o pai propuseram a troca Mara passou a morar com o pai embora tamb m n o o quisesse considerando o um estranho Mara dormia de dia e sa a de noite ao passo que o pai bebia de dia e dormia de noite Acreditava que por mal se falarem evitavam poss veis conflitos mostrando se atenta a apontar as diferen as entre eles Dividiam as tarefas de casa a ela cabia a limpeza e
33. chamativo e provocador Os ind genas de Papeete surpresos acreditaram que ele fosse um mahu esp cie rara entre os europeus habitantes da Polin sia Os colonos explicaram ao pintor que na l ngua maori o mahu era um homem mulher uma variante dos seres humanos que embora existissem desde tempos imemoriais nas culturas do Pac fico os mission rios cat licos e protestantes empenhados numa luta surda entre si pela doutrina o dos ind genas haviam demonizado e proibido de comum acordo desde que a coloniza o das ilhas se acelerou em meados do s culo XIX No entanto a extirpa o do mahu da sociedade ind gena revelou se um osso duro de roer e com o passar dos anos uma ilus o Dissimulado nos assentamentos urbanos ele sobreviveu nas aldeias e at nas cidades recuperando sua presen a quando se atenuavam a hostilidade e a persegui o oficiais E uma boa prova disso s o os quadros que Gauguin pintou em seus nove anos de vida no Taiti e nas Ilhas Marquesas repletos de seres humanos de g nero incerto que participam por igual do feminino e do viril com uma naturalidade e desenvoltura semelhantes maneira como seus personagens exibem sua nudez se fundem com a ordem natural ou se entregam ao cio Em seu livro de mem rias fantasiadas Noa Noa Gauguin conta uma experi ncia quase homossexual que havia inspirado seu quadro Pape Moe guas Misteriosas no qual um jovem andr gino se inclina para beber numa casc
34. dia a possibilidade de mulheres viverem como homem estava ligada vis o crist em que a mulher diferenciava se do homem pela fun o materna mas se preferisse servir antes o Cristo ao mundo deixaria de ser mulher negando o pr prio sexo e passaria a ser chamada de homem VERDE GRAZIOTIN 1997 Na hist ria n o oficial do catolicismo o Papa Jo o VII s c IX nomeado em 855 sucessor do Papa Le o IV comportava se como homem tanto que ocupou essa posi o l A t tulo de ilustra o segue uma frase de Jean Jacques Rousseau s c XVIII A mulher feita para agradar e para ser subjugada A mulher feita para ceder ao homem e para suportar mesmo sua injusti a Voc n o reduziria nunca os meninos ao mesmo ponto In SOS Corpo G nero e Cidadania Id ias e Din micas para trabalhar com G nero Pernambuco 1999 p 74 Em 1758 o cientista Lineu criou o termo Mammalia para classificar os seres humanos e distinguir a classe dos animais que mamam contrapondo se com a classifica o de Arist teles que posicionava os humanos na classe dos quadr pedes A posi o de Lineu estava de acordo com um pensamento do Estado franc s contra as amas de leite e em defesa do aleitamento materno Lineu introduziu o termo Homo sapiens para diferenciar o ser humano dos animais A racionalidade humana fundamentava tal diferen a Sendo assim poss vel concluir que ao relacionar a especificidade feminina s mamas
35. diz Lacan 1998 1966 em sua confer ncia Psican lise e Medicina Na categoria do Real ele colocou a realidade ps quica isto o desejo inconsciente e as fantasias a ele ligada como um resto inacess vel a qualquer pensamento subjetivo Algumas dessas pacientes embora nada quisessem de seu p nis diziam eu n o nego que esse rg o produz gozo mas eu sinto vergonha nojo Do ponto de vista do Real para que um corpo goze basta que esteja vivo desde que consideremos esse corpo como pura energia ps quica da qual o corpo org nico seria apenas uma caixa de resson ncia aquele de que a psican lise n o tem de se ocupar N SIO 1993 Para que o sujeito se constitua enquanto corpo em um processo de incorpora o significante necess rio incorporar o Outro simb lico correspondente da opera o da Met fora Paterna proposto por Lacan a partir da conceitua o de Freud sobre a castra o simb lica Essa opera o fundamental enquanto um elemento organizador da estrutura o cl nica psicose pervers o e neurose O que equivale dizer que subjetivamente o corpo n o se estrutura da mesma forma nas diferentes cl nicas O que importa a rela o do sujeito com seu corpo articulado com a carne e o organismo onde o termo corporeidade permite resolver esse impasse onde as tr s inst ncias n o se apresentam em separado Moretto 2006 p 127 levando em conta os tr s registros em sua articula o com o corpo e
36. embora saiba que nunca ser uma mulher biol gica seu corpo est adequado ao que convencionalmente se determinou para o g nero feminino Resta a constata o da mudan a pela fam lia do corpo que muda do filho que agora filha dif cil elaborar o luto pela perda do filho idealizado Talvez n o t o idealizado assim O luto tamb m para Joana que n o deu conta de ser esse filho esperado A identidade transexual surge no horizonte da experi ncia cotidiana O que isso quer dizer Aflora sua feminilidade cada vez mais poss vel desejar e poss vel ser desejada por um homem na condi o de heterossexual No trabalho a enfermeira que sempre foi pode cada vez mais expressar seus cuidados maternais Repeti o do modelo materno que lhe serviu durante tanto tempo como suporte identificat rio Os pacientes a preferem diante de outras pois sua delicadeza os faz sentirem se protegidos diante da fragilidade de suas exist ncias O que Joana transmite a esperan a de que diante das im possibilidades poss vel renascer 170 8 2 AS NARRATIVAS 8 2 1 ESPELHO ESPELHO MEU Era uma vez um menino que n o queria crescer tal como Peter Pan na Terra do Nunca Que se sentia uma princesa como as que nos contos de fadas esperam por um pr ncipe P So e o 136 i j i E e Esta a hist ria de Maria que acompanhei em seus primeiros tempos de feminiza o O encaminhamento Meu encontro com sua hist
37. enunciava assim sua rela o com o falo que n o era nem masculino e nem feminino e como aponta Millot 1992 extrasexo o espa o da diferen a a hi ncia necess ria o que a retiraria dessa com fus o e o tra o que a identificaria ao feminino refor ado na adolesc ncia pelo desejo por um homem J encontrava se atrelada a um mesmo padr o em que o saber encontrava se colocado no outro feminino na m e na professora que identificou seu sofrimento e transferencialmente em mim quem ela esperava que pudesse responder lhe se o seu problema era mesmo a transexualidade Os homens nada sabiam quest o que ela colocava inicialmente em seu discurso em rela o ao pai mas que em seguida aos outros homens que s descobriam sua masculinidade se ela lhes dissesse A promessa e sua liga o com a religi o At os quatro anos de idade apresentava fregiientemente um sangramento no nariz e a m e que era devota de Nossa Senhora Aparecida fez uma promessa de deixar o cabelo de J crescer at a cintura e quando ela se curasse tiraria uma foto e levaria at o altar da igreja A partir de ent o J passa a ter um cabelo longo o que associado aos tra os delicados facilitou para que aparentasse uma menina cujo registro identit rio se associar a doentinha 217 Refere que a m e sempre teve uma forte liga o com a religi o tendo permanecido como freira durante a adolesc ncia e parte da vida adulta saindo d
38. es psicanal ticas apresentadas nada puderam contribuir para o desdobramento da cl nica com as participantes apresentadas e ainda por acreditar no m todo psicanal tico insisti na pesquisa de conceitos na psican lise que viessem a contribuir para a minha escuta Nesse sentido tratando se da quest o das transexuais por mim atendidas at ent o que diz respeito ao g nero corpo e identidade sexual fui investigar a sufici ncia ou n o desses conceitos na psican lise para a condu o do tratamento e para tentar responder ao prop sito da minha pesquisa sendo o que apresento a seguir 110 Jornal O Globo Rio de Janeiro 1992 106 6 A CONSTRU O DA DIFEREN A SEXUAL A ANATOMIA OU A CULTURA O DESTINO A transexualidade se fundamenta para al m dos avan os biotecnol gicos na constru o da identidade sexual e de g nero Tanto para a sexologia e a psiquiatria como para alguns psicanalistas a transexualidade se apresenta pela incoer ncia entre sexo biol gico e g nero natureza e cultura baseado em uma concep o normativa que regularia as pr ticas sexuais e a subjetividade a partir de uma matriz heterossexual De um lado teria o sexo real da reprodu o sexuada consagrado pela apar ncia e do outro o registro subjetivo do g nero que na maioria das pessoas concordaria com o sexo No caso das transexuais por estarem em uma dissimetria radical v o buscar a cirurgia para adequar o sexo ao g nero est
39. esse saber sobre esse corpo em sua tentativa de compreender como um corpo sexuado pode ser Em si mesmo trata se de uma constru o contradit ria dita assim pela autora pois ao mesmo tempo em que aponta como essa constru o se d enquanto efeito de uma cultura pautada em uma matriz heterossexual mostra a impossibilidade de n o s lo Como sabemos o ser se constitui e depende do outro e do Outro para sobreviver para deixar de ser s carne e tornar se um ser humano O eixo imposto para a exclus o dos corpos o heterossexual sendo o dipo o representante desse papel normatizador e se assim n o for a pessoa estar fadada a viver nas regi es sombrias da ontologia BUTLER 1998 p 2 o casulo no qual o ser n o pode sair pois a abje o de seu corpo a inaceitabilidade dele por n o ter sido enquadrado nos c digos que o legitimariam pela Lei normativa n o lhe permite que assim seja Portanto precisa primeiro se metamorfosear se materializar para voar em liberdade e satisfazer suas demandas pulsionais como apresento em minha narrativa inicial no cap tulo dos casos cl nicos H ent o um limite para a constru o dos corpos sexuados ou seja a constru o desses corpos necessariamente encontrar esse limite De acordo com Costa 2003 o social 152 tem um papel central pois ele institui tanto bordas corporais como bordas sociais Socialmente seu efeito pode ter a fun o de um isso no qual
40. homem empregado tamb m para se referir ao feminino Essa defini o n o comum em todos os autores O termo usado aqui de acordo com o manual do Minist rio da Sa de BRASIL 2002a p 47 que define transexuais femininas as pessoas de sexo biol gico masculino que desejam alterar seu corpo para aproxim lo do g nero feminino Tal defini o tamb m adotada pelas teorias de g nero Na linguagem cient fica oficial as pessoas que passam pelo processo de transexualiza o de mulher para homem s o designadas de transexuais femininas e de homem para mulher de transexuais masculinos Por essa l gica independente de uma mulher biol gica passar pelo processo para constru o de signos corporais identificados socialmente como pertencentes ao masculino continuar sendo transexual feminina 16 subjetivamente se sentem identificadas com o g nero feminino demandando cirurgia de transgenitaliza o assim definida pela medicina Em geral mas h exce es essas pessoas sentem que seus rg os genitais n o correspondem ao seu sentimento de identidade sexual sendo comum a express o uma alma feminina encarcerada em um corpo f sico masculino referindo se ao sentimento de que houve um engano da natureza em seu nascimento Por conta disso v o reivindicar uma adequa o em sua anatomia sexual por uma condi o da qual dizem j est o certas e para que aos olhos do social obtenham um re
41. i tem de superar grandes obst culos e at mesmo arriscar por vezes a pr pria vida para conseguir a metade perdida Talvez ao nos referirmos s pessoas ditas transexuais possamos falar de her is que segundo Mac Dougaull 1999 para sobreviverem psiquicamente no in cio de suas vidas tenham feito arranjos pulsionais Sendo assim mant m lutas consigo e com a sociedade buscando tamb m a sua defini o dentro do que acreditam ser a nica possibilidade 30 mito de Tir sias o mesmo encontrado em dipo contado por Ov dio 1983 50 3 1 2 Na Vertente do Sacrif cio A mudan a de sexo mais propriamente vinculada extirpa o dos rg os genitais nos remete hist ria de dois personagens mitol gicos Cibele e tis Uma das vers es contada por Ov dio A Deusa Cibele uma das muitas representantes da m e divina tinha um filho amante de nome tis Ainda menino tis acorrentado por meio de um casto amor deusa ela queria t lo ligado a si confiar lhe seu templo e ent o este lhe disse fa a com que permane a para sempre crian a Ele prometeu ser fiel se minto que o primeiro amor que me fa a falhar seja o ltimo Ao se envolver com a ninfa Sagaris tis enlouqueceu e sacrificou a sua virilidade castrando se Esse ato est na origem de um ritual que culminou na extirpa o dos pr prios genitais de sacerdotes As sacerdotisas cibelianas eram consagrad
42. independente dos pais e bancar as despesas de Mariana j que hipotetizava que era este o motivo que a impedia de separar se do marido Interrompe o uso dos horm nios para voltar a ter ere o Acha que encontrou o ponto de equil brio Voltou a se vestir como homem e sente que assim a sociedade n o o v com maus olhos nem seu pai Diz que gostaria de continuar frequentando as sess es mas pede me para atender sua namorada j que sup e que eu possa ajud la a tomar a atitude de separar se do marido Com minha recusa em atender sua namorada e a oferta de continuidade do atendimento independentemente da cirurgia ele interrompe o trabalho anal tico Pede um tempo embora sinta que vai precisar de mim se essa rela o n o der certo por m prefere deixar essa vaga para algu m que realmente queira realizar a cirurgia N o sabe se dar conta sozinho referindo se a interromper os encontros comigo Embora eu d a ele a oportunidade de continuidade j que n o da cirurgia que isso se trata sente se confuso mesmo porque estar ali de algum modo o aproxima de algo que n o quer se deparar agora afinal eu fa o parte de uma equipe que oferece a cirurgia de transgenitaliza o e acho que ele precisa de um tempo sozinho para essa nova experi ncia Essa decis o eu suponho tem o apoio dos pais que n o me procuraram mais e talvez tenham interpretado o abandono do acompanhamento como a aboli o do sintoma transexu
43. lica Longe de ser considerada uma cl nica espec fica a transexualidade um fen meno m dico social mas que remete s singularidades de quem a expressa n o sendo poss vel universaliz la Palavras chave psican lise corpo sexo psicologia identidade sexual transexualismo g nero ABSTRACT ELIAS V A For beyond what it seems from transsexualities to singularities in search for body transformations 2007 298 f Dissertation Masters in Psychology Faculdade de Ci ncias e Letras de Assis UNESP The current paper results from clinical experience with female transsexuals patients who look forward to undergoing sex change surgery in order to adjust their physical body to fit their feminine soul This research intends to address the issue of transexualities through the eyes of he who lives it i e through their sex adjustment speech in the singularity of he who expresses it keeping a reflection on the articulation between individual and social factors The approach method used on seven adult female transsexuals no longer being treated was research in psychoanalysis and narrative in clinical vignettes in order to offer a representative panorama of the psychic dynamics of each one The main issue of this paper is how to organize the subjectivity of a person who in the name of their sexual identity demands a definitive body adjustment so as to bring their body closer to the one of the opposite gender The psychoa
44. maior verdade dita por uma analisanda O saber sobre essa experi ncia est sempre do lado do analisante e o que nos permite saber sobre isso constru do nessa rela o que s acontece dentro de um campo transferencial Minha inten o foi transmitir esse conhecimento produzido aos profissionais que se interessem em percorrer seu pr prio caminho pelas transexualidades Que eles possam encontrar nessas linhas n o uma compreens o dentro do meu campo de entendimento mas que a partir dele possam encontrar os aspectos que lhe conduzam produ o de seus pr prios saberes As id ias s o constantemente transformadas n o h nada eterno nem definitivo e com esse esp rito que espero ter podido lev los a me acompanhar neste percurso cl nico na qual tive a feliz oportunidade de me encontrar com a hist ria de algumas transexuais 279 REFER NCIAS BIBLIOGR FICAS ALBERTI S O corpo uma superf cie In Alberti S Ribeiro M Retorno do Ex lio o corpo entre a psican lise e a ci ncia Rio de Janeiro Contra Capa 2004 ALBY J Contribution Petude du transexualisme Th se Facult de M decin de Paris 1956 ALOUCH J Quando el falo falta In Alouch J et all Grafias de Eros Historia g nero e identidades sexuales Buenos Aires Ediciones de la Ecole Lacanienne de Psychanalyse 2000 p 199 210 Sobre el falo Breve vistazo a un momento del Semin rio de Jacques Lacan In Avatares de la asunci n f
45. mbolos f licos nos sonhos organiza o da fase f lica o primado do falo como objeto de desejo da m e e como proibido ao filho e ao car ter sexual da libido Lacan 1998a 1958 ir conceitualiz lo como o objeto do recalcamento origin rio freudiano o significante do desejo e do gozo sexual o ponto em que se articulam as diferen as na rela o com o corpo com o objeto e com a linguagem o que est mais al m da rela o sexual e da diferen a entre os sexos Est entre o que preciso e aquilo que faz falta ser e n o ser o falo ter ou n o ter o falo articulado nas dimens es real simb lica e imagin ria CHEMAMA 2002 p 68 70 114 s com a perda inaugural do objeto aquele que apresentava no real e no imagin rio e representava no simb lico a rela o fusional com o corpo da m e que a crian a n o mais infans mas um ser falante tem acesso subjetiva o que n o mais posto em a o pelas meras faltas de necessidades e das demandas mas que tem acesso a uma outra dimens o constitu da pelo desejo Lacan vai situar a demanda como algo anterior que pode ser formulado pela palavra e o desejo articulado no inconsciente n o pode ser articulado pelo sujeito formulado em palavras Reduzido ao plano dos significantes o desejo indiz vel e s pode ser significado e interpretado Para que o sujeito adquira um sentimento de identidade sexual esta implica um reconhecimento f lico ou s
46. motivo pelo qual faltou em algumas aulas e sess es No come o mostrava se um pouco fechada falava pouco de seus sentimentos em rela o sua apar ncia no que ainda se mantinha no masculino principalmente em rela o aos p los e ao p nis e aos poucos percebeu que isso n o afetaria o que eu pensava sobre ela Transferencialmente as a es de Maria suscitavam em mim uma tentativa de enquadr la n o s nas sess es mas tamb m no universo feminino correndo o risco de uma atua o tal qual a dos professores E na inten o de ser organizante poderia tornar se obturante A demanda que me chegava era de ser salva dessa situa o e eu tentava desse 174 modo salv la de um mundo homof bico fazendo a manter se mais invis vel ao olhar preconceituoso do social Disse me que a cirurgia seria o seu pr prio parto atrav s do qual poderia nascer enquanto mulher Aparece aqui a ilus o de que a cirurgia proporcionaria um novo nascimento j que o primeiro parto n o foi suficiente para operar no psiquismo o que o corpo no real de seu sexo biol gico deveria convencionalmente produzir em termos de um efeito normatizante Apontei lhe que a cirurgia n o a tornaria mulher nos crit rios do que dizia supor que a altera o corporal lhe traria isso era imposs vel o que a fez permanecer em sil ncio durante um tempo como se tivesse sido levada a lidar com um real do qual preferia n o se deparar embora n o lhe
47. ncia ou quem sabe cumplicidade sobre a qual Iemanj podia se apoiar Come ou a vestir se como mulher aos 14 anos por orienta o de guias espirituais onde era m e de santo Pela religi o buscava o sentido para esse engano da natureza Seu discurso refletia sua indigna o com Deus por ter feito isso ainda sem nome com ela Deus podemos supor enquanto representante do pai aquele que nunca quis saber dela 248 Dizia que preferia correr o risco da cirurgia e morrer a viver com essa coisa p nis como se eu fosse s esp rito e esse corpo fosse apenas uma casa que eu tivesse habitando me diz Colocava a cirurgia como a tentativa de moldar se imagem do que idealizava e a possibilidade de significar sua exist ncia Destinada a ocupar um lugar na fam lia acreditou n o ter outra sa da a n o ser ocupar esse lugar para existir psiquicamente respondendo inconscientemente ao que se esperava dela Voc ficou ent o do lado das mulheres e eliminou os homens da sua vida pode ser que sim At voc mesmo Nossa Creio que sim A vida fez isso comigo Vida profissional Quando iniciou o tratamento trabalhava como cozinheira Ao ser demitida teve dificuldade para conseguir outro emprego Ao mostrar sua carteira de trabalho s pessoas n o a aceitavam algumas diziam claramente do medo que ela desse em cima do marido ou dos filhos Associavam sua condi o com a traves
48. ncia com o outro que ocorre o processo de constru o da identidade Green 1988 p 9 diz que o cimento que mant m a unidade constitu da do Eu reuniu seus componentes para adquirir uma identidade formal t o preciosa ao sentimento de sua exist ncia quanto o sentido pelo qual ele se apreende como ser Segundo Matos 2000 n o nascemos identificatoriamente definidos como homens ou mulheres hetero homo ou transexuais esta ser uma conquista relativa da subjetividade no plano espec fico do g nero um ponto de chegada de cada um de n s sempre amea ada pela possibilidade de desamparo e pela solid o subjetiva diante do desejo e da falta p 68 Faz parte da natureza da sexualidade ser fluida n o fixa uma narrativa que muda com o tempo e para isso a autora prop e o conceito de multissexualismo referindo se pluralidade e diversidade cultural e subjetiva das experi ncias de g nero se num primeiro momento da estrat gia discursiva psicanal tica freudiana a bissexualidade deveria ser superada ou super vel em prol dos bens coletivos e da coniv ncia na sociedade burguesa e de massa o multissexualismo uma estrat gia atual de resist ncia cr tica e subversiva homogeneiza o de tal empreitada social cultural e pol tica MATOS 2000 p 68 Desse modo a identidade torna se m ltipla pessoal sujeita a constantes modifica es Isso faz com que se pense em um proce
49. nero gramatical passando pelos h bitos vestimenta etc MERCADER 1997 p 90 Scott 1995 retoma a diferen a entre sexo e g nero empregada por Stoller articulando no o de poder Diferente da proposi o de que g nero o sexo social cultural para essa autora g nero constitu do por rela es sociais O g nero assim como toda identidade social cultural e discursivamente produzido portanto constitu do pela linguagem por meio dos significados produzidos pelas representa es que damos sentido nossa experi ncia e assumimos nossa posi o de sujeito A variabilidade de possibilidades de ser homem ou mulher e a quest o trazida pelas transexuais colocam em quest o a suposta naturalidade dessa dicotomia Para essa autora a quest o da igualdade entre os sexos precisa ser entendida em termos de paradoxos dentro da l gica de que n o pode ser resolvida que falsa e verdadeira ao mesmo tempo Os termos de exclus o sobre os quais essa discrimina o est amparada s o ao mesmo tempo negados e reproduzidos nas demandas pela inclus o SCOTT 2005 p 15 6 2 1 Contribui es Contempor neas dos Estudos de G nero para Avan armos na Quest o das Transexualidades A maioria das constru es te ricas apesar de considerarem as diferen as sobre o sexo biol gico que se constitui a identidade de g nero e os novos estudos feministas buscam compreender os processos de produ o de novas fo
50. nsito diante de um im passe ser homem ou ser mulher Passageiro por ser considerado um espa o transit rio onde a cirurgia permite definir esse 128 Caso de Mara 129 Caso de Iemanj 151 lugar E assim a vida fica em suspenso espera de ser reconhecida como mulher no social e no jur dico 7 3 O CORPO TRANSEXUAL COMO CORPO ABJETO A l ngua ao mesmo tempo ps quica e social ou seja n o pode ser tomada como um sistema livre e dependente apenas de um princ pio individual mas tamb m se entrecruza em sua constitui o com o coletivo atrav s das identifica es que os sujeitos v o se inscrever na cultura a intera o entre a identifica o imagin ria eu e eu ideal e a identifica o simb lica ideal de eu j que constituem o mecanismo mediante o qual um sujeito se integra em um campo s cio simb lico assumindo determinados mandatos que vem da cultura Desse modo n o d para pensar a constru o da transexualidade sem consider la como um fen meno individual e social Butler 1998 prop e pensarmos o quanto o corpo das pessoas transexuais visto em nossa cultura como corpos abjetos mas que n o s o efeitos do recalcado mas sim de uma afirma o de uma presen a massiva de uma exclus o uma verdade normativa sobre o verdadeiro corpo Ela trata a quest o epistemol gica de como podemos conhecer nossos corpos sexuados mas tamb m ontol gica de como se d essa constru o
51. ntica 1999 p 151 172 ZAMBRANO E Trocando os Documentos Disserta o de Mestrado Programa de P s Gradua o em Antropologia Social Instituto de Filosofia e Ci ncias Humanas Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2003 293 FILMOGRAFIA Madame Butterfly 1995 Madame Butterfly EUA Drama Dire o Martin Scorcese Sinopse Madame Butterfly pera de Puccini uma comovente hist ria de uma jovem gueixa que sacrifica a sua fam lia a sua religi o e a sua pr pria vida pelo marido um tenente americano que compra o amor de Butterfly enquanto est no Jap o sem nenhuma inten o de lev la para a sua casa na Am rica Na verdade a jovem gueixa era uma transexual que se revela ao final do filme com um final tr gico de hara kiri Minha Vida Em Cor De Rosa 1997 Ma vie en rose B lgica Fran a Reino Unido Com dia Drama Dire o Alain Berliner Sinopse Hist ria sobre um garoto que pensa que uma garota e age como tal O que lhe parece absolutamente normal completamente bizarro para as pessoas que o cercam Entre as quais est a fam lia que n o sabe exatamente como proceder diante do comportamento estranho do filho e da rea o indignada dos vizinhos Aos poucos no entanto a vizinhan a e a escola que lan a olhares e palavras discriminat rias para o menino por seu comportamento incomum parecem aprender a conviver com seu jeito diferente Meninos N o Choram 1999 Boy
52. o Federal par grafo quarto que trata da remo o de rg os tecidos e subst ncias humanas para fins de transplante pesquisa e tratamento bem como o fato de que a transforma o da genit lia constitui a etapa mais importante no tratamento de pacientes com transexualismo CONSIDERANDO que o artigo 42 do C digo de tica M dica veda os procedimentos m dicos proibidos em lei e n o h lei que defina a transforma o terap utica da genit lia in anima nobili como crime CONSIDERANDO que o esp rito de licitude tica pretendido visa fomentar o aperfei oamento de novas t cnicas bem como estimular a pesquisa cir rgica de transforma o da genit lia e aprimorar os crit rios de sele o CONSIDERANDO o que disp e a Resolu o CNS n 196 96 CONSIDERANDO o est gio atual dos procedimentos de sele o e tratamento dos casos de transexualismo com evolu o decorrente dos crit rios estabelecidos na Resolu o CFM n 1 482 97 e do trabalho das institui es ali previstas CONSIDERANDO o bom resultado cir rgico tanto do ponto de vista est tico como funcional das neocolpovulvoplastias nos casos com indica o precisa de transforma o o fen tipo masculino para feminino CONSIDERANDO as dificuldades t cnicas ainda presentes para a obten o de bom resultado tanto no aspecto est tico como funcional das neofaloplastias mesmo nos casos com boa indica o de transforma o do fen tipo feminino para masculino CONSIDERA
53. o cir rgica proposta pela medicina n o age sobre a causa mas leva elabora o de constru es defensivas que se exerce em nome da norma e comporta a exclus o da dimens o do desejo e de seu questionamento A an lise seria a possibilidade de tir las dessa situa o As transexuais femininas n o teriam rela o com a verdade a n o ser sob a forma de nada querer saber Em sua busca da verdade s o v timas de um erro dizia Lacan Confundem o rg o e seu significante Sua paix o e sua loucura consistem em acreditar que livrando se do rg o livram se do significante que as divide sexuando as MILLOT 1992 p 123 A Teoria dos N s constitui uma das ltimas proposi es te ricas de Lacan que se 4 106 R a A i serviu do n borromeano para dar suporte rela o no Inconsciente dos tr s registros do simb lico ligado linguagem do Imagin rio correspondente s representa es associadas ao corpo e do real dimens o necess ria pela impossibilidade de reconduzir todos os fen menos Para a psican lise o Nome do Pai remete fun o simb lica do pai aquela que obrigatoriamente deve estar em jogo para assegurar uma separa o na fus o inicial entre o corpo materno e o infans para permitir a assun o de um sujeito nesse est dio ainda em devir FRIGNET 2002 p 107 10 Conhecida como o n borromeu assim nomeado por ter sido usado pelos borromeus como s mbolo de sua alian
54. o se estrutura Assim a import ncia do simb lico na realiza o sexual seja na constitui o da identidade sexual situar se subjetivamente como homem ou mulher ou na realiza o por cada um de seu sexo de seu ser sexuado ou no destino da vida er tica tem o dipo como fundamental Enquanto uma rela o simb lica o dipo regula o campo do pulsional e o campo do imagin rio a rela o com a imagem e conseq entemente fun o simb lica 123 f lica castra o que determina as leis para o desejo e ordena a sexualidade de cada um KAUFMANN 1996 Lacan 1975 1954 observa que no ser humano as manifesta es da fun o sexual se caracterizam por uma desordem eminente N o h nada que se adapte e questiona O amor genital ser um processo natural N o se trataria ao contr rio de uma s rie de aproxima es culturais que s podem ser realizadas em certos casos O que eu continuaria ser que a transexualidade n o seria tamb m um efeito dessas produ es culturais A sexualidade dita 2 normal para Freud que salutar para a civiliza o n o depende de uma natureza de normas biol gicas mas enfatiza a problematiza o dos complexos inconscientes do dipo e da castra o O ser humano como sujeito encontra seu lugar em um aparelho simb lico pr formado que instaura a lei na sexualidade e a integra o desta est ligada ao reconhecimento simb lico A experi ncia nos mostra que a d
55. paciente O que nos permite conduzir o tratamento constitu do pelas diferentes modalidades de demandas do paciente Durante as primeiras entrevistas o analista introduz o paciente em uma primeira localiza o da sua posi o na realidade apresentada inscrita em uma fam lia em um evento social em uma situa o profissional ou em um pedido de altera o corporal O que importa principalmente refere se rela o que o sujeito mant m com sua demanda O paciente d um sentido a cada um de seus sofrimentos e nesse n vel do sentido que se faz a primeira interven o a retifica o subjetiva Quando se atinge esse ponto de ruptura o analista pode abandonar a posi o de dire o e ocupar o lugar de objeto da transfer ncia associado com o tipo de rela o que o paciente tem com sua fala 2 O real n o se confunde com a realidade mas se refere a algo que resiste tradu o simb lica sustentada na express o de que o real o que n o cessa de n o se escrever Vetor de orienta o da psican lise lacaniana que busca tratar o real pelo simb lico A l gica do n o todo responde pela articula o do campo da psican lise tal como apontado por Freud apoiada no saber n o sabido inconsciente imposs vel de tornar se inteiramente consciente A l gica do n o todo significa que nem tudo pass vel de ser simbolizado que existe um real irredut vel 31 Intervimos nesse primeiro momento no n vel da
56. ram um grupo que luta propondo inclusive a retirada do sufixo ismo do termo e consegientemente tamb m retir la da esfera das patologias O terceiro cap tulo consiste no que pude apreender sobre o processo hist rico e cultural que nos permitiu chegar diferencia o das sexualidades e aos avan os tecnol gicos inimagin veis presenciados na atualidade Tais avan os desempenham um papel fundamental na constru o do conceito de transexualidade que comp e o quarto cap tulo As reflex es que essa pr tica propiciou levaram me a rever os conceitos no campo do diagn stico Se por um lado Freud apontava para a natureza estrutural das neuroses pervers es e psicoses por outro ressaltava a import ncia de se considerar o ponto de vista cl nico no qual cada caso nico n o havendo a possibilidade de coincid ncia Portanto um diagn stico pode desrespeitar a natureza estrutural 23 N o pretendo por m definir quem s o as pessoas transexuais ou propor uma cl nica espec fica para a transexualidade problema que em ess ncia tem in meras leituras mas que acabam se restringindo na literatura vigente a algumas poucas interpreta es consistentes apontadas no quinto cap tulo Apesar de sua import ncia j que as quest es cl nicas colocadas pelos psicanalistas que estudaram esse fen meno contribuem de qualquer modo para uma melhor compreens o dos processos de subjetiva o nem todas d o conta do que em
57. ser feminino Essa verdade teria que ser comprovada cientificamente pela aus ncia do p nis e a constru o de uma vagina prova maior requerida de que se mulher perspectiva que a conduzira cirurgia de transgenitaliza o N o ter o falo para ser o falo cujo representante maior seria o p nis Como ser um homem se o que desejo outro homem Poder amos no caso de Alice pensar estar diante de um fetiche ao presentificar em um objeto da realidade a castra o materna Esse pedido de altera o corporal de algum modo pressup e uma esp cie de reconhecimento da dita castra o materna cuja aceita o se encarna no objeto fetiche A vagina ambicionada constru da em um lugar de falta real de um objeto simb lico se associaria ao falo velado Assim fazendo se desejar pelo que n o tem e querendo ocultar o que na realidade tem Essa dial tica complexa entre o ter e o ser o falo evocam os desvios caracter sticos da rela o do sujeito com a palavra Por que me diz que tem o p nis e que o esconde e depois diz que n o o tem Quest o de Maria na cena com a irm e com o pai Como ser um menino se me mant m com uma apar ncia de menina me leva ao ginecologista e esconde a raz o de meu sangramento Essa era a quest o de J em suas fantasias de menstrua o Como ser um menino se me pede para n o olh la como meu pai Quest o de Iemanj Como ser um 266 homem se o que me mostra apenas como n o s lo qu
58. tica com a equipe que o acompanha Em suma unindo o simb lico e o imagin rio na presen a constante do real para que nosso 2 7 144 encontro n o se torne tamb m um equ voco como nos diz Fernando Pessoa em sua poesia Fiz de mim o que n o soube e o que podia fazer n o o fiz O domin que vesti era errado Conheceram me logo por quem n o era e n o desmenti perdi me Quando quis tirar a m scara estava pego cara Quando a tirei e me vino espelho j tinha envelhecido Neste momento de finalizar ainda que n o completamente j que n o h saber completo v rios caminhos de interpreta o se abrem sobre um tema onde in meras interfaces se relacionam Estruturas psic ticas perversas neur ticas Essa pergunta 14 Poesia de Fernando Pessoa Pseud nimo Alberto Campos Tabacaria In Obras po ticas Rio de Janeiro Ed Nova Aguilar 1983 275 respondida pelo sim ou pelo n o n o abria a nada pelo contr rio se fechava em respostas tais como n o h o que fazer al m da cirurgia O pensamento psicanal tico durante muito tempo foi essencialista e uma experi ncia cl nica valia para os outros casos inclusive para outras sociedades e esta pesquisa nos mostra o quanto h diferen as preciso pens las em suas varia es e em sua rela o e constru o subjetiva Como pudemos constatar n o h uma ess ncia do que ser homem ou mulher assim como n o h uma ess ncia do que ser t
59. vel atribuir fun o paterna o mesmo estatuto de fantasma origin rio que Freud atribuiu ao complexo de castra o Pois se a resposta est a isso transformaria a fun o paterna em solu o paterna para todas as manifesta es subjetivas da contemporaneidade tal como nos faz refletir Ceccarelli 2003 Mas ser que t o simples As mudan as na atualidade que trouxeram mudan as nos la os sociais n o teriam possibilitado arranjos diferentes sem que isso tivesse que se constituir como algo a ser tratado para que pudesse retornar a uma homeostase Estamos em um caminho sem volta onde necessariamente dever amos repensar os lugares para se criar uma nova configura o diante das transforma es sociais e n o para que as coisas retornem ao que eram Freud considerou a influ ncia dos fatores s cio culturais ao supor que haveria sempre uma doen a nervosa pr pria a cada poca e que um dom nio sobre qualquer assunto s poderia ser adquirido pela experi ncia cl nica diante da extraordin ria diversidade de constela es ps quicas envolvidas e a plasticidade dos processos mentais que se op e a qualquer mecaniza o da t cnica Portanto os determinantes s cio culturais devem estar 273 articulados com os psicanal ticos para que possamos apontar uma dire o para os atravessamentos decorrentes do s culo XXI Torna se relevante pensarmos ainda na nossa posi o tica Minha pr xis teve na tr
60. 2001 LE O S C Inf ncia Lat ncia e Adolesc ncia Rio de Janeiro Imago 1990 LE BRETON D El Adi s al Cuerpo In El Sentido del Cuerpo Tend ncias Cient ficas Gen Altruista 2002 LOURO G Teoria Qiieer uma pol tica p s identit ria para a educa o Revista Estudos Feministas v 9 n 2 Florian polis 2001 LOWENKRON T O objeto da investiga o psicanal tica In Herrmann F e Lowenkron T org Pesquisando com o m todo psicanal tico S o Paulo Casa do Psic logo 2004 289 MALUF S Corpo e corporalidade nas culturas contempor neas abordagens antropol gicas In Esbo os Revista do Programa de P s Gradua o em Hist ria da UFSC Chapec UFSC 2002a n 9 b Corpo e desejo tudo sobre minha m e e o g nero na margem Revista Estudos Feministas Florian polis CFH CCE UFSC vol 10 n 1 2002b p 143 153 MALDAVSKY D Casos At picos Cuerpos marcados por del rios y numeros Buenos Aires Amorrotu 1998 MATOS M Reinven es do v nculo amoroso Cultura e identidade de g6enero na modernidade tardia Rio de janeiro TUPERJ 2000 MAUSS M As T cnicas Corporais 1934 In Mauss M Sociologia e Antropologia S o Paulo EPU 1974 vol II p 209 233 Ensaios sobre a D diva perspectivas do homem Lisboa Edi es 70 1950 MC DOUGALL J Em Defesa de certa anormalidade teoria e cl nica psicanal tica 1983 Porto Alegre Artes M dicas 1991 As M ltiplas Faces de
61. Alice n o conseguiu ser este se mostrava sempre insatisfeito E tamb m para o primo que a rejeitou ambos rejeitaram esse desejo homos sexual casando se com uma mulher Alice se v presa nas rela es em que a terceira exclu da precisa saber o que quer um homem que ela sup e ser uma vagina 239 8 2 5 UM CAMINHO SEM VOLTA Jac veio para o hospital ap s saber por uma conhecida da realiza o de cirurgia Sempre imaginava que um dia como um milagre poderia ir para a Tail ndia submeter se cirurgia ou realiz la aqui mesmo em alguma dessas cl nicas particulares N o sabia at ent o da possibilidade de que isso acontecesse gratuitamente Apresentou se como Jac apelido que designa o in cio do seu nome masculino e pelo qual todos a conhecem trazendo inclu do no sobrenome materno um nome feminino No passado vestiu se como mulher e traz as fotos para me contar o quanto j havia sido um mulher o de 1 80 cabelos longos e um corpo escultural Sua decis o de voltar a se vestir como homem se deve a um concurso p blico em que sua m e aconselhou que ela se apresentasse como homem em conformidade com seu sexo biol gico Seu objetivo era conseguir dinheiro para realizar o que desejava a cirurgia Emocionada relata o quanto foi dif cil sujeitar se a viver como homem mas acredita que para a fam lia e para a sociedade foi bem mais f cil Para radicalizar raspou a cabe a Fala com a voz tr m
62. Perguntava me tamb m o que eu havia feito em meu cabelo ou comentava sobre minhas roupas e sapatos ao mesmo tempo em que em todas as sess es modificava algo em sua apar ncia e ficava atenta a qualquer manifesta o minha sobre isso Percebia se muito bonita inclusive desprezando outras transexuais que conhecia por ach las muito feias e sem gra a Sua apar ncia n o denunciava sua anatomia masculina apresentando um corpo delineadamente feminino A interven o hormonal precoce contribu ra para que apresentasse contornos corporais tais como cintura quadril timbre de voz fino e aus ncia de p los Achava seu seio pequeno e sonhava aument lo com silicone nica cirurgia pl stica que pretendia fazer al m da transgenitaliza o Tomava banho de calcinha e evitava tocar em sua genit lia situa o que se repetiu na hist ria de muitas transexuais Negou sentir qualquer sensibilidade no p nis inclusive desconfiando dos exames que apontavam a impossibilidade do hermafroditismo Devido tentativa de esconder o p nis e os test culos estes se atrofiaram 256 Considerava a sua orienta o sexual definitivamente heterossexual Identificada com as refer ncias simb licas do feminino dizia me ser mulher e que nunca foi confundida como homossexual travesti ou mesmo transexual N o se preocupava se a extirpa o do rg o a levaria a abolir o gozo sexual afinal seu intuito era justamente suprimi lo por completo sen
63. a eles mesmos como objeto sexual Isto partem de uma base narc sica e procuram um rapaz parecido com eles pr prios e a quem eles possam amar como foram amados por sua m e FREUD 1980p 1905 p 145 146 Concluiu que o resto pertencia investiga o biol gica sustentando que a psican lise teria poucas possibilidades de modificar a invers o comparando esses resultados com as altera es que Steinach obteve com cirurgias em alguns casos individuais Em 1930 Freud assinou uma peti o a favor da revis o do C digo penal pela supress o do delito da homossexualidade consentida entre adultos Op s se a Jones que recusou o t tulo de psicanalista a um homossexual e aos que tomaram esse partido Recusava a menos que os achasse neur ticos analisar homossexual que para ele eram pessoas normais sexualidade humana a possibilidade de pessoas do mesmo sexo se sentirem atra das sem que isso implique doen a anormalidade ou pervers o Os movimentos homossexuais no entanto mostram se contr rios a essa posi o pois acreditam que a sa da seja o reconhecimento dessas pr ticas culturalmente constru das Freud op e se veementemente a tal proposi o distanciando se de v rios psicanalistas da poca PPsicog nese de um caso de homossexualismo numa mulher FREUD 19800 1920 Na hist ria do movimento psicanal tico os seguidores de Freud mostraram uma intoler ncia homossexualidade Tal in
64. a burguesia nativa das ilhas Eu os vi nas aulas universit rias misturados com os demais estudantes como clientes ou funcion rios nos restaurantes e nas cerim nias protestantes e cat licas aos domingos engalanados com belos enfeites e penteados cantando ou rezando entre os demais paroquianos de classe social alta e m dia e sem atrair olhares mais impertinentes que os meus Confesso minha admira o pela absoluta normalidade com que vi circular os mahus nas ruas da moderna Papeete ou da remota localidade rural de Atuona nas Marquesas O cozinheiro da estalagem onde estive alojado em Atuona era um mahu Chama se Teriki e me contou que entre os 11 ou 12 anos percebeu que queria ser mulher N o teve o menor obst culo para que seus pais o aceitassem muito ao contr rio desde o primeiro momento o ajudaram vestindo o e enfeitando o como mulher Assegura me que nunca foi maltratada ou ridicularizada em Atuona onde ela e os outros mahus 10 dos homens da cidade levam vida normal verdade que a princ pio tiveram algumas dificuldades com o simp tico padre Labr da miss o cat lica mas Teriki com outros mahus da ilha explicou lhe longamente seu caso e desde ent o o p roco os aceitou Um escritor chamado Cerdan Claude me garante que ao contr rio das apar ncias j n o t o generalizada a aceita o do mahu na sociedade polin sia como meus olhos me dizem Segundo ele com a modernidade tamb m chegaram
65. a diferenciava dos irm os muito mais velhos Por um lado esse lugar fazia com que todos dessem palpites sobre sua vida e por outro lhe destinava aquela que deveria cuidar dos pais Inicialmente fala de um pai ausente com quem n o tinha nenhum relacionamento por ser muito mais velho estrangeiro e aposentado de guerra e atualmente encontrava se inv lido 242 decorrente de um AVC Ap s sentir se mais confiante passou a expressar seus sentimentos em rela o a ele Presenciou v rias agress es contra a m e Ele sempre foi muito mal para n s Ele s vezes viajava e ficava fora durante muitos dias s vezes meses e quando voltava batia muito em minha m e A gente ficava na rua passando fome e frio com medo de tamb m apanhar dele Ele fez nossa fam lia sofrer passar fome Meu pai hoje est muito velho sofreu um AVC e Jac quem cuida dele Eu sempre pensava um dia seu velho desgra ado voc ainda vai depender de mim Ent o eu n o sinto pena dele Meu irm o mais velho saiu de casa cedo pois n o suportava viver assim Minhas irm s se casaram e a sobrei eu O medo maior de minha m e que eu encontre algu m e a deixe sozinha N o s por ela mas porque meu pai est dependente em uma cama e sou eu quem d banho nele A adolesc ncia e a precipita o da busca pela altera o corporal Relata que teve um nico relacionamento durante a adolesc ncia com um homem casado policial F
66. a incapacidade das teorias sexuais infantis para apreender a feminilidade mas n o superestimava a import ncia da diferen a anat mica e o valor do falo para a crian a de ambos os sexos Em 1949 Beauvoir 1980 disse que n o se nasce mulher torna se mulher e v rios estudiosos v o tratar a quest o da identidade n o como uma vis o essencialmente biol gica mas em um processo de constru o modulada pela cultura O conceito de identidade novo Surge no Iluminismo e ganha espa o medida que as discuss es sobre individualidade v o ganhando import ncia Na contemporaneidade a constru o da identidade um processo mais complexo 109 Os conceitos de identidade de g nero identidade sexual n o s o defini es da psican lise Freud se restringiu ao termo sexualidade considerando que a no o de identidade ou mesmo de cren a n o seria suficiente para caracterizar a sexua o do sujeito que n o se encontra no registro de um saber consciente mas de uma constru o subjetiva determinada pela din mica das rela es de objeto e das identifica es A identifica o se refere a um processo que segundo Freud 1923 se inicia no est gio preliminar da escolha objetal identifica o origin ria Lacan 1936 o retoma para se referir identifica o narcisista concebida como fundadora da fun o do eu pela assun o da imagem especular sendo o ponto de partida das s ries identificat rias com as quais o eu ser
67. a transexualidade estaria vinculada a um tipo de investimento narc sico negativo que causa em seu lugar uma repugn ncia aos rg os genitais como se fossem ap ndices desprovidos de qualquer valor er tico Por n o dizerem que tem um corpo de mulher ou que seu corpo se transforma n o se trataria de um del rio psic tico Sua hip tese a de que a tentativa de mudar de sexo pode ser traduzida como uma mudan a exterior do sujeito a fim de organizar os conflitos ps quicos atravessado pelo meio familiar e social A transexual faz com seu corpo o que sua m e j o fez imaginariamente Para ela e para a sua m e se trataria da cria o de uma nova realidade em um per odo onde os mecanismos ps quicos s o regidos pelos processos prim rios De acordo com o autor seria na fase de lat ncia tempo em que suas diferencia es entre realidade interna e externa ainda ser o estabelecidas Para Ceccarelli 2003 quando Lacan 1998g 1955 56 p 692 diz que a rela o do sujeito com o falo se d sem levar em conta a diferen a anat mica dos sexos pode se imaginar uma situa o onde a inser o na fun o f lica se fa a em oposi o ao sexo anat mico da crian a que neste momento n o existe como tal Nesse caso o futuro transexual deveria enfrentar uma situa o inelut vel confrontar se com os processos de 104 investimento n o investimento de seus org os genitais de tal modo que tais org os rec
68. an lise que culminou na interven o cir rgica e que prosseguiu ap s seu processo de transexualiza o A demanda Alice havia sido aconselhada por amigas sabendo da Resolu o do CFM a consultar me antes da cirurgia a qual buscava para adquirir seu corpo de mulher H muitos anos automedicava se com horm nios por m negava e dizia que seu corpo era naturalmente assim com seios e sem p los Supunha que sua atitude de automedica o poderia ser criticada e desejava que eu pensasse que ela era naturalmente feminina No in cio do acompanhamento psicol gico dizia ter pressa em realizar a cirurgia j que logo estaria velha demais para iniciar uma nova vida sexual Esperava que eu pudesse intervir em seu favor para atingir seu objetivo e portanto necessitaria me convencer sobre o seu verdadeiro ser feminino o que inicialmente a fez engessar se em um discurso que supunha ser o que eu e a equipe quer amos ouvir para diagnostic la como uma verdadeira transexual Solicitava tamb m minha ajuda para convencer os juristas em seu favor Desiludida ao escutar que eu n o teria influ ncia alguma sobre ambas as reas e que n o sabia dizer a ela se a cirurgia seria a solu o para seu problema e que me propunha a pensar com ela sobre isso Alice questiona qual seria a raz o para que se deslocasse semanalmente de t o longe para estar comigo Devolvo lhe a pergunta sobre quais raz es
69. ao pai a cozinha e a alimenta o A conviv ncia familiar era muito dif cil entre todos Uma vez denunciou o cunhado por ass dio mas as irm s acreditaram que ela inventara ou o seduzira o que a fez sentir se humilhada e injusti ada A partir da as brigas se intensificaram principalmente por dinheiro j que todas ainda dependiam financeiramente da m e A m e queixava se da incapacidade para administrar os conflitos familiares e para dar limites s filhas telefonando me constantemente para falar disso Orientada a buscar acompanhamento psicol gico em sua cidade ela n o foi Algum tempo depois a m e ingeriu medicamentos calmantes em excesso e faleceu Sua din mica familiar era denunciada pela incapacidade de lidar com os conflitos advindos tanto dessa rela o como social situa o agravada pela problem tica transexual Entrevista com a m e Assim a m e narrou a sua percep o sobre a filha a qual vai se referindo ora no masculino ora no feminino Quando Mara nasceu foi como um presente para o pai pois era o primeiro menino Recebeu o nome paterno e foi apresentado aos amigos como seu trof u No entanto nunca foi um homem presente nunca chamou o filho para um jogo de futebol ou simplesmente para uma conversa Estava sempre sozinho e me lembro de ter presenciado in meras vezes ele vestido com roupas das irm s e ficava extremamente brava e incomodada com isso Sempre percebia a falta de meia
70. as singularidades tenta apagar a todo custo a marca da diferen a e da alteridade A imagem corporal traduz seu anseio Quer seja esculpido e formatado por meio de horm nios e cirurgias quer seja em suas vestes e adere os o corpo se transforma em um s mbolo cultural do feminino Em um jogo de identifica es intermin veis o outro passa a ser a medida constante de compara o uma vez que o espelho devolve al m da pr pria imagem do sujeito pluralidades de outras imagens O reconhecimento de si mesmo de sua imagem corporal projetada no outro passa a ter um lugar preponderante na cena social 162 Ao elevar a exig ncia de uma est tica feminina como a imagem que possibilitar encobrir sua masculinidade passa a ter o efeito oposto acaba por declar la ainda mais pelo exagero de maquiagens pela falta de habilidades para se arrumar das quais se trata de uma constru o que n o acontece de um dia para outro conforme o g nero idealizado Na tentativa de parecer uma mulher dentro de um esteri tipo e em oposi o radical com o masculino acaba tornando se artificial E aqui caberiam duas escolhas ou encarnarem um corpo feminino at sua nfima possibilidade que nessa busca obstinada acabam por fabricar algo caricaturizado que assistimos acontecer tamb m com mulheres que realizam sucessivas cirurgias pl sticas a ponto de desfigur las ou ent o desenvolve uma rela o de subvers o a esse ideal inacess vel mantendo
71. as crian as de estar em conformidade com a m e que as levariam a buscar os meios pelo qual uma reatribui o sexual possa ser realizada A autora prop e o termo neosexualidades como as formas de express o sexual que fogem norma e servem n o somente para consertar fraturas nos sentimentos de identidade subjetiva e sexual mas tamb m para se proteger dos amea adores conflitos neur ticos ou psic ticos decorrentes das transmiss es parentais transgeracionais A cria o neosexual seria uma escolha enquanto solu o ps quica da transexual para permitir a manuten o da certeza de sua identidade subjetiva e sexual Uma forma de assegurar sua sobreviv ncia ps quica uma tentativa infantil de autocura para superar o trauma ps quico no in cio da vida rejeitando a libidiniza o de determinadas zonas ou rg os corporais e repudiando sua significa o evitando a psicose MC DOUGAULL 1997 Para ela as prefer ncias sexuais somente se tornam um problema que pede an lise quando n o est o de acordo com o eu ideal do sujeito em quest o revelando se um sofrimento ps quico 92 Bonnet 1999 prop e o conceito de solu o sexual atual em que o sintoma transexual seria uma solu o para o enigma de origem n o se referindo a uma escolha de objeto mas a sexua o em si A transexual feminina age como se fosse uma mulher entretanto o desejo est em livrar se dos seus atributos gen
72. car ter de validez dos enunciados por m n o se tratava de verificar na realidade objetiva o car ter de verdade ou mentira Se a verdade tem estrutura de fic o LACAN 1998e 1965 1966 por meio da constru o de um mito que podemos tratar as rela es com a verdade Ao caminharmos pelo inverific vel o discurso se multiplica ante s in meras possibilidades sendo que a nica verifica o poss vel s o os efeitos de verdade Em nossos encontros Jac suava excessivamente argumentando que era sempre assim que talvez fosse porque era gorda Fala de outras situa es em que isso acontecia como na 140 i E x RE O fato de ter seios desenvolvidos que ela associava obesidade era fruto de uso de horm nios durante o tempo em que se travestia de mulher 241 fila do banco que ela sup e ser decorrente do inc modo em perceber que as pessoas a est o medindo a de cima em baixo como se questionassem homem ou mulher Remeto ao nosso encontro quando se sente flagrada pelo pr prio discurso e pode falar do incomodo de estar ali sendo analisada pela equipe medida de cima cabe a pensamentos embaixo corpo genital esperando na fila para a cirurgia poss vel ent o falar de suas fantasias de que eu n o a autorize o que permite que falemos sobre a situa o transferencial Reitero que nossos encontros poderiam ser a oportunidade para que ela ressignificasse suas experi ncias que nem s
73. cirurgia libertar se do lugar no qual tomado como significante E justamente como significante que o transexual n o quer saber de nada confundindo o falo enquanto rg o Para Lacan trata se de uma psicose onde o sujeito tenta por falta do significante Nome do Pai amarrar atrav s da cirurgia o real o simb lico e o imagin rio Na falta de poder ser o falo que falta m e lhe resta a solu o de ser a mulher que falta aos homens 1998g 1956 p 572 A aus ncia de limite fun o f lica e a aus ncia de interdi o do incesto dois termos que devem ser entendidos como car ncia daquilo que desencorajaria o sujeito a se identificar com o falo imagin rio e daquilo que interdita o gozo absoluto assemelha a posi o feminina do psic tico Pela foraclus o do Nome do Pai o psic tico ERE lidaria com a inexist ncia deste Um que diria N o E isto que faz o empuxo mulher impulso para a mulher na psicose 5 7 1 O Empuxo Mulher Lembrando que Lacan qualificava a transexualiza o de empuxo mulher Czermak 2004 aponta os motivos para esta defini o que teria pontos em comum entre transexuais femininos e masculinos 1 dio do pr prio corpo enquanto que sua imagem oculta um objeto cujo brilho f lico poderia fazer do sujeito a causa de um desejo que recha a tanto ser seu objetivo quanto ter que exerc lo 2 no momento desta rejei o forclus o do fa
74. constitu a como sujeito As manifesta es corporais de crises de aus ncia e desmaios na adolesc ncia se evidenciaram na poca em que as crises de relacionamento com o pai tornaram se intensas Esse sintoma veio em supl ncia uma vez que o dio que sentia pelo pai ao se antecipar ao desmaio criava obst culo para que ela n o acabasse com ele O medo de matar o pai e o travestimento se mantiveram presentes durante toda a adolesc ncia esse ltimo como provoca o mas tamb m como solu o para se diferenciar desse pai Nesse tempo a agressividade em contraposi o crise de aus ncia de Jac a impediu de resolver seus conflitos Diante da emerg ncia de uma identidade feminina em corpo masculino precisava tornar se independente e para isso organizara a sua vida abriu m o do jeito feminino de se vestir para ser aprovada no concurso p blico passou a fazer faculdade sem deixar de cuidar da fam lia abrindo m o de relacionamentos amorosos e sexuais Ao ter seu trabalho efetivado e a vida financeira mais est vel anunciou fam lia que retomaria seu projeto de feminiliza o Diferentemente do medo do escuro do fantasma da irm morta n o havia medo no lugar do apagamento do pai mas identifica o com o buraco vazio deixado por ambos lugar que Jac se sentia destinada a ocupar O feminino presente em seu sobrenome herdado da m e era o imperativo que impunha a exig ncia da satisfa o imposs vel de
75. contra a outra Afinal de contas a F sica n o diminui o valor da Qu mica ela n o pode ocupar seu lugar mas por outro lado n o pode ser substitu da por ela A Psican lise por certo bem particularmente unilateral por ser a ci ncia do inconsciente mental N o devemos portanto contestar s ci ncias m dicas seu direito de serem unilaterais Estamos diante de duas configura es diferentes a cl nica voltada para o corpo biol gico e a cl nica voltada para o corpo em sua dimens o subjetiva que podem ser pontuadas em rela o maneira de cada profissional posicionar se diante dos sintomas do paciente O psicanalista pedir que o paciente fale mas que fale o mais livremente poss vel associa o livre ouvir o paciente sem privilegiar a priori qualquer parte do relato e procurar transformar a queixa sintoma em sintoma enigma ou seja ele sabe que a queixa precisa ser transformada numa demanda endere ada quele analista e que o sintoma precisa passar do estatuto de resposta ao estatuto de quest o para que este seja instigado a decifr lo Ele sabe que o sintoma tem um sentido para quem sofre sentido subjetivo e n o procurar curar ou aliviar o sintoma ele n o s n o d resposta ao paciente como transforma a resposta pedida em quest o para o sujeito QUINET 1991 p 20 21 2 1 2 O Sintoma na Cl nica Psicanal tica Para a cl nica psicanal tica o sintoma tem um sentido para quem dele s
76. contradit rios e pecaminosos V ent o como ltima tentativa a supress o da raiz da pr pria zona er gena fonte pulsional angustiante E isto se evidencia quando escuto de J que n o interessa em absoluto se poder experimentar o gozo sexual pois o que busca ser mulher na apar ncia e em sua identidade jur dica e social A busca pela altera o corporal atrav s da a o dos horm nios femininos e a elimina o real do rg o portanto a consequ ncia da aus ncia do significante f lico e da ordem sexual J dizia inicialmente de um n o saber As respostas aos meus questionamentos tamb m apontavam a um n o querer saber Durante os nossos encontros esse saber foi se construindo por m n o lhe permitiu descolar se dos pais e nem deixar de con fundir se com o feminino Talvez tenha acendido em J uma fa sca de desejo de querer saber mais sobre si mesma pois me diz que n o conseguiria mais pensar em ficar sem as consultas com a psicologia e que eu lhe indicasse algu m naquela cidade que lhe permitisse continuar a ser escutada 221 8 2 4 O QUE QUER UM HOMEM Narrarei agora a hist ria de Alice que desde nosso primeiro encontro apresentou se como mulher nome trajes corpo pois j realizava tratamento hormonal Seu pedido era espec fico cirurgia de transgenitaliza o e inicialmente n o formulava qualquer quest o que justificasse o acompanhamento psicol gico Essa narrativa evidencia o percurso de
77. curiosos em rela o sua cirurgia que n o querem nada a n o ser o seu corpo Assim iniciou se um novo tempo na an lise de Alice Considera es Finais Reiterando o que eu j afirmei nas an lises anteriores um sintoma sobredeterminado e portanto comporta v rias significa es O que pude apreender nesse caso que o problema com que Alice se queixava antes da cirurgia a respeito da transexualidade n o desapareceu como um passe de m gica Mant m a quest o fundamental decorrente de uma identidade sexual e sexuada que n o se desliga da linguagem Ela far apelo agora ao direito para que sua transforma o f sica seja reconhecida n o s pela mudan a de seu prenome mas tamb m pela 237 mudan a de sexo civil ser dita mulher o que coloca a sua problem tica transexual no plano social Do ponto de vista de sua metamorfose f sica a cirurgia foi clinicamente satisfat ria mas n o foi a solu o m gica para os problemas como ela esperava Os acompanhamentos da equipe permitiram que a retifica o na apar ncia e as possibilidades funcionais da neovagina fossem eficazes Mas para al m do que se v para al m da imagem esse tratamento em quase nada modificou a sua quest o mas precisou da interven o no real para que pudesse verdadeiramente pensar sobre isso Embora Alice relatasse que a cirurgia havia preservado o seu desejo sexual e sua capacidade de sentir orgasmo a interven
78. de prover os filhos diante da precariedade de recursos materiais Assim esse lugar confundido com seu poder econ mico Diante destas reflex es realizadas por Ceccarelli 2002 ele conclui que ter amos duas op es ou a psican lise se coloca como guardi de uma ordem simb lica suposta imut vel reflexo de uma forma nica e idealizada de subjetiva o baseada nas normas vigentes neste caso a psican lise teria o poder de deliberar sobre o normal e o patol gico ou seguindo o exemplo de Freud que sempre soube revisitar a teoria a partir daquilo que a cl nica e as mudan as sociais lhe apresentavam e no qual eu compartilho desse pensamento devemos verificar como alguns pressupostos psicanal ticos reagem s novas configura es da contemporaneidade A descoberta freudiana nos familiarizou com o fato de que para o inconsciente n o existe nem masculino nem feminino e portanto o lugar do pai e da m e n o tem que ser necessariamente ocupado por um homem e por uma mulher mas por aqueles que exercem a fun o paterna e fun o materna Mais do que a realidade anat mica de quem cria a crian a o elemento fundamental para a constru o da subjetividade est subordinada organiza o ps quica de quem exerce essa fun o de como se colocam em rela o pr pria 272 sexualidade s fantasias e ao lugar que a crian a ocupa no universo ps quico e na proje o narc sica dos que encarnam esses lug
79. demanda uma transforma o definitiva em seu corpo biol gico em detrimento sua anatomia masculina com o prop sito de aproximar 7A subjetividade resultado de processos que come am antes dela e v o al m dela processos que podem ser biol gicos ps quicos sociais e culturais etc Por isso pode se conceb la como condensa o ou sedimenta o num dado indiv duo de determina es que se situam aqu m ou al m da experi ncia de si e que de algum modo a conformam ou pelo menos designam certos limites e condi es MEZAN 2002 41 sua anatomia da feminina 2 Como se d o os processos de subjetiva o e como tal constru o realizada 3 Qual a demanda que a paciente me faz 4 A qual mal estar remete sua rela o com o pr prio corpo Um sinal uma mensagem a constru o de um discurso para al m do que se v A releitura do material cl nico priorizou situa es que pudessem responder ao prop sito desta pesquisa transformando as em narrativas na tentativa de recuperar a experi ncia de comunica o poss vel em cada uma delas Por meio da escrita nosso pensamento vai ganhando forma e desenvolvendo se cumprindo assim segundo Herrmann e Lowenkron 2004 o trabalho de elabora o em que as lacunas do texto levam s perguntas e o m todo psicanal tico ensina que a verdade est a e n o nas respostas Nas palavras de Lacan 1998 d 1953 p 253 o efeito de uma fala plena reordenar as c
80. do que ponto cego na fun o desse conhecimento 134A raiz disto o compromisso com seu corpo A cr tica da causa vai buscar seu fundamento sua raiz nesse objeto oculto nesse objeto sincopado do corpo A id ia de que o eu se constr i primeiramente 133 Pr tese segundo Freud 1980 r 1930 p 111 o termo m dico para designar um complemento artificial do corpo destinado a compensar alguma parte ausente ou inadequada 164 a partir do outro em especial a partir da imagem que lhe devolvida pelo semelhante implica em tirar a consci ncia de um lugar central apontando o eu como sede do desconhecimento j que o espelho aponta para o pr prio engodo da imagem Do ponto de vista da ci ncia contempor nea a resposta para o problema transexual hormonocir rgica No entanto sabemos que o que ingerido tomado dentro de um campo transferencial O m dico oferece um agalma a seu paciente juntamente com a prescri o o que se passa junto com a prescri o que faz a diferen a nos efeitos do que prescrito Por isso pode se pensar sobre o valor da oferta hormonocir rgica para as transexuais Quando n o se consegue passar esse agalma os efeitos podem ser reduzidos ou at inexistentes A oferta cient fica de superar a falha que a transexual sup e ser da natureza n o deixa de ser medida que n o foi investida pela linguagem ou que se naturalizou pela cultura ao propor rep la com objetos ideais enca
81. do que s o mesmo que transit rias afinal ningu m quer ser transexual algo que aceitam como o espa o de transitoriedade que lhe permitir aceder posi o subjetiva feminina Se os discursos habitam os corpos se acomodam em corpos estes carregam dircursos como a representa o de seu ser de seu pr prio sangue E ningu m pode sobreviver sem ser carregado pelo pr prio discurso raz o para que a reivindica o ocupe tamb m a esfera jur dica Minha ambi o foi que as pacientes pudessem a partir dessa experi ncia ampliar suas possibilidades de significar sua queixa desalienando se do saber do outro e buscando em si mesmas as respostas para seus enigmas transformando a convic o transexual em uma sa da poss vel e n o em um lapso responsabilizando se por ela A posi o que podemos sustentar enquanto psicanalista em uma equipe que oferece tal cirurgia escutar esses sujeitos se assim quiserem sobre os motivos de por em ato algo que no pr prio discurso aparece a alma psyqu que sofre e n o o corpo embora nem sempre diferenciando aqui nosso trabalho ao entender o corpo enquanto corporeidade A busca pela altera o corporal fruto de um imagin rio de adequar sua alma feminina ao mundo generificado onde imaginam que a nica via para o desejo seja enquanto um desejo heterossexual A Lei opera para que tudo permane a igual Para tanto elas dever o submeter se ao 146 Leito de
82. em seu discurso que representaria a lei fica presa ao v u da aliena o e portanto aos c digos maternos o imagin rio submetido ao simb lico marcando a simbolicamente pelo universo da m e Fala da dificuldade de superar essa perfei o narcisista e de ser privada de ser o objeto de desejo da m e e de t la como objeto f lico a abertura necess ria para se constituir como um Eu n o mais imaginarizado mas amarrado ao simb lico efeito da castra o O olhar da m e n o apontava para um terceiro o que fazia com que Maria desejasse o desejo que deveria ser o da m e impedindo a enquanto filho de ser ela mesma A passagem a um ato cir rgico no real de um rg o sexual pode ser entendida como a possibilidade de escapar ao aniquilamento como substituto simb lico e assim ingressar no circuito do gozo articulando o simb lico ao real e o imagin rio Acompanhava minha m e costureira e ficava a folhear revista de noiva Imaginava um dia vestir um belo vestido de noiva Chamava me a aten o os homens em trajes de terno ou sem camisa sempre a abra ar proteger ou carregar aquelas fr geis e delicadas meninas de noiva 180 Passava horas imaginando se ser elas Mas n o a m e Uma mulher que talvez pensasse que a m e pudesse ser para seu pai Sonhava em se casar e morar em uma casinha com muitas flores em volta como uma casa de bonecas branca e rosa perto de uma montanha Pele r sea casa de
83. ent o prepar las para isso Eu teria de me readequar s regras institucionais para ajudar a paciente a readeguar o seu sexo Constatando se que o problema sentir se mulher no corpo de homem ou vice versa n o restaria outra coisa sen o a altera o corporal Diante desses impasses era preciso tomar uma posi o pensar na tica para al m da est tica ou seja n o se tratava de uma autoriza o de mudar ou n o mudar de sexo Se auto autor refere se a si pr prio a nica autoriza o que eu poderia dar era a mim mesma de me inserir ou n o no trabalho de conduzir essas pessoas a se autorizarem a reverem o seu desejo e a se responsabilizarem psicanaliticamente pela sua escolha assumindo sua autoria Afinal esse percurso n o se iniciava ali havia uma constru o subjetiva que desembocava na demanda de altera o corporal O que a priori parecia uma impossibilidade foi o que me permitiu sustentar minha posi o O fato de tratar se de uma comiss o de estudos possibilitou o sentimento de conforto nesse lugar de n o saber embora soubesse ser essa a minha posi o pautada na psican lise j que estamos sempre diante do novo do in dito e portanto de um n o sabido Por m havia uma demanda da equipe de que eu soubesse mais sobre a paciente Isso n o parecia um equ voco afinal estaria mais pr xima da paciente nas sess es cl nicas semanais Desse
84. forma que o sexo seja compreendido j cont m em si uma reivindica o sobre o g nero O sexo tanto no mundo do sexo nico como no dos dois sexos situacional e explic vel apenas dentro do contexto da luta sobre g nero e poder p 23 3 2 1 1 O Modelo do Sexo nico Segundo Laqueur 2001 no in cio dos tempos n o havia um sexo que diferenciava o homem cultural da mulher N o havia tampouco dois sexos justapostos em v rias propor es e a quest o moderna sobre o sexo real de uma pessoa n o fazia sentido naquela poca A id ia de sexo no pensamento m dico filos fico e pol tico at o s culo XVIII baseava se no modelo cient fico dominante do sexo nico no qual as fronteiras entre o masculino e o A defini o de dispositivo conforme proposta por Foucault 1993 p 244 refere se a um conjunto heterog neo de pr ticas discursivas e n o discursivas que possuem uma fun o estrat gica de domina o O poder disciplinar obt m sua efic cia da associa o entre os discursos te ricos e as pr ticas reguladoras Freud baseou se nessa vis o para construir sua teoria faloc ntrica da sexualidade feminina e da diferen a sexual sobre a qual todas as representa es simb licas basear se iam em um sistema simb lico masculino e que s existiria no inconsciente uma libido de ess ncia masculina Esses conceitos podem ser encontrados em seus artigos Algumas consegii ncias ps quicas da distin
85. fosse desconhecido A nega o do masculino em Maria Maria o nome que escolheu em detrimento do que consta em seu registro de nascimento N o suporta seu nome masculino sente vergonha dele Fala de situa es constrangedoras quando lhe exigido que apresente seus documentos as pessoas desconfiam ou ent o tentam conter um riso Nesses momentos que emerge de modo mais forte a vontade de realizar a cirurgia para que ent o possa ser reconhecida em seu status feminino Na rela o com o real de sua apar ncia Maria conta como dolorosa a busca incessante em negar o que o espelho lhe reflete algo que n o coerente com a sua auto imagem e que t o inaceit vel que diz tomar banho de calcinha e urinar sentada para n o olhar o seu p nis Relatava o quanto era dif cil a experi ncia de ver sua imagem masculina refletida no espelho a imagem daquilo que n o idealizava ser tentando apagar qualquer sinal de masculinidade ao moldar se imagem idealizada O uso excessivo da maquiagem era justamente a tentativa de criar uma apar ncia feminina escondendo os p los que acusavam sua masculinidade Passou a fazer depila es a laser financiadas pelo irm o que fazia bicos para conseguir o dinheiro pois se sensibilizava com o seu sofrimento Seus pais permanceiam alheios a tudo isso Ao realizar um est gio no setor de eletro imagem Maria foi convidada por uma residente indignada com sua situa o amb gua a s
86. g nero constru do sugere certo determinismo de significados do g nero inscritos em corpos anatomicamente diferenciados compreendidos como recipientes passivos de uma lei cultural inexor vel BUTLER 2003 p 26 Desse modo a cultura e n o a biologia torna se o destino Retomando a frase de Beauvoir a autora diz que esse tornar se mulher passa a ser uma compuls o cultural a faz lo E tal compuls o n o vem do sexo n o h nada que garanta o ser mulher se o corpo uma situa o n o h como recorrer a um corpo que j n o tenha sido interpretado por meio de significados culturais consequentemente o sexo n o poderia qualificar se como uma facticidade anat mica pr discursiva Sem d vida ser sempre apresentado por defini o como tendo sido g nero desde o come o BUTLER 2003 p 27 Ao trazer os estudos das Identidades Queer para a cena contempor nea Butler 2003 p 196 propicia uma amplia o das discuss es das quest es de g nero que se P prop plia q 8 q limitavam feminilidade que segundo ela ao imitar o g nero revela implicitamente a estrutura imitativa do pr prio g nero assim como sua conting ncia parte do prazer da vertigem da performance est no reconhecimento da conting ncia radical da rela o entre sexo e g nero diante das configura es culturais de unidades causais que normalmente s o supostas naturais e necess rias Butle
87. g nese da transexualidade estaria em uma fase anterior ao processo de identifica o antes que existisse suficiente estrutura do ego e seria produzida por processos primordiais instigados pelo mundo exterior ou pela atividade fisiol gica interna tal como o imprinting Sua proposi o te rica de um n cleo de identidade de g nero o senso de pertencer ao masculino ou feminino Nessa perspectiva o estado de uni o inicial com a m e geraria uma feminilidade primordial destino de todo ser humano que n o se trataria de uma identifica o mas de um tra o fundante anterior a toda rela o de objeto e vivida sem conflito Por serem tend ncias ocultas n o conflitivas nos primeiros anos de vida passam despercebidas e s o recebidas passivamente de forma gratificante contra a qual a crian a n o resiste sobre o SNC n o terminado STOLLER 1982 p 56 Suas conclus es diferem das de Freud principalmente quanto primazia de uma libido essencialmente feminina em detrimento sexualidade f lica e em uma masculinidade que dever ser constru da Um menino biol gico tratado por um analista homem na primeira inf ncia poderia n o vir a ser um adulto transexual mas tratar a m e seria o ideal Embora psicanalista sua proposta de tratamento reflete claramente sua posi o cartesiana ao se referir a uma cl nica que objetiva produzir resultados meninos que se submeteram a uma inte
88. ia gs een Sa 87 5 6 LEITURAS A PARTIR DO CONCEITO DE NARCISISMO ccccciccceeeceeeeeeerneos 89 XTA PERSPECTIVA DE LACAN rasa tore data nts aa Raia Seda dao sa aa E E AS 91 571 O Empr a MUN E tairite Suba a piadas irmas e E Caos a 92 5 7 2 Outras proposi es lacanianas esco cnserssanerssena sogra saisasacassaaa segue insacaata cefsesatave o 93 DSO EXTA SERO atri nos nes piad un sli ano da a da Dai Na 95 5 7 4 Transexuais e Lransexualistas assa e sli ais eua 98 5 8 CONTRIBUI ES DE PSICANALISTAS NO BRASIL cccceeeeeeerererereeeeeerererereneos 101 5 9 ALGUMAS CONSIDERA ES SOBRE ESSES SABERES J CONSTRU DOS 114 A CONSTRU O DA DIFEREN A SEXUAL A ANATOMIA OU A CULTURA RO DESTINO psi sea a a aranan 105 6 1 A CONSTRU O PSICANAL TICA DA IDENTIDADE SEXUAL cccc 108 6 1 1 Constitui o do Sujeito enssins enei on arasastates es 109 61 2 Identifica o ennan Op a ATE 113 6 1 3 O Complexo de Castra o como Efeito da Percep o da Diferen a Sexual 115 6 k4 Os Caminho s daSEXNACAO z oreina i an a a a a a s 116 6 1 5 O Eu Ideal e o Ideal de Eu na Constru o Identit ria 0 ssnsseseseeeeseeessesses e 119 6 1 6 Identidade e Alteridade ass presen sergasasnasaanisa fas ia apasaata oia a nana saaniaa gas Fnip asa nto n a 121 6 1 7 O Sentimento de Identidade n ossoseeseseeeeeeeseseesesseseesstseesesseseesessessesseseesessessese 122 6 2 A CONSTRU O DA I
89. ica da pessoa 97 estrutura psic tica assim como n o pode ser indica o estrutural Nenhum sintoma assinala em si uma estrutura O sentimento de ser mulher num corpo de homem ou o inverso pode assumir um sentido muito diferente conforme o contexto MILLOT 1992 p 23 A feminiza o induzida pela psicose seria um fen meno cl nico que sua observa o confirmou Por m a transexualidade algo mais espec fico que deve ser circunscrito pois n o comporta sintomas psic ticos no sentido psiqui trico do termo Segundo a autora atendo se posi o transexual enquanto a convic o de ser uma mulher em corpo de um homem ou o inverso e a vontade deliberada de tudo fazer para conformar este corpo a esta convic o na aus ncia de qualquer sintoma psic tico preciso diferenciar a posi o transexual da posi o psic tica do tipo schreberiano A posi o transexual feminina suporia dois momentos o primeiro corresponde posi o feminina induzida pela car ncia do Nome do Pai e o segundo consiste em encontrar como limite uma supl ncia n borromeano fun o paterna a feminilidade sob a forma da mulher imposs vel e assim encarnar o desejo da m e satisfazendo o neste sentido a castra o real funcionaria como um equivalente incestuoso O sujeito se situaria ent o simultaneamente fora do corpo extracorpo e fora do sexo extrasexo Para Millot 1992 a sugest
90. interven o praticada no pintor dinamarqu s Einar Wegener Lili Elbe que em 1930 pediu a Hirschfeld para transform lo em mulher Entretanto ela era considerada hermafrodita e os artigos que relatavam sua metamorfose e seu falecimento r pido devido a um p s operat rio infeliz apresentavam mais as proezas da endocrinologia e da cirurgia do que faziam a apologia mudan a de sexo MERCADER 1997 FRIGNET 2002 A vaginoplastia era uma t cnica bem dominada desde a segunda metade do s culo XIX A faloplastia come ava a se desenvolver com Harold Gillies um cirurgi o pl stico que a havia experimentado em 1917 em soldados mutilados Gillies a quem se dirigiram as pessoas intersexuais ap s 1919 operou tamb m algumas pessoas que se aproximavam do que se convencionou chamar de transexuais Ele parece ter praticado a primeira faloplastia em 1930 em Laura Dillon que se tornou Michael primeira militante do direito moral mudan a de sexo CASTEL 2001 SA predomin ncia do biol gico contestada em 1955 nos EUA pelos estudos de Money e Hampton sobre 76 crian as intersexuais revelou uma dificuldade em associar o sexo som tico ao sexo psicol gico Dessa forma questionava se o destino da anatomia A identidade hermafrodita devia se s condi es do meio ambiente e em particular forma como essas crian as foram criadas KREISLER 1970 ABRAHAM apud MERCADER 1997 69 vezia i f Sua h
91. invis vel que constatamos nas proposi es de Freud de seu n o saber sobre a mulher e nas de Lacan quando afirma que a mulher n o existe tratando se de uma conting ncia e n o de uma universalidade permitindo nos concluir como sendo a express o de um enigma Se o corpo da mulher como de qualquer ser humano falado constru do de onde parte essa diferen a 107 A quest o sobre o que ser um homem ou uma mulher abre para a aus ncia de um manual de instru es que indiquem como ser embora cada vez mais ser e parecer exige uma modifica o na pr pria carne respaldada pelas ofertas cada vez mais tentadoras das biotecnologias Mas qual o papel das determina es da anatomia da biologia da fisiologia mas tamb m do discurso social familiar educativo na sexua o de homem ou mulher Se aos seres humanos lhes custa tanto orientar no que se refere sexua o se t o dif cil alienar se do lado do homem ou do lado da mulher como pensarmos em uma identidade primordial seja de sexo ou de g nero Um vazio que Freud 1980p 1905 p 161 postula quando afirma que n o existe puls o feminina mas sim uma s libido do lado do masculino ou quando situa o falo e o complexo de castra o no centro da vida sexual tanto do lado do homem quanto do lado da mulher Em rela o a esse pensamento Lacan formula que n o existe rela o sexual e que a mulher n o existe destacando a me
92. j que o sujeito n o transparente a si mesmo Esse m todo caracteriza se mais pela escuta do que pela fala mais pela espera do que pela indu o de um sentido A presente pesquisa em psican lise como a compreendo assim se define medida que realiza uma investiga o pelo m todo e paradigma psicanal ticos interrogando o fen meno transexual de modo singular tentando se aproximar das produ es do inconsciente Seu m todo abrange a aten o flutuante por parte do analista e a associa o livre por parte do paciente no sentido de levar o sujeito a saber sobre o que o levou a demandar altera o corporal Durante o processo o psicanalista escuta atentamente com disponibilidade deixando se levar pela cadeia de associa es mas atento ao sentido em meio aos encadeamentos significantes levando em considera o o que Freud 1980h 1909 p 177 aponta A verdadeira t cnica da psican lise requer que o m dico suprima sua curiosidade e deixe ao paciente a liberdade total para escolher a ordem em que os t picos suceder o um ao outro durante o tratamento Minha experi ncia com transexuais suscitou o desejo em aprofundar o estudo sobre essa tem tica buscando no material cl nico e na literatura psicanal tica os elementos que melhor ajudassem na compreens o do fen meno Desse modo mantendo se a singularidade absoluta de cada caso podemos conhecer alguns aspectos essenciais encontrados nas narrativas visando o de
93. lactantes o cientista estava aproximando a mulher aos outros animais tornando a raz o uma caracter stica tradicionalmente masculina Os seios como s mbolo da maternidade a maternidade como destino de todas as mulheres BENTO 2003 59 eclesi stica mas era na realidade uma mulher e foi descoberta ao dar luz a uma menina Ambas faleceram durante o parto GREEN 2000 Posteriormente Revolu o Francesa os sodomitas eram queimados vivos na Fran a pela Inquisi o e o travestimento tamb m era proibido A mudan a de sexo nesta poca estava relacionada a um ato demon aco que somente as bruxas poderiam realizar atrav s da ingest o de drogas e ervas sendo perseguidas e condenadas Na cultura hebraica tamb m aparece a proibi o dessa pr tica na qual uma mulher jamais deveria vestir roupas masculinas nem um homem roupas femininas porque aquele que assim fizesse seria abomin vel perante Deus Por volta dos s c XVI a XVIII v rios personagens vestiram se com roupas do g nero oposto sua anatomia Dentre as figuras mais famosas o abade de Choisy 1644 1734 conhecido como condessa de Barres vestiu se durante toda a inf ncia e adolesc ncia com roupas femininas por imposi o da m e e aos 32 anos como embaixador de Lu s XIV na Tail ndia assumiu uma identidade feminina com apar ncia f sica que despertava elogios das outras pessoas Chevalier D Eon de Beaumont em quem se inspirou o n
94. levaram a buscar a altera o corporal Como elas chegaram a ter o corpo que tem e o que querem ter Quest o que tornou poss vel o desenrolar de um percurso anal tico N o s o que quer uma mulher transexual mas como ela quer e como seu desejo se articula com o corpo que a ela importa e n o aos outros 135Termo grego que pode ser traduzido por ornamento tesouro ou objeto de oferenda 165 8 AS SINGULARIDADES NA BUSCA PELA ALTERA O CORPORAL CASOS CL NICOS 8 1 UMA BREVE APRESENTA O INICIAL Sofri muito e sofri s S Abandonado por todos N o havia lugar para mim nesse mundo que me evitava e considerava maldito N o havia um s ser humano que compartilhasse dessa imensa dor que se apoderou de mim no final da inf ncia idade em que tudo belo porque toda perspectiva nova e brilhante Esta idade n o existiu para mim Eu tinha desde ent o um distanciamento instintivo do mundo como se houvesse j compreendido que viveria nele como um estrangeiro Mem rias de Herculine Barbin O Di rio de um Hermafrodita O sentimento de ser um estrangeiro que Herculine Barbin nos conta em suas mem rias em rela o ao mundo que a cerca parece ser o que h de mais comum por tr s dos discursos das pessoas ditas transexuais que apresentarei aqui medida que lidam com seus desejos e sexualidades essas pessoas n o sentem que s o o que o espelho lhes reflete n o s o o homem que o espelho reflete mas ta
95. lugar de desejo do outro mas sem barreiras 186 Freud 1980 1923 prop e a id ia de um ego corporal n o simplesmente uma entidade de superf cie mas a proje o de uma superf cie No caso de Maria ao tentar escapar das representa es inadmiss veis para ela acaba por produzir mecanismos de defesa visando a manter no inconsciente a id ia e representa es ligadas puls o Assim manter seu equil brio ps quico j que a realidade corporal percebida n o correspondia representa o que fazia dela Identifica se aqui o fen meno que Freud definiu como recusa ou denega o modo de defesa que se caracterizaria pela recusa do sujeito em reconhecer a realidade de uma percep o negativa e mais particularmente a aus ncia do p nis na mulher Foi muito dif cil minha adolesc ncia As pessoas me discriminavam Era muito pior quando eu n o me assumia As pessoas me xingavam de guei bicha E eu sofria muito Uma vez no est dio de esporte o est dio inteiro come ou a me vaiar Foi horr vel eu queria morrer Eu sinto que meus pais sofrem com isso Eles n o me querem de volta Sentem vergonha Minha m e e minha irm insistem para que eu me vista como homem Dizem que me aceitariam caso eu fosse um homossexual mas como homem Ainda bem que meu irm o est do meu lado Ele me entende Ele sabe o que eu j passei N s estud vamos juntos e ele sofria tamb m a discrimina o porque falavam de mim pr
96. m e tentava defend los de alguma coisa J ferson trazia frequentemente em seu discurso sua incerteza quanto a desejar um homem ou uma mulher para amar Sempre se deu melhor com as meninas e nunca teve uma rela o sexual embora sa sse todas as noites e seu pai o achasse um garanh o vai mostrando o quanto o olhar do pai dizia de sua ambigiiidade projetada nele Sua nica experi ncia sexual havia sido com um primo aos 11 anos de idade onde as peles se ro aram e o sentimento era de uma menina sendo acariciada por um menino J ferson falava que muitas transexuais se consideravam l sbicas uma mulher que deseja outra mulher e s vezes acreditava ser o seu caso Questiono se ele sempre preferiu mulheres e ele diz que teve algumas namoradas embora nunca tivesse penetrado outra 204 mulher ou mesmo um homem pois sente nojo de fazer sexo O nojo aqui parece estar associado ao ato da penetra o Sente que pode gozar se masturba mas que n o o motivo que o faz desejar algu m Quer um amor algu m que possa cuidar e que seja eterno Acho que dif cil uma l sbica me querer pois elas preferem uma mulher de verdade e tamb m dif cil um homossexual me querer pois eles desejam um homem de verdade Eu tamb m n o desejo uma pessoa homossexual mas depende sou mais ligada alma da pessoa e por isso me considero bissexual Seus amigos al m dos virtuais eram vizinhos homossexuais masc
97. mant la 226 com os cabelos compridos sangramentos inexplic veis no p nis e no nus e a aus ncia da rea o dos pais quando a confundiam com uma menina levaram J a suspeitar que se tratasse de algo proibido associado s fantasias homossexuais Interpretava o gozo do rg o com os significantes que a rodeavam demonstrando car ncia ao inscrev lo dentro de um mito cuja elabora o estava reduzida a um sistema de identifica es imagin rias em que nem tudo era anat mico e o crit rio para construir sua identidade sexual era puramente subjetivo Ao demandar a cirurgia J tenta for ar o real corrigindo a anatomia a unir se ao simb lico articulando gozo e linguagem mas fica claro que o p nis nada tem a ver com o significado do significante f lico O p nis sangra diante de um poss vel gozo experimentado assim como a alma diante do desejo homossexual inconceb vel O p nis a pequena diferen a entre ele e ela dentro de si mesma e portanto elimin lo seria o que imaginariamente faltaria para que pudesse autorizar seu desejo impossibilitado de se inscrever enquanto homossexual Ao n o construir um del rio de transforma o em mulher tal qual a encontrada em Schreber que n o precisou de uma cirurgia no real sua inven o de que se sentir mulher em corpo de homem obra de Deus para puni la tamb m n o foi suficiente como uma constru o a servi o de interpretar seus sentimentos homossexuais
98. massa em que a posi o identificat ria de g nero constitutiva e necess ria ao processo de organiza o subjetiva Em nossa sociedade a necessidade de manuten o de identidades e o temor de v las amea adas levam a pr ticas que segundo Kehl 1996 p12 quem vive no s culo XX sabe que a afirma o das diferen as constitu das como forma o de grupos identit rios tem tido antes o efeito de produzir mais a intoler ncia do que o di logo e a conviv ncia na identidade Baseando se na concep o de desamparo a partir de um assujeitamento por sua condi o de falta a ser a um Outro que ir atend lo e situ lo na ordem sexual e social que o sujeito se constitui como um ser que fala Ele busca amarrar se no simb lico como a inst ncia fundamental no enfrentamento de seu desamparo e na constitui o de sua subjetividade na sua rela o com o outro e com o Outro que o sujeito constr i sua subjetividade e adquire condi es de simboliza o que se dar a partir da falta Talvez a cirurgia enquanto uma passagem ao ato haja como conten o pulsional e possibilidade dessa entrada na cultura O temor ao desamparo como nos diz Freud faz com que o sujeito renuncie ao gozo submetendo se s imposi es da cultura Esse lugar de uma alma feminina em um corpo masculino que n o se aproxima das refer ncias simb licas do que masculino nem do que feminino promove o abismo nas rela e
99. n o nos reconhecemos mas que ao mesmo tempo equivalente ao nosso isso pulsional causando nos fasc nio e horror a parte que n o foi poss vel captur la porque o referente n o foi completamente constru do na linguagem A vergonha assim como a n usea citada na narrativa de algumas pacientes seriam express es em corpo daquilo que n o pode ser legitimado abjeto Por m ainda para Butler 1998 n o se trata de algo restrito a sexo e heteronormatividade mas de todos os corpos vidas que n o s o considerados vidas cuja materialidade faz com que sejam corpos que n o importam n o s o importantes Essas express es se det m na voz e no olhar do Outro frequentemente encarnado em nosso interlocutor Para Costa 2003 p 61 encarnar sugere tomar a palavra que precisa passar pela carne no que ela se materializa no tra o do Outro em nossa pele Uma palavra que precipita na pele o olhar do Outro ali onde o Outro faz corpo Elas podem derivar do encontro da sexualidade infantil com a injun o ao exerc cio do sexo na passagem para a adolesc ncia Costa 2003 remete se puberdade como um importante indicador da forma como um sujeito chega a uma escolha de objeto secund ria substituta e apoiada em sua escolha prim ria incestuosa Na puberdade haveria uma esp cie de sil ncio de submiss o a um recalque que incide como indefini o de objeto sexual que retorna ao sujeito c
100. n o precisar pagar nada por sua participa o nessa pesquisa bem como n o haver nenhum pagamento por isso Diante dessas informa es que eu mesma li ou que foram lidas para mim eu A autorizo a minha participa o nessa pesquisa Londrina de de 2006 Assinatura 295 B FORMUL RIO DE ACEITA O T tulo do projeto Um estudo sobre as transexualidades e os sentidos da altera o corporal Por favor fa a A participante maior de dezoito anos e letrada deve completar esta um c rculo na folha por si mesma sem a ajuda de outra pessoa alternativa escolhida Voc leu a folha de Informa o sobre a participa o na pesquisa SIM N O Voc teve a oportunidade de esclarecer d vidas acerca de sua participa o na pesquisa antes de esta ter sido iniciada SIM N O Voc recebeu respostas satisfat rias para todas as quest es e d vidas que SIM N O apresentou ao pesquisador antes de iniciar a pesquisa Voc recebeu informa es suficientes sobre a pesquisa antes de inci la SIM N O Com quem voc conversou Dr Sr Sr Voc compreende que livre para retirar sua participa o deste estudo SIM N O a qualquer momento que desejar sem ter de fornecer nenhuma raz o por ter decidido n o mais participar e SIM N O sem que esta sua decis o afete futuros tratamentos que porventura necessite nesta ou em qualquer outra institui o Voc concorda em tomar parte nesta pe
101. n o se sentisse no direito de escolher um namorado aceitando quem a quisesse por receio de ficar sozinha N o suportaria viver na solid o Diante destas experi ncias ficava cada vez mais urgente a fabrica o da vagina e que de prefer ncia pudesse gozar T certo que isso pode n o acontecer mas corro o risco pois com a a o dos horm nios faz muito tempo que n o tenho orgasmo Ap s sentir confian a n o escondia o fato de que j havia tido rela es sexuais em que foi interpelada ao ato de penetra o com uma mulher identificada como l sbica e que ao se masturbar sentia orgasmo Questionava Alice se a cirurgia seria uma garantia para que n o ficasse sozinha se seria a solu o para seus conflitos no relacionamento De algum modo essas quest es fizeram com que Alice repensasse a cirurgia que passou a n o ter a urg ncia inicial Parecia estar vivendo a adolesc ncia pelo momento de redescoberta do corpo e das novas rela es afinal somente ap s os trinta anos de idade passou a assumir seu desejo por homens e a vestir se como mulher um novo momento para ela Ela percebia a import ncia de um espa o onde pudesse ressignificar a sua busca pela cirurgia que at ent o era vista como o milagre de sua transforma o em mulher Passa a falar do que sentia em rela o a outras mulheres revendo sua rela o com as irm s e com o pai De um lado a anatomia de Alice e de outro seus desejos seus medos seus afetos que aos pou
102. na medicina a opera o que imagina lhe trar essa defini o Entre o real do corpo e sua elei o de objeto homossexual o que a define como mulher o segundo Na impossibilidade de transformar seu desejo o corpo dever ser sacrificado N o sente desejo nem por homem nem por mulher e n o se masturba Aspira no homem o amor absoluto mas plat nico uma amizade perfeita e sem gozo sexual Considerando tudo o que foi exposto para que J precisa de uma vagina Seu ideal feminino tem no rg o o principal representante por m sua aspira o encontra se em um amor pleno pelo homem em que desejo e gozo estejam exclu dos Sua l gica que a vagina necess ria pois n o h amor que n o se concretize na rela o sexual e n o h como esconder a verdade E a verdade de seu sexo feminina sendo a constru o de uma vagina a prova maior desta convic o enquanto inserida em uma cultura que assim lhe orienta J n o tem interesse por roupas femininas e vai aguardar a cirurgia que ela entende como o passaporte para a sua entrada no mundo feminino Sua imagem amb gua mais pr xima de uma apar ncia feminina teve um papel primordial para a constru o da sua identidade sexual e a interven o hormonal e cir rgica seria a marca principal da sua sexua o Cham la de J nome que designa algu m tanto no feminino como no masculino lev la ao ginecologista evitar que a vissem sem roupa presente la com boneca
103. ncia dos irm os Se eu pedisse associa es ao que isto remetia respondia que n o encontrava sa da para tudo isto a n o ser a cirurgia Foi poss vel observar um ser afetado em sua relac o com o Outro atribu do inicialmente s lembran as das imagens de viol ncia como fonte de sua ang stia que podemos pensar como um sinal e uma transforma o da libido Jac falava me da expectativa angustiante em rela o cirurgia que demoraria a acontecer da imin ncia de um dio da amea a de um perigo Nesse caso esse afeto n o tinha o car ter de sinal de algo que poderia iniciar um conflito Aparecia como pura imediatez pura atualidade O que eu poderia fazer por Jac a partir de minhas intervenc es Esta era a pergunta que eu me fazia ao longo das sess es ao observar a atualidade do sofrimento vivido na inf ncia evidenciado no peso de sua carga afetiva N o se tratava de levar Jac a enfrentar esse Outro j que ela assinalava a todo momento essa impossibilidade atrav s dos sintomas corporais Ela n o podia separar se de seus ditos e se torturava pensando em um futuro impossibilitado sem a cirurgia Se a castra o um jogo jogado com o pai jogo de quem perde ganha que por si s permite crian a conquistar o caminho por onde nela ser depositada a primeira inscri o da lei Lacan 1995 p 214 Jac sente que perde ao ocupar o lugar do objeto que deveria tamponar o vazio da m e ser o fal
104. nfima c lula A economia desaparece em sua antiga forma e nela se realiza uma das diverg ncias que a modernidade portadora uma economia de produ o de homens toma o lugar da produ o de coisas A domestica o da natureza entra em uma nova era x O corpo torna se um espa o aberto explora o t cnica e imagin ria que tem a medicina como o deposit rio dessas manifesta es O corpo de modo paradoxal 4 fazendo o de algum modo presente ausente escamoteado em suas express es f sicas e colocado em cena para produzir um determinado efeito p blico evitado naquilo que o torna doente ou feio e neutralizado nas situa es de massa BALANDIER 1997 p 261 62 A cultura produz representa es cujo consumo n o s satisfaz as necessidades reais ou imagin rias mas conforma ainda subjetividades j que o v nculo do sujeito com o real est mediatizado pelas representa es simb licas sendo ent o a fonte de fabrica o dos sujeitos universais trazendo como consegii ncia por exemplo a produ o de transexuais Freud 1980r 1929 j pensava nesse mal estar na civiliza o ao falar do sintoma social Tendemos a nos tornar iguais usando as mesmas roupas comportando se da mesma forma e Frignet 2002 p 133 complementa essa uniformiza o de condutas acompanhada de um decl nio da subjetividade que transparece em numerosos setores de nossa vida social como na orienta
105. ni noi amei paso nte ao na na e e deli E aS 50 3 2 O OLHAR DO OCIDENTE PARA AS DIVERSIDADES SEXUAIS ENTRE A NATUREZA E CUBRA O O A A A a N 50 3 2 1 A Inven o do Sexo Corpo e G nero iuseasa es coriaiea aasaeoliinza ada voiiasagaas peni nzaniaaee 54 3 2 1 1 O Modelo do Sexo Unico sussa a dai Ia 3 2 1 2 O Modelo dos Dois Sexos ou Dim rfico ea 3 2 2 A Pr tica do Trans Vestimentos srs aualopiiss ias Ea aa ad re eds gua a 3 2 3 AS Pr ticas HOMDETOLICAS eiei lda AU dons E EE TE E SE Stade Si nz 3 2 4 A Influ ncia do Pensamento Crist o na Problematiza o Sexual Entre o Prazerc O PECADO jts aisfeig ias nen atari ELOS es Eca etie ga DOS Sp sat 3 3 AS SEXUALIDADES ENQUANTO OBJETO DA MEDICINA E DO DIREITO NO OCIDENTE 33 Je Vontade de Saber sessao e a RA O Aa ua 3 3 2 As Sexualidades Submetidas ao Saber e ao Poder M dico e Jur dico SA Invencao do Terceiro SEXO paras E a a e E a 3 3 4 O Hermafroditismo e o Caso Herculine Barbin 3 3 3 A Busca a Verd de Sexual unica pitadas a R 3 3 6 Os Efeitos da Patologiza o das Homossexualidades snssseseseeeeseeesseeesseee 3 3 7 A Pr tica da Castra o como Tratamento Uma Aproxima o com as Cirurgias de Iransgenitaliza o je ssquasaspianarsag tas soraseaas diguas asanitas agua dlas pensa aa gesf quedas 3 4 O MOVIMENTO DE DES PATOLOGIZA O DAS HOMOSSEXUALIDADES 3A l AsC ntribui
106. nossa cultura contempor nea se apresenta como experi ncia transexual exigindo portanto novas elabora es Algumas transexuais dizem como em um discurso combinado que possuem almas aprisionadas em um corpo biologicamente sexuado oposto ao que reivindicam ser ter Para outras a transexualidade vista como uma varia o normal natural que implica em uma elei o de vida alternativa que deve ser aceita em nome da liberdade Isso pode ser constatado tamb m em diversas autobiografias tanto no Brasil quanto no exterior Com um car ter paliativo e de certo modo paradoxal a alternativa apresentada hormono cir rgica para uma perturba o dita ps quica No entanto essa op o nos remete ao seu sentido tico tornando se relevante desconstruir os argumentos em que se baseia a concep o dominante da transexualidade fundamentada nos precursores desta conceitua o Esse fen meno que interpretado em nossa cultura com o nome de transexualidade mostra se muito complexo diante dos atravessamentos que a este significante s o remetidos Nos sexto e s timo cap tulos busco ampliar minhas formula es resgatando as contribui es da psican lise privilegiando a leitura a partir de Freud e Lacan acerca dos aspectos que se descolam dos significantes associados transexualidade tais como corpo identidade g nero sexua o e identifica o Ao falar de identidade preciso reconhecer quem nos precede j qu
107. o nubladas em sua mente Maria sentia a diferen a com que os outros meninos eram tratados isto com dist ncia ao passo que sempre que o tio chegava a sua casa perguntava por ela Ele dizia que n o queria beijar me porque a barba me machucaria E eu dizia que n o me importava Ent o ele me beijava e sorria ao saber que eu gostava daquilo os espinhos que se transformavam em seus escudos protetores Lembrava se da cena de estar em uma piscina nadando com outras crian as e o tio fica bravo com o filho por ele estar brincando com outras meninas alegando que aquilo n o era para homens retirando o para que s ficassem as meninas Maria entendeu ent o que ela tamb m era uma menina e adorava ser tratada de maneira t o especial por ele Ela percebia o constrangimento das outras pessoas e interpretava como sendo uma rea o ao fato dela ser tratada assim e ficava alegre em ser a crian a preferida do tio substituto paterno Enquanto ele jogava baralho ela o servia com a bebida permanecendo em seu colo em uma de suas pernas fortes e peludas Abra ava o seu pesco o para sentir seu cheiro diferente ficava 181 encolhidinha e encaixada em seu peito protetor ouvindo sua voz forte e grossa brigar e xingar os parceiros de jogo Ao falar com Maria o tio mudava a tonalidade da voz e falava baixinho em seu ouvido pedindo gentilmente que ela fosse pegar outra bebida Ela ent o levava a c
108. o era algo t o raro e sim parte integrante da constitui o normal Ele introduziu a no o de sexualidade infantil perversa polimorfa contribuindo para afrouxar a dicotomia entre o dito normal e o dito patol gico nas sexualidades humanas Os impulsos er ticos exerciam uma predisposi o muito maior nas escolhas objetais do que suas conforma es anat micas sendo a busca pelo prazer muito maior do que a finalidade de procria o em oposi o ao que preconizava o cristianismo A defini o da homossexualidade como uma quest o de elei o de objeto n o implicava necessariamente uma modifica o da personalidade em seu conjunto refutando diretamente o conceito de invers o A psican lise se nega a admitir que os homossexuais constituam um grupo com caracter sticas particulares FREUD 1980p 1905 p 168 169 Essa quest o Freud desenvolveu em sua teoria sobre os sonhos colocando desde 1900 a dificuldade em definir o limite entre o normal e o patol gico j que todas as pessoas ultrapassavam tal limite todas as noites atrav s de seus sonhos Canguilhem desenvolveu o tema em seu livro O Normal e o Patol gico Rio de Janeiro Forense Universit ria 1977 Piera Aulagnier considerava que mesmo recorrendo a uma no o do que se podia conceber como um funcionamento da psiqu normal essa id ia era qualitativamente diferente da categoria de normal trabalhada pela medicina AULAGNIER P O sentido perdido Um int r
109. o anat mica entre os sexos 1980 1925 Sexualidade feminina 1980 1931 da Edi o Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud 57 feminino eram de grau e onde os rg os reprodutivos eram apenas um sinal entre muitos do lugar do corpo em uma ordem c smica e cultural que transcendia a biologia p 41 De acordo com a defini o da ordem dos seres de Arist teles e com a filosofia neoplat nica do m dico grego Galeno no s c II d C a mulher era essencialmente um homem incompleto invertido e inferior vis o respaldada pelas disseca es realizadas pelo anatomista alexandrino Her filo no s c III a C Sob tal tica a mulher era um homem invertido porque seus rg os sexuais eram os mesmos dos homens s que voltados para dentro Inferior porque a mulher era concebida como um homem incompleto e imperfeito a quem faltava a for a e a intensidade do calor vital respons vel pela evolu o do corpo marca da perfei o ontol gica do macho O sexo ou o corpo antes do iluminismo eram vistos enquanto o g nero ou seja a categoria cultural era o dado primordial ou real Ser homem e ser mulher era antes de tudo uma hierarquia um lugar na sociedade um papel cultural e n o um ser biologicamente oposto ao outro A mulher era medida segundo o padr o da perfei o masculina Havia uma esp cie de convic o m stica de que os homens eram superiores s mulheres porque representavam a parte m
110. o de nossos destinos individuais A milit ncia das transexuais referida por Bento 2003 contr rias imposi o cir rgica jur dica parece ser uma recusa a essa domina o social e uma busca por uma originalidade subjetiva Assim se desfaz o limite entre realidade e fic o A realidade reduzida a uma sucess o de imagens contribuindo para o afunilamento do simb lico que tem como conseqgii ncia por um lado o fracasso da fic o simb lica que leva o sujeito a se ligar cada vez mais a solu es m gicas imagin rias que operam de acordo com os modos de produ o do g nero Por outro desencadeia uma necessidade de intervir no Real do corpo por meio dos horm nios das cirurgias do laser etc Ou seja o corpo deve ser sacrificado para convert lo em s mbolos neste territ rio que se insere o corpo transexual na fronteira entre o corpo e a linguagem onde se inscreve a marca absoluta do Outro n o barrado pelo significante f lico 157 Temos ent o o corpo que se articula com o pr prio eu e o social e faz sintoma encarnando a ideologia que o fragmenta o coisifica e que o exemplo mor de nossa cultura contempor nea Mauss 1974 coloca a problem tica da rela o entre corpo e cultura em sua discuss o sobre as t cnicas corporais na qual analisa diferentes culturas e suas formas de usar o corpo sugerindo que o modo como cada uma lida com o corpo que ele define como habitus relaciona se a
111. o de uma viv ncia de gozo onde o corpo est do lado do Outro restando lhes o lugar de objeto O sujeito n o tem um corpo como se este perdesse a configura o da imagem que o sustentou na inf ncia ao se deparar com as altera es corporais insuport veis na puberdade Como imaginarem absurdo a altera o corporal via horm nio e cirurgia se a pior experi ncia de altera o j vivenciaram com as transforma es corporais da adolesc ncia O corpo que deixou de ser infantil esse sim n o tinha representa o Essa altera o que tamb m n o tem mais volta irrevers vel pelas vias naturais mas que onipotentemente tornaria poss vel revert la pela biotecnologia contempor nea Ao perder a configura o do corpo masculino que agora se define como feminino pelas a es dos horm nios fica merc do Outro da ci ncia posi o que geralmente as fazem sofrer e entram em desespero expresso por Alice quando v em mim a possibilidade de n o autoriz la Essas pessoas nos ensinam que necess rio a presentifica o de um Nome do pai na ci ncia e ou na religi o que a ajudem a se inserirem na cultura no social desse lugar paradoxal entre carne organismo e mente que elas partem porque ainda n o sabem 268 nada de corporeidade Precisam mentir sobre o que elas sabem tratar se de um logro para mim para o social para elas mesmas Essas pessoas constr em um saber sobre si
112. o hormonal e cir rgica disponibilidade para atendimentos semanais e assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido Associa o aqui entendida como a definida pela psican lise ou seja as id ias ou pensamentos desencadeados a partir de algum tema em particular Por um lado a associa o livre e por outro a escuta flutuante em um movimento constante de interlocu o em busca dos sentidos do discurso em um processo de constru o e reconstru o 47 cl nicos escolhidos como parte desta pesquisa houve a assinatura de um Termo de Consentimento espec fico da psicologia AP NDICES A e B visando a realiza o desta bem como de outros trabalhos cient ficos tais como palestras e artigos Optei por apresentar os fragmentos dos casos cl nicos j acompanhados considerando a import ncia de preservar o sigilo por meio da omiss o de elementos que pudessem vir a identificar a paciente Embora a apresenta o de um caso revele aspectos ntimos da vida dessas pessoas o que foi relatado foram somente recortes da hist ria que considerei necess rios para a compreens o dos aspectos inerentes ao que pretendi investigar Pautei me nas contribui es de Freud 19801 1909 p 159 quanto s comunica es e tica envolvida no relato de um caso cl nico como ele descreve a seguir Eu teria com satisfa o comunicado mais coisas caso me fosse certo ou poss vel faz lo N o posso fornecer uma hist ria com
113. o objeto desprez vel mulher em corpo de homem que condiciona seu gozo Seu desejo permanece limitado a um gozo clandestino submetido a essa parte proibida do Outro Por isso a necessidade de Alice de apoderar se do inconsciente do Outro para saber o que ele quer e de ao mesmo tempo realizar a fixa o exclusiva do desejo a este objeto no caso a vagina momento de suspens o da cadeia significante Portanto por esse atalho solicita o imagin rio intersubjetivo da rela o com o outro sendo a cada vez designada a condi o simb lica da refer ncia ao Outro por meio do significante f lico 238 Segundo Freud 1980 aa 1915 as puls es sexuais se ap iam sobretudo na satisfa o das puls es do eu e a imagem de um eu libidinizado determina a escolha de um objeto na pr pria pessoa atrav s de um outro Assim a fixa o em uma ferida ou abandono narc sico revelada na experi ncia com o primo induz um processo de restitui o na vida amorosa atrav s de uma revaloriza o f lica da imagem libidinizada de si qual o outro solicitado a alienar se Tal imagem ao mesmo tempo ferida e libidinizada comanda a escolha narcisista feita tornada o ideal social Alice torna se escrava do desejo do Outro que o divide de modo radical Essa quest o sobre o que um homem quer dela n o deixava de fazer ressoar uma outra o que ser uma mulher Lacan dizia que n o h rela o sexual pois n o reflete o real do sexual Embo
114. os seus problemas 166 E a urg ncia t o grande de que isso se resolva que diante da exig ncia do Conselho Federal de Medicina de esperar dois anos torna se no primeiro momento intoler vel principalmente quando fantasiam que n o poder o alcan ar o que pretendem Embora digam que o problema n o est no corpo mas na alma e portanto na psiqu n o com esse ltimo que elas intencionam se deparar mas sim com o corpo que deveria refletir sua alma Essa demanda chega ao hospital onde h uma lei que dita que se querem atingir o que desejam ter o que atravessar uma etapa passar por um or culo entrando em cena as entrevistas com a psicologia A psicologia ent o funcionaria aos seus olhos como um passe para a altera o corporal j que para alcan arem o que buscam devem submeter se avalia o psicol gica como uma das inst ncias necess rias de acordo com o CFM Mas diante do encaminhamento que assim nos chega necess rio um trabalho preliminar para retificar esse mal entendido Embora seja a oportunidade do encontro para que a paciente possa sustentar o desejo que a levou ao hospital ter que pagar com o seu discurso seja porque reconhece em si algo que n o vai bem algo que ela n o sabe muito bem o que seja cuja resposta por enquanto vem de fora do social Essa falta de resposta pode transformar se em um enigma e enquanto tal necessitar de uma tradu o Castafieda 1999
115. p nis O sujeito faz buracos no Real produz falta no Real e o sujeito da falta o sujeito do desejo diferente do sujeito da fantasia que quer preencher a falta da falta O sujeito da fantasia apaga as diferen as e produz conformidade buscando a distribui o igualit ria do gozo Por m a estrutura do objeto n o se det m no limite onde devemos encontr lo como separado a crian a que se desmama que se separa do peito na medida em que se constitui sujeito Ao se constituir sujeito ao ocupar lugar no discurso o falante vai esvaziar o objeto A dire o de uma cura aponta para o esvaziamento do lugar dos objetos nos cortes da castra o significante Assim as articula es lacanianas possibilitam situar que o corpo em sua vertente simb lica o corpo marcado pelo significante no qual o inconsciente tamb m se escreve e 148 pode ser decifrado Quando um rosto suscita um sentimento ele um corpo imagem mas quando o mesmo rosto desperta um dizer imprevisto ele um corpo significante LACAN 1975 1954 p 149 Por isso faz sentido o discurso de um eu feminino em um corpo masculino dizer respeito ao campo da psican lise pois entre corpo e sujeito n o h uma correspond ncia biun voca Resta saber como esse discurso pode assim se organizar e esta resposta n o podemos antecipar antes de escutar o sujeito Quando o sentimento de estranheza invade o ser abre se a porta para a ang stia que se inst
116. para as pessoas transexuais em todo o mundo Na Classifica o de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID 10 da Organiza o Mundial de Sa de OMS de 1993 esse termo aparece como parte dos Transtornos de Identidade Sexual com o c digo F64 O e definido como Um desejo de viver e ser aceito como um membro do sexo oposto usualmente acompanhado por uma sensa o de desconforto ou impropriedade de seu pr prio sexo anat mico e um desejo em se submeter ao tratamento hormonal e cirurgia para tornar seu corpo t o congruente quanto poss vel com o sexo preferido p 210 Em 1995 a Sociedade Americana de Psiquiatria SAP classificou o transexualismo no grupo dos Dist rbios Sexuais e de Identidade de G nero Entre a publica o do DSM III e o DSM IV o termo Transg nero passou a ser usado em refer ncia a pessoas com identidade de g nero n o comuns de qualquer tipo Este termo n o significou um diagn stico formal mas muitos profissionais e leigos o acharam mais f cil Desde ent o o Manual Diagn stico Estat stico de Doen as Mentais DSM IV considera ainda para o diagn stico de Transtorno de Identidade de G nero forte e persistente identifica o com o g nero oposto e insist ncia de ser do sexo oposto devendo haver evid ncias de sofrimento ou preju zos em reas importantes da vida do indiv duo ancorada fundamentalmente em um autodiagn stico 4 3 TRANSEXUALIDADE TECNOLOGIA M DICA E CON
117. pertencentes a um g nero diferente sua anatomia Ao contr rio isso reafirma que os g neros n o s o definidos pela biologia mas sim pela cultura ou seja pelo universo simb lico e imagin rio de um povo e sofre influ ncia de diversas linhas e componentes de subjetiva o Assim se hoje o fen meno aparece na m dia e as pol ticas p blicas ocidentais o reconhecem como um transtorno ps quico que deve ser tratado muito disso devido ao que ocorreu no s culo XX O fen meno foi inscrito no campo m dico para tratar do que escapa forma hegem nica e bin ria com que o Ocidente mas n o s em tempos de globaliza o tem lidado com as quest es relativas s sexualidades Portanto para que possamos falar sobre a transexualidade necess rio conhecer o que a precede Torna se importante realizar uma retrospectiva sobre os constructos nos quais a sexualidade humana se sustenta e os processos pelos quais esta foi se diferenciando da invers o da homossexualidade do intersexo da travestilidade e de outras express es da sexualidade 3 2 O OLHAR DO OCIDENTE PARA AS DIVERSIDADES SEXUAIS ATRAV S DOS TEMPOS ENTRE A NATUREZA E A CULTURA Houve um tempo em que o sentimento de pertencer a um g nero em oposi o anatomia sexual n o era considerado um fen meno distinto de outras express es da sexualidade Na Antigiiidade Cl ssica as pr ticas sexuais n o eram classificadas como homo hetero bi ou trans sexua
118. ponto de parada na busca da significa o do desejo materno em que o saber se encontra interditado e situado do lado do Outro paterno que se confunde com o inconsciente Passar do modo de rela o narc sico para o objetal renunciar ao narcisismo prim rio em prol dos valores culturalmente aceitos e outros tantos processos de perdas e de limites marcados por movimentos pulsionais e identificat rios tudo isso caracteriza o complexo de castra o Tanto a castra o imaginada pelo menino como a priva o sentida pela menina depende especificamente da castra o simb lica que universaliza a falta na origem do desejo Em um primeiro tempo o falo designa a impossibilidade daquele sonho de harmonia partilhado por todo ser humano baseado em uma dupla recusa a da diferen a dos sexos e a da filia o A castra o a aceita o de um limite de si que aceita o n o s do que sou mas sobretudo do que n o sou E antes de qualquer coisa o que n o sou o Outro sexo a partir de uma identifica o que o sujeito adquire uma identidade e pode se des identificar e se diferenciar temos aqui uma sujei o e uma distin o Embora o reconhecimento f lico seja indispens vel g nese da identidade sexual ele n o suficiente para definir a posi o subjetiva que um sujeito cuja identidade sexual est assim assegurada adotar na coloca o social em jogo de seu sexo no que n o mais por conseguinte sua identi
119. pr definido pela morfologia mas n o resolve pois a constru o da identidade sexual ocorre no campo das rela es sociais Butler 2002 busca uma articula o da teoria cr tica social principalmente a filosofia representada por Foucault e Derrida e os fundamentos da psican lise para compreender as rela es de poder das quais emergem os sujeitos Ela tenta resolver o impasse com a psican lise ao propor o rompimento com a pol tica feminista baseada em um sujeito feminino universal das estruturas identit rias as afirma es totalit rias e universais e as oposi es bin rias defendendo a diferen a e a pluralidade das identidades Pensa o sujeito como um processo um devir permanente O g nero seria uma constru o social que possibilita ao sujeito o reconhecimento de seu processo de sexua o e que adquire estabilidade em fun o da repeti o e reitera o de normas Ela afirma que as sociedades constr em normas regulat rias que precisam ser constantemente repetidas e reiteradas pois os corpos n o se conformam nunca completamente s normas pelas quais sua materializa o imposta O sujeito constitu do consequ ncia de certos discursos regidos por regras que governam a identidade intelig vel e o sentido ocorre pela repeti o A transexualidade seria uma das possibilidades que se daria quando ocorre uma varia o subversiva da repeti o Essas normas serializantes fundamentam se em nossa sociedade a
120. pra mim tem o mesmo sentido que um seio grande ou ca do tem para algumas mulheres que fazem ela querer realizar uma cirurgia pois sentem vergonha de mostr los Sei que vou me encontrar com a cirurgia N o sou como estou parecendo ser s vezes tenho algo para te dizer e chego na sua frente e n o consigo falar n o consigo te dizer o que estou realmente sentindo Eu pr pria n o me aceito Pede que eu a aceite mas diz que voc pr pria n o se aceita Percebi que projetava em mim suas fantasias e dificuldades e mostrei lhe que aceitava o seu verdadeiro ser ao identific la espontaneamente sem que ela me pedisse pelo nome feminino com que havia se apresentado a mim Al m disso o que eu poderia oferecer a ela era somente um espa o para que refletisse sobre seu pedido de altera o corporal e que n o se tratava de com vencimento nem de minha parte em rela o a ela nem da dela em rela o a mim De algum modo isso fez Alice mudar sua posi o frente a mim Entendeu que era ela quem n o acreditava na possibilidade de realizar a cirurgia Assim tentar convencer me de que deveria realizar tal interven o era um modo de convencer a si mesma de algo que ela nem permitia pensar pois tinha medo de perder o que considerava ser a ltima chance para ser feliz A dificuldade em contar suas coisas estava presa s fantasias de que suas incertezas pudessem impedi la de realizar o que sentia ser s
121. primeira vez que vi Maria ela me pareceu uma caricatura de mulher sua roupa continha enchimentos laterais para darem o formato de quadril N o se incomodava com o tamanho dos seios j que se pareciam com os de uma menina sic Magra dizia de uma preocupa o em n o engordar Os horm nios ela esperava que contivessem a produ o dos p los Apresentava se nas sess es com uma apar ncia um tanto extravagante cheia de presilhas num cabelo longo e uma maquiagem que denunciava seu lugar de principiante na arte de se produzir como mulher base facial branca em exagero sombra colorida nos olhos r mel e batom que n o respeitava os contornos da boca Sua apar ncia acabava n o passando 173 despercebida Sua voz era fina e baixa tentando transparecer a de uma crian a e que soava como pouco natural Tratava se dos primeiros encontros com a mulher que sentia ser No in cio das sess es sempre trazia alguma situa o na qual em uma roda de meninas todos os olhares masculinos voltavam se para ela o que a fazia sentir se mais atraente que as outras Na rua os homens assobiavam e chegou a sofrer tentativa de estupro pois se colocava em situa es risco demonstrando sentimentos ambivalentes pois ao mesmo tempo em que gostava desse jogo de sedu o preocupava se em n o ser confundida com uma prostituta o que a incomodava muito pois a aproximaria das travestis com quem n o gostava de ser associada Era uma mist
122. que ela invejava por ser a preferida do pai Sentia que o irm o era a nica pessoa que realmente a entendia e que sofria com o seu sofrimento Moram juntos em cidade distante dos pais outro estado para estudar Diz que se n o f ssemos irm os era o homem que queria ter ser a mulher para seu irm o Lembra se das fantasias er ticas infantis e brincadeiras sexuais com o irm o nas quais sempre se sentia a menina e sonhava com a possibilidade de namor lo embora soubesse que isso seria imposs vel por serem irm os Em suas fantasias ao sentir se mulher do irm o aparece as constru es do que viria a ser seu sentimento de identidade feminina Queixa se do pai que n o est nem a com ela que n o conseguem nem mesmo manterem um di logo filha e pai Refere que sua m e sempre percebeu que ela era diferente 182 e quando questionava o pai se ele tamb m n o achava ele negava alegando estar acostumado com esse tipo de pessoas referindo se aos homossexuais e n o eram como o filho Maria Em seu trabalho a maioria dos seus clientes era guei Sentia seu pai distante N o se tratava de uma aus ncia concreta j que estava sempre em casa na inf ncia viajava mais Na maioria das vezes a m e quem decide sobre todas as situa es Maria diz que n o sabe direito o que seu pai pensa sobre as coisas pois sua m e quem fala por ele Seu pai disse isso seu pai pensa aquilo Desconf
123. que eles achavam dela Achava estranho que eles n o desconfiassem de nada e tinha medo de que se eles descobrissem a agredissem por isso Essas rela es eram sempre com homens estilo mach es grosseiros na forma de se expressar mas paradoxalmente mesmo com sua brutalidade a tratavam delicadamente como uma menininha indefesa e ing nua Homens parecidos com a imagem do tio aquele que na sua inf ncia mesmo com sua brutalidade lhe dispensava uma aten o diferenciada fazendo a sentir se especial A idealiza o do amor aparecia como um casal no qual o marido um homem guerreiro e forte a protegia como mulher de tudo e a acolhia em seus bra os fortes como uma princesinha que retribu sse a ele delicados carinhos perdidos em ternuras e meiguices Uma menina fr gil e algu m que a protegesse do que Falava me de seus relacionamentos Sempre havia um novo para me contar Dizia o quanto havia gostado quando um dos namorados chegou sua casa ap s o futebol todo sujo e suado e lhe disse que tinha vergonha de ficar daquele jeito na frente de uma donzela Foi o m ximo para Maria ser reconhecida como mulher Ele quis lev la a um lugar especial que ela entendeu como sendo um motel o que a fez responder que era cedo para transarem pois mal se conheciam Ele sugeriu ir at l para comerem um sandu che o que a fez aceitar mesmo sabendo do risco mas ficou curiosa em saber com
124. que essas pessoas enunciem um discurso endere ado aos m dicos e em seguida aos juristas Para que a a ci ncia e a lei reconhe am sua verdadeira identidade essas pessoas alienam se sob uma figura prescrita que reorganizar seu discurso e sua vida a fim de obterem uma san o social Essa a situa o de quem espera mudar de sexo baseado na cren a de que a identidade sexual deve ser legitimada pelo corpo N o h transexual sem cirurgi o e sem endocrinologista MILLOT 1992 p 17 E sendo assim para entrar no processo de transexualiza o a pessoa deve se apoiar em uma convic o baseada em uma verdade e inclusive em contradi o com certezas que n o podem ser reveladas sob o risco de n o serem atendidas em sua demanda Parece que caminhamos logicamente que com ressalvas nos mesmos trilhos de pensamento utilizado para tratar os invertidos tendo como ideal a normatiza o heterossexual Talvez derive da a raz o para que a sociedade aceite a cirurgia de mudan a de sexo sem questionamentos diferentemente das discuss es sobre clonagem humana eutan sia homopaternidade casamento homossexual quest es nas quais a religi o e o jur dico continuam exercendo sua influ ncia O que se houve se n o d para mudar o psiquismo ent o que se mude o corpo para que tudo permane a igual dentro do que se normatizou em prol da benefic ncia humana Fazer o bem sem olhar a quem
125. que se encontra colado s imagens cujo significado dado de forma fixa impondo uma realidade de modo que o sujeito fica impedido de ser agente de si mesmo pois suas a es e modos de ser j estariam definidos atrav s de imagens saturadas de sentido Assim nesse mundo imagin rio n o cria espa o para simboliza es fazendo nos compreender as a es de algumas pessoas transexuais em sua resist ncia a pensar sobre sua demanda pois n o admite transforma es Outras por m buscam recuperar com a cirurgia a imagem perdida da inf ncia Para essas mais agressivo do que a altera o corporal via cirurgia foram as transforma es corporais impostas pela puberdade A altera o corporal calcada na constitui o biol gica visaria restaura o narc sica dessa imagem corporal infantil sem p los sem p nis A busca das transexuais a determinados padr es ideais de feminilidade justificada se entendermos que o abalo narc sico implicaria em um risco de perda de sentido de exist ncia 121 ou de identidade quando este sentido se encontra atrelado a tais padr es ideais Em rela o a isso Kehl 1996 p 12 define a produ o de identidade como um artif cio protetor de nossa solid o subjetiva diante do enigma do desejo que faz com que pensemos a incessante busca identit ria como uma forma de evitar o desamparo Ela defende a posi o de que as identidades s o pr teses subjetivas produzidas na sociedade de
126. raz o de minha aus ncia Aos meus pais e irm os com quem partilhei bons e maus momentos em toda a minha exist ncia Ao meu irm o Eduardo e minha cunhada Roberta que me incentivaram nessa caminhada em que trilhamos paralelamente minha irm Valqu ria e meu cunhado Fernando que percorreram as livrarias de Paris atr s de bibliografias e me auxiliaram na revis o do Ingl s s minhas amigas do Setor de Psicologia do hospital em especial Denise D Carlesso Chefe do Servi o por ter me acompanhado atenta e incansavelmente neste percurso de aprendizado e busca pelo conhecimento Ao Dr Francisco Eug nio Silva Diretor Superintendente do Hospital Universit rio Regional do Norte do Paran pelo reconhecimento e apoio que tem dispensado ao nosso Servi o de Psicologia possibilitando que trilhemos novos horizontes Universidade Estadual de Londrina que nos incentiva sempre a buscar novos saberes Ao meu orientador Prof Dr Fernando Silva Teixeira Filho que com sua sensibilidade me ajudou a ver com mais clareza a quest o das sexualidades e o que me transmitiu constituiu se em um apoio indispens vel a este trabalho Prof Dra Leila Sollberger Jeol s que me despertou a vontade de caminhar pelos saberes da Antropologia Prof Dra Maria de F tima Ara jo pela disponibilidade e dedica o na leitura de minha pesquisa oferecendo suas contribui es na rea dos Estudos de G nero Prof Dra Maria L via Tourinho More
127. real Lacan criou em 1975 o termo sinthome para designar o quarto c rculo do n borromeu diferenciando o de sinthoma que aquilo que n o cai mas se modifica transforma se para que continue sendo poss vel o gozo o desejo Freud afirmava que o sujeito tem de assumir o sentido do sintoma propondo assim uma restaura o dessa verdade e desse modo teria um car ter de verdadeiro aquilo que reintegrado a ele A psican lise consistiria ent o em uma restitui o da hist ria recalcada do sujeito medida que recupera algo perdido fazendo com que o sujeito assuma aquilo que faz parte de sua pr pria hist ria simb lica Qual a sua posi o quanto a essa ordem que constitui o verdadeiro O que constitui sua verdade transexual O sujeito desde Descartes ocupava o lugar do conhecimento e da verdade e a subjetividade identificada com a consci ncia deveria ser clara e verdadeira O desejo era visto como perturba o da Ordem pois modificava o pensamento tornando o inadequado realidade que pretendia representar A partir da psican lise deixa de ser a consci ncia a refer ncia existencial tratando se n o mais do sujeito da verdade mas da verdade do sujeito surge o sujeito do desejo que o pensamento cartesiano havia recusado Lacan prop e inverter a l gica de Descartes Penso logo existo para Penso onde n o sou portanto sou onde n o me penso Essa proposi o indica
128. refor ar e perpetuar a desigualdade E a desigualdade tornou se ainda mais evidente ao receber em meu ambulat rio um transexual que me questionava o porqu dessa diferen a de tratamento entre transexuais masculinos e femininos verificada inclusive nas tend ncias te ricas Ser que uma ci ncia que avan ou tanto est realmente pautada somente em uma dificuldade de constru o de um neop nis Ser que ainda permanece a dificuldade de saber o que quer uma mulher mesmo se posicionada subjetivamente como homem Estas s o quest es por onde poder amos re come ar Temos muito a caminhar e por lugares ainda inexplorados para darmos conta das transforma es que a pr pria ci ncia e seus avan os tecnol gicos mas n o s ajudam a promover No modo como a transexualidade incorporada na cultura ela alcan a o estatuto de um mal estar ou mal ser contempor neo ao apresentar se como uma amea a ao eu Ao ser atravessada por diferentes discursos aponta para a import ncia de continuarmos avan ando na cria o de conhecimentos transdisciplinares que resguardada a especificidade de cada rea propicie a circula o de muito mais que saberes n o saberes Esse posicionamento permite que se reconhe am as diferen as e limita es cujo objetivo final n o estat stico nem de promover a cura seja pela cirurgia ou pela psican lise 278 S quem vive a transexualidade pode saber o que isso significa Essa a
129. respeito ao gozo contestaram 265 a identidade sexual ao entregar se tamb m ao fundamento de uma identifica o com o grupo com o qual partilhavam a mesma reivindica o Esse parece ter sido o mecanismo de algumas das pessoas que descrevi Esses sujeitos inconscientemente se recusaram a assumir o lugar que lhes foi designado pela biologia e ofereceram seu corpo s interven es cir rgicas No caso de J pudemos supor tratar se de um sacrif cio para viver em beatitude Jac e J ferson pareciam buscar na altera o corporal algo que pudesse fazer limite ao corpo aos desejos e puls es No caso de Alice e de Maria pareciam tomar o pr prio corpo como objeto fetiche Para Iemanj seu discurso conformava se aos interesses tipicamente femininos e a cirurgia era apenas para corrigir o engano Logicamente que n o s isso haveria uma multiplicidade de fatores j que pressupomos que a constru o de um sentimento de identidade um eterno vir a ser que parte de diversas identifica es ao longo da vida Torna se assim imposs vel encontrar as ra zes da transexualidade fazendo nos questionar o porqu dessa tentativa j que n o temos o h bito de perguntar por que algu m se tornou heterossexual J sonhava com uma rela o de amor heterossexual com um homem excluindo o gozo sexual O par desse amor absoluto situado margem de qualquer dial tica f lica teria o direito de exigir toda a verdade sobre o seu
130. s ndrome de disforia de g nero foi adotado posteriormente para designar a presen a de um dist rbio de g nero embasado nas propostas de Money e Stoller z A no o de transexualismo admitida nas nosografias psiqui tricas baseadas na descri o de uma s ndrome reconhecida nas nomenclaturas oficiais Na O M S Organiza o Mundial da Sa de a partir de 1970 e em 1980 no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders da American Psychiatric Association DSM III atribui se Disforia de G nero aos que demonstram interesse persistente em transformar o sexo do seu corpo e o status do seu g nero social Com os Padr es de Cuidados Standards of Care a Associa o SSA sua posi o militante o protegia de interrogar al m da demanda expl cita dos pacientes ou investigar o que teria podido determinar a viv ncia ntima e o sentimento de liberdade destes Tendo pedido an lise a Freud foi recusado Freud havia atribu do sua impot ncia homossexualidade Desde ent o Benjamin tornou se um advers rio da psican lise vendo na endocrinologia a terapia alternativa para os dist rbios sexuais CASTEL 2001 87 E ER a O termo g nero para Money refere se ao aspecto psicol gico pelo qual um sujeito sente se e comporta se como uma mulher ou um homem Tal conceito permitiu lhe apontar a contradi o poss vel entre os aspectos psicossociais e o sexo biol gico em pessoas com genit lia amb gua
131. se do pai para evitar que este reconhecesse seus sentimentos er ticos e o desinvestimento em rela o a ela do qual Alice se queixa pode ter sido sua incapacidade de reconhecer e suportar os investimentos er ticos do filho Refere uma liga o mais forte com a m e mas me conta apenas um nico ponto de identifica o com ela o desconhecimento do desejo do marido minha m e tamb m sempre dizia que era muito dif cil satisfazer o pai n o conseguia nunca saber o que ele queria S deu conta de tornar se Alice e vestir se como mulher aos trinta anos de idade quando a m e faleceu passando a morar sozinha e a levar uma vida prom scua saindo com v rios parceiros Suas principais amigas eram travestis que n o se conformavam com o desejo dela de retirar o p nis Atualmente tem uma vida econ mica melhor do que as irm s que s o dependentes financeiramente dos maridos Cria uma sobrinha rf de pai que aceitou muito bem a transexualidade da tia e tendo a oportunidade de ir morar com a m e preferiu ficar com Alice que obteve a guarda judicial da sobrinha Sente se um pouco distante das irm s e achava que elas a discriminavam Entretanto surpreendeu se ao saber pela assistente social da equipe sobre a admira o delas pela determina o em perseguir seu objetivo mas temiam a discrimina o o que as levavam a um sofrimento Isto as aproximou tornando se confidente delas mas discreta sobre seus p
132. sentimento de dio e vergonha Outra possibilidade de leitura remete nos contribui o de Freud 1890 1924 sobre o masoquismo moral a forma como o sujeito lida com os impulsos agressivos decorrentes da puls o de morte e que ao impedir sua descarga motora para o exterior realiza uma deforma o regressiva de fantasias de destrui o que se volta para o eu A libido teria a miss o de tornar in cua a puls o de morte e a realiza desviando essa puls o para os objetos externos associada nesse caso agressividade e destrui o Uma outra parte permanece dentro do organismo e libidinalmente presa Assim h uma fus o entre as puls es de vida e de morte Em alguns casos como parece ser o de J ferson pode haver uma desfus o e o res duo que se encontra introjetado ainda tem o eu como objeto e diferentemente do masoquismo er geno o sofrimento o que importa deixando a libido fora de considera o Freud atribui o sentimento de culpa como express o dessa tens o entre o eu e o supereu onde 213 o eu reage percep o de que n o esteve altura das exig ncias feitas por seu eu ideal que surgiu a partir dos primeiros objetos de investimento libidinais os genitores cujas rela es tendem a se tornar dessexualizadas ao serem desviadas de seus objetivos sexuais pelas vias do dipo Nesse caso o eu busca tanto no supereu quanto no poder paterno a satisfa o da necessidade de puni o e de sofrimento Nesse mesm
133. transexuais que n o buscam pessoas parecidas com elas Nenhum deles se reconhece como homossexual alguns se definiram bissexuais e poucos assumiram ser casado Esperam ser tratados como homens exercendo papel dominante na intera o sexual SAADEH 2004 251 Considera es Finais Agora que fiz a cirurgia toco meu corpo e sinto que sou eu Mas antes eu n o me sentia assim N o era o meu corpo Esta a fala de Iemanj ap s a cirurgia revelando a abertura do envelope corporal que situa o pr prio sujeito como resposta ao gozo que o ultrapassa por estar colado ao gozo materno Miller 2004 apoiado em Lacan se refere ao acontecimento no corpo como resposta a algo que o ultrapassa H um significante mas todo o seu efeito de se corporizar como afec o como gozo A in corpora o do significante mulher de verdade permite que seu corpo masculino ex corpo se transforme em feminino para satisfazer s mulheres de sua vida a m e e a av Se quer ser mulher que seja uma mulher de verdade Iemanj sup e ser a cirurgia e os horm nios o caminho para satisfazer esse pedido expl cito na av mas colados aos significantes encadeados no discurso da m e Agora como mulher de verdade Iemanj sente que pode escolher melhor n o precisa ficar com o primeiro companheiro que literalmente bateu em sua porta N o precisa aceitar esses homens imprest veis esses homens assim qualific
134. um fen meno social que engloba diferentes dimens es da experi ncia psicol gica social e individual para al m do biol gico Ele chama a aten o para a maneira pela qual cada sociedade imp e ao indiv duo um uso rigorosamente determinado de seu corpo onde o social imp e inscri es marcas corporais na pessoa Em diversas sociedades a no o de corpo n o delimitada pelo biol gico estendendo se para al m deste podendo sofrer todo tipo de metamorfose que v o demarcar diferentes concep es do corpo na cultura Segundo Corr a 2004 em todas as sociedades humanas o corpo desfigurado e re configurado para adequar se a fantasias corporais socialmente compartilhadas isto s conven es sociais vigentes O que recentemente passou a ser chamado de mutila es genitais uma pequena parte dessas reconfigura es que afetam o corpo e a alma daqueles que a experimentam Ao comparar o tratamento dispensado mutila o genital em nossa sociedade ocidental com outras sociedades a autora analisa que em um caso o tema tratado na clave do sagrado e no outro caso na do segredo Isto nas sociedades ditas primitivas que ela estudou onde se realiza a mutila o genital feminina a l gica vigente era a do sagrado o que coloca a quest o no mbito de um ritual Tais interven es no corpo em nossa sociedade seriam feitas no circuito fechado na l gica do segredo Nessas sociedades essas pessoas s
135. um g nero em oposi o anatomia t m representa es diferentes sofrendo os efeitos de seu tempo e da cultura em que se insere Historicamente a homossexualidade foi definida e assimilada de v rias formas como de algo indiferente e inserido na cultura dotado de neutralidade dentro da vis o da normalidade como possess o demon aca v cio e transgress o do ponto de vista da moral e da religi o como desvio da normalidade ou doen a no discurso m dico sendo destinada a ser tratada De acordo com Freire Costa 1994b toda poca produz cren as sobre a natureza do bem e do mal do ser humano e do mundo que aos olhos dos contempor neos sempre aparecem como bvias e inquestion veis Dessa forma na Idade M dia criaram se as feiticeiras e uma vez que a cren a na bruxaria existia em efeito existiam as bruxas Sem a cren a em bruxaria n o haveria mulheres que sentissem agissem e se reconhecessem e fossem reconhecidas como bruxas Assim a t tulo de reflex o poder amos pensar que sem a inven o do conceito de transexualidade n o haveria pessoas que se reconhecessem e fossem reconhecidas como transexuais 78 4 A INVEN O DAS TRANS SEXUALIDADES Embora a palavra n o tivesse sido inventada a altera o corporal com fins de mudan a de sexo como vimos n o esperou a ci ncia para existir No entanto o que vai marcar o surgimento desse fen meno tal qual o presenciado na
136. um modo de constru o da sexua o margem da fun o f lica cuja identifica o sexuada foi fundada na elei o de um significante em oposi o ao homem agressivo e mort fero representado pela figura paterna Este signo originado na figura paterna comprometeu sua posi o sexuada masculina que ao se opor ao pai aproximou os do lado feminino j que o que a transexualidade nos aponta a aus ncia de lugares que permitam se posicionarem Assim diante da l gica bin ria destinos de n s seres humanos inscritos na cultura ocidental se n o se homem s restaria ent o ser mulher diante da n o representabilidade desse corpo Na hist ria de Mara e Maria evidenciava se uma m e que suplantava o poder paterno e com uma postura f lica impunha a lei o que certamente se refletiu na feminilidade da filha J por sua vez se apresentava desprovida de saber revelando uma posi o fantasm tica que custava o encobrimento da sexualidade e sua incapacidade de desligar se dos pais dificuldade tamb m presente no caso de Iemanj de desligar se da m e Para haver identifica o necess rio o reconhecimento paterno que assegure um sentimento de identidade sexual ficando evidente na hist ria de Iemanj Trata se do 270 reconhecimento do pai em rela o ao filho e o reconhecimento do filho da exist ncia real desse pai Esse processo indispens vel instaura o da subjetividade que permite crian a a
137. um quarto elemento que consistiria nesse caso identifica o do sujeito com A Mulher Mas este quarto n une sen o o Imagin rio e o Simb lico O Real em contrapartida n o estando ligado levaria o sujeito a demandar a corre o cir rgica para ajustar o Real do sexo ao n I e S O sintoma transexual teria assim uma fun o estrutural na aus ncia do quarto elemento o sujeito se identifica com A Mulher e demanda a cirurgia para que possa ligar o R ao I e S e assim evitar a psicose Talvez esse pedido corresponda a uma tentativa de sair do e 107 fantasma de ser o falo de rasgar na passagem ao ato O arco de papel do fantasma e sobretudo escapar exig ncia imposs vel de satisfazer de ser o objeto do gozo do Outro este Outro que n o existe A passagem ao ato se trata de um agir inconsciente de um ato n o simboliz vel pelo qual o sujeito descamba para uma situa o de ruptura integral de aliena o radical Lacan situa o suic dio nesta vertente um salto no vazio ROUDINESCO PLON 1998 p 05 06 No caso citado por Millot 1992 se refere ao que Lacan ir propor que Quando o sujeito se confronta com aquilo que ele como objeto para o Outro em sua demanda de amor de reconhecimento simb lico reage a isso de modo impulsivo por uma ang stia incontrol vel uma evas o para fora da cena de sua fantasia quando para ele tornou se imposs vel uma simboliza o N o se dirig
138. uma das tr s teorias sexuais infantis decorrentes do desconhecimento das diferen as entre os sexos em que segundo Freud 1980 1908 todos teriam p nis inclusive as mulheres que sendo o rg o dotado de um valor simb lico revestiria o sexo de um car ter f lico diante da presen a e da aus ncia do mesmo A constata o da diferen a entre os sexos vai operar em Maria como uma ferida narc sica a perda da ilus o do que poderia ser a marca de uma diferen a em rela o ao outro assim como de uma semelhan a que lhe servir de suporte para a pr pria imagem corporal Sua irm ent o lhe diz que ela n o tem p nis e que Maria nunca ter uma vagina o que foi vivido como uma grande decep o Ao ver o pai urinando pensou que n o era isso que queria ser um homem A enuncia o dessa lembran a nos remete a Freud em seu artigo Algumas consegii ncias ps quicas da distin o anat mica entre os sexos 1980 1925 em que a crian a diante da vis o do p nis de um outro julga e decide se quer ou n o quer t lo Essa cena parece ter ent o os tra os do que serviu para a constru o de seu sentimento transexual p los p nis pai e a descoberta da castra o materna se abrindo diante dela a caracter stica reveladora que a separa de sua m e e de sua irm ligando se id ia de que deveria ou preferia ser uma menina Portanto sem p los sem p nis para n o ser como o pai Uma forma de apagar a diferen a que as separari
139. uma duplicidade o sujeito do enunciado ou do significado e o sujeito da enuncia o ou do significante evidenciando se uma ruptura entre o enunciado consciente e a enuncia o inconsciente entre o dizer e o ser entre o eu falo e o eu sou em que n o h lugar para a verdade do sujeito a n o ser enquanto um lugar de seu desconhecimento GARCIA ROZA 1983 Freud 1980 d 1905 p 297 ao introduzir a no o de inconsciente deslocando a consci ncia de um lugar central na nossa vida ps quica questionou a origem exclusivamente org nica das doen as ao mostrar que a fala tem fun o terap utica talking cure e que os dist rbios patol gicos do corpo e da mente podem ser eliminados por meras palavras Assim o procedimento para a investiga o dos processos nos n veis inconscientes tem como modelo a interpreta o que busca no discurso esses sentidos e essa decifra o de sentido que se imp e mostrando a import ncia da linguagem e servindo de paradigma para a apreens o do sintoma O objetivo ent o n o diretamente eliminar o sintoma aliviar P importante haver se com o limite da verdade que o recalque isto o inconsciente imposs vel de recupera o completa uma vez que a verdade em psican lise s pode ser por estrutura meio dita sendo a totalidade uma ilus o 29 rapidamente o mal estar corrigir poss veis defici ncias porque ele tem um sentido rigorosa
140. uma pessoa especial num lugar especial Ele prop s lev la a um lugar especial Novamente o discurso de um lugar especial e ela aceitou com a condi o de que nada acontecesse alegando n o estar preparada Foi maravilhoso diz fiquei de costas e ele ficou beijando minhas n degas Com uma saia bem curta ela se insinuava pedindo que ele a devorasse como na cena do tio em seu colo Ele ent o dizia que iria possui la remetendo a a fantasias que sup e tratar se de uma rela o homem mulher Mas quando ele fantasiava penetr la ela ficava apavorada dizendo desse jeito n o Que jeito Perguntei Falou me do pavor de v lo tirar a roupa queria apenas que ficassem esfregando seus corpos Ro ando seu corpo nele Pergunto e ela me diz que gosta de provoc lo Insinuar se provocar fazer semblant O que ela queria ao ir com ele ao motel Mas n o gosto de ver o p nis Nem o meu nem o dele Assusta me completa Maria se assustou ao ver o p nis assim como se assustou ver o do seu pai Ao ver o pai pensou em seu futuro seu destino biol gico Assustou talvez pela id ia de um corpo igual produzindo o fantasma inaceit vel de ser homossexual Ao se referir aos relacionamentos sexuais Maria dizia que gostava do faz de conta Sempre me senti um pouco Cinderela procurando um pr ncipe encantado Maria buscava algo al m do sexo Como num conto de fadas Questionei e e
141. 1 p 143 149 Jan 2002 ISSN 1413 294X 282 CURY A Mudan a de H bito Revista G Magazine Rio de Janeiro ano 3 29 ed 2000 CZERMAK M FRIGNET H Sur Pidentit sexuelle propos du transsexualisme tomos I e II Paris Ecole Freudienne Internationalle 1996 CZERMAK M Precis es sobre a Cl nica do Transexualismo In Paix es do Objeto Porto Alegre Artes M dicas 1991 P 83 96 El transexualismo Peque a cl nica port til para uso del psiquiatra contempor neo In Avatares de la asunci n f lica Imago Revista de Psicoan lisis Psiquiatria y Psicologia N mero 18 Octubre 2004 DEL VOLGO M J O instante de dizer o mito individual do doente Trad Martha Gambini S o Paulo Ed Escuta 1998 DOLTO F A Imagem inconsciente do corpo 1961 2 ed S o Paulo Perspectiva 2004 DOR J O pai e sua fun o em psican lise Rio de Janeiro Jorge Zahar 1991 Transexualismo e o sexo dos anjos In Estrutura e Pervers es Porto Alegre Artes M dicas 1991 DUNKER C Elementos para uma Metapsicologia da Corporeidade em Psican lise In II Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental Mesa redonda Por uma metapsicologia do corpo Bel m set 2006 ELIA L O conceito de sujeito Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 2004 ELIAS V A Os Destinos do Corpo O Que Se Vela e o Que Se Re Vela Texto apresentado na IV Jornada de Psicologia do Hospital Universit rio Regional do Norte do Paran
142. 4 O m todo Psicanal tico de Freud 1903 1904 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 v VII Fragmentos da an lise de um caso de histeria 1901 1905 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980f v VII Tr s Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade 1905 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980p v VII Moral Sexual Civilizada e Doen a Nervosa Moderna 1908 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980q v XIX An lise de um caso de fobia num menino de cinco anos 1909 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 v X Notas sobre um caso de neurose obsessiva 1909 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 19801 v X Cinco li es de psican lise 1909 1910 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980h v XI Notas psicanal ticas sobre um relato Autobiogr fico de um caso de Paran ia 1911 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980s v XII Recomenda es aos m dicos que exercem a psican lise 1912 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980m v XII Totem e tabu 1913 In Obras Psicol gicas Completa
143. 69 8 2 2 A Im Possibilidade de Ser Homem oosneneesossoseneeeessssssoseoeesesssseserersessssesenee 199 8 2 3 O Segredo CO Sarado sarada A a 213 8 2 4 O Que Quer Um Homem rerrerereeeaenenereerereeeeaneneeertreress 226 8 2 5 Um Caminho Sem Volta ii e E a R e A NES 238 8 2 6 Se Quer Ser Uma Mulher Que Seja De Verdade 245 8 2 1 Uma Espera Inspori Vel mas desesaiadasaa mapa di assa re eira NR elites ida 251 O MOMENTO DE CONCLUIR cssescsssvesivatenaisonoinemocadiiadac ronitmafanes iaro repita saias reader 260 REFERENCIAS shena O 278 FILMES CITADOS oinerreioertiiiseocsosoesesetosveses ooer sotet s tete soos ei sies resevas oseo iis iTe pepeo r eissa 292 APENDICES casser nae a i inae ekai 293 A Termo de C nsentmMent sssucnsn un n A E A a 293 B Fotmul rno de ACENA O essas names yeeros stroo aeie aeee a as aaaeaii Teras 294 ANEXOS ieas erias A EE A EESE a Sa 295 A Resolu o do Conselho Federal de Medicina ssensesssessssseesseesssesseesseressseessees 295 B Resolu o do Conselho Federal de Psicologia sensessseeesseesseessesssersssresssressres 297 C Aprova o do Comit de tica em Pesquisa iiceememeemeeeeemereeneremers 298 12 1 INTRODU O 1 1CONSIDERA ES INICIAIS A Psican lise no hospital tem se deparado com o surgimento de demandas que implicam em desafios para o pensar cl nico exigindo do profissional uma posi o frente aos novos modos e
144. 98 Meninos n o choram 1999 Normal 2003 e mais recentemente Transam rica 2005 evidenciam o quanto esse tema tornou se fregiiente inclusive na m dia que nem sempre o trata com seriedade Essas produ es traduzem tanto a curiosidade quanto o estranhamento social a respeito desses fen menos evidenciando ainda os conflitos familiares e sociais por que passam essas pessoas Reportagens recentes no cen rio do esporte trouxeram situa es de transexuais femininas que se destacaram mas que n o foram aceitas pela dificuldade de serem enquadradas como mulheres j que suas condi es anat micas eram masculinas e portanto consideradas com uma resist ncia f sica superior a das biologicamente femininas Temos exemplos no mundo da moda em v rios pa ses tais como Roberta Close no Brasil e na Vas E A F PEO Ai m sica a cantora israelense Dana International que em 1998 recebeu o pr mio Eurovision gt Essa autora bi loga e por ser transexual uma pol mica cientista da Universidade de Stanford nos Estados Unidos Pesquisou o fen meno transexual n o s nos humanos como em outros seres vivos transformando tal pesquisa em uma obra na qual argumenta que homossexuais e transexuais s o abundantes em v rias esp cies do reino animal Por que mais comum nos homens Essa uma quest o que mereceria uma discuss o que n o foi poss vel nesta pesquisa em fun o do recorte estabelecido Badinter 1993 p 36 cit
145. Ainda que a representa o imagin ria do pr prio corpo fosse feminina sua identifica o encontrava limites no pr prio rg o quando convocada a mostrar o p nis para um outro homem tornando se cada vez mais imperativa a id ia de realizar a cirurgia de transgenitaliza o A genitaliza o das rela es Embora eu questionasse Alice se o encontro com um homem se limitava rela o sexual ficava claro que era o que justificava os seus encontros e o que organizva suas rela es reduzindo o corpo s zonas er genas genitais O que estava sempre em jogo era o medo de perder ou n o conseguir um namorado pela falta da genit lia feminina pois a aus ncia dos seios se resolvia com a a o dos horm nios e um suti com enchimento 233 Sempre presa aos fantasmas ligados diferen a entre ela e uma mulher biol gica sentia se inferiorizada e humilhada ao supor se incompleta Nada exigia dos companheiros pois n o tinha direito j que nada podia dar em troca como se tratasse de uma negocia o Pensava o sexo anal como falta de op o e n o a escolha do homem acreditando ser o sexo vaginal a finalidade natural do homem ao buscar uma mulher Isso fazia com que ela se sentisse amea ada por um poss vel abandono ao encontrar se em uma posi o de desvantagem em rela o outra Se eu n o tenho vagina como que eu posso exigir que ele fique comigo Sentia se um lixo raz o para que
146. Considerando a possibilidade de uma reorganiza o na vida sexual a equipe 141 Da mo Eno z preocupava se com o parceiro e sua participa o na decis o da paciente pela cirurgia de 141 i E P pri e P P Os parceiros despertou interesse cient fico homens que se interessam por travestis transexuais femininas e homens feminilizados comportamento designado ginandromortofilia Definem se tr s padr es de comportamento homens que buscam relacionamentos afetivos e rom nticos n o se travestem e n o fazem 250 transgenitaliza o Ao ser questionada sobre o que achava que seria a opini o do marido em rela o cirurgia evidenciava a indiferen a dele em rela o transexualidade bem como sua mudan a de sexo e insistia que era por ela e n o para o marido que estava se submetendo ao processo Referia terem poucos interesses em comum quando o parceiro ganhava dinheiro gastava com a bicicleta ou o videogame quem se preocupava com as despesas da casa era ela Embora referisse sua insatisfa o conjugal dizia que o casamento era uma quest o secund ria na vida dela A rela o conjugal se parecia com uma rela o m e e filho Iemanj sup e que por ele ser rf o viu nela a fam lia que nunca teve Fica clara a refer ncia simb lica do feminino ligada maternidade constru da pela identifica o com a m e e a av e praticada na rela o com os irm os e o marido O processo p s cir rg
147. DENTIDADE DE G NERO scr suis esanstceessnstoiassstsaa tras inse simao aatras s 127 6 2 1 Contribui es Contempor neas dos Estudos de G nero para Avan armos na Quest o das Transexualidades erereererererareere near seraeaeeresesasaeneneseran s 129 O CORPO EM CENA quseieiniiio rata petaaos ae tiaiog ani Lo ice quai neta sura Raia ora asA des etase nensis 134 7 1 A QUEST O TRANSEXUAL DO G NERO AO CORPO ccicieeeeeeeeeeeeeeeeeeeeenes 134 7 2 O CORPO PARA A PSICAN LISE A ANATOMIA N O O DESTINO 136 7 2 1Entre o Ps quico e o Som tico O Corpo Pulsional 139 12 20 orpo Falado e Corpo SEXUAL sr sis rasas aan pads IEA e 140 7 2 3 O Corpo e sua Incid ncia no Real no Simb lico e no Imagin rio 141 7 3 O CORPO TRANSEXUAL COMO CORPO ABJETO s ssnsesnessssssoseoreessssesterersssseseereres 150 11 7 4 O CORPO RE INVENTADO PELA TECNOLOGIA s sssssneessssssoereressssssosreressesesesreresrsss 158 AS SINGULARIDADES NA BUSCA PELA ALTERA O CORPORAL CASOS CLINICOS ias asa a n E N ui es 164 8 1 UMA BREVE APRESENTA O INICIAL sssessssesereeessssserereteteessrerreerersssesrrereeessssseee 164 SLTA Saida do CASO sis iss CAE ua aar Su a aea aaa SUS o 165 8 2 AS INARRATIVAS iusanairo snperecenensas lera rA is EEE ada negada ane add Sh TU een Rena ade ai 169 82 l Espelho Espelho Met sans sa tasas dE LOU ROS OSS A EO LAST U ORUE 1
148. Desejava o que imagina deveria ter sido o desejo da m e A que se sentisse completa que sentisse como suficiente o que o marido lhe desse e o tratasse com a diferen a necess ria Homem homem mulher mulher Minha m e sempre foi muito chata Minha m e muito preconceituosa Ela detesta quando eu saio com ela e os homens ficam olhando Ela acha que eu fico me insinuando e ela resmunga 185 E voc fica se insinuando Ela ent o me responde Ah Eu gosto quando me olham Mas eu mudei muito Eu tento ser bem discreta Tenta Pergunto Nossa quando eu vejo fotos de antes e de agora Eu mudei muito Estou bem melhor mais segura E a seguran a te faz se insinuar menos Ela concorda e diz Sinto me mais feminina N o precisa mais que o outro expresse o que pensa dela insinuar se para o outro era uma forma de buscar como em um espelho a imagem idealizada de si mesma como quando via os homens olharem para a irm Sob o olhar do outro constru a a sua identidade Maria sentia que no desejo do outro era uma menina Percebia que era nesse lugar que recebia a aten o de um adulto e n o aparecia o pai ou a m e que pudessem interditar isso favorecendo as fantasias de sedu o N o havia colo de m e nem de pai em sua lembran a A Perda da Inf ncia e a Adolesc ncia Conta o quanto sente saudades de sua inf ncia Foram os anos mais felizes da minha vida Anos de pura inoc ncia Pensava que durari
149. Eros Rio de Janeiro Martins Fontes 1997 Teoria Sexual e Psican lise In CECCARELLI P R org Diferen as Sexuais S o Paulo Ed Escuta 1999 MELMAN C Melancolia In Revista da APPOA Ano IV n 9 nov 1993 Novas Formas Cl nicas no In cio do Terceiro Mil nio Porto Alegre CMC Ed 2003 MERCADER P La Ilusi n Transexual Buenos Aires Ed Nueva Visi n 1997 MEZAN R Que significa Pesquisa em psican lise In Silva M E Investiga o e Psican lise Campinas Ed Papirus 1995 p 49 89 Escrever a Cl nica S o Paulo Casa do Psic logo 2002 MEZ NCIO M Metodologia e pesquisa em psican lise uma quest o Psicologia em Revista Belo Horizonte v 10 n 15 p 104 113 jun 2004 MILLER J A Biologia lacaniana e acontecimentos de Corpo In Op o Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psican lise S o Paulo E lia n 41 dez 2004 p 7 67 MILLOT C Extrasexo Ensaio sobre o Transexualismo S o Paulo Escuta 1992 MONEY J TUCKER P Os pap is sexuais S o Paulo Brasiliense 1981 MOREL G Ambigiiedades Sexuales Estudios de psicoanalisis Buenos Aires Ed Manantial 2002 290 MORETTO M L O que pode um analista no hospital S o Paulo Casa do Psic logo 2002 O psicanalista num programa de transplante de f gado a experi ncia do outro em si Tese de doutorado Instituto de Psicologia da Universidade de S o Paulo 2006 MOURA M D org
150. Livro 04 A rela o de objeto 1956 57 Rio de Janeiro Jorge Zahar 1995 288 O Semin rio Livro 05 As forma es do inconsciente 1960 Rio de Janeiro Jorge Zahar 1988 O Semin rio Livro 06 O desejo e sua interpreta o 1958 1959 Rio de Janeiro Jorge Zahar 1988 O Semin rio Livro 07 A tica da psican lise 1960 Rio de Janeiro Jorge Zahar 1988 O Semin rio Livro 08 A transfer ncia 1960 61 Rio de Janeiro Jorge Zahar 1992 O semin rio livro 09 A identifica o 1961 1962 in dito aula de 6 de dezembro de 1961 O semin rio livro 10 A ang stia 1962 1963 Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 O Semin rio Livro 11 Os quatro conceitos fundamentais da psican lise 1964 65 Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1998f O Semin rio Livro 17 O avesso da psican lise 1969 70 Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1992 O Semin rio livro 19 Ou Pire 1971 1972 In dito O Semin rio Livro 20 Mais ainda 1972 73 Rio de Janeiro Jorge Zahar 1996 O semin rio livro 23 Le sinthome 1975 1976 In Ornicar 6 7 8 9 10 e 11 Escuela Freudiana de Buenos Aires 1987 Os complexos familiares na forma o do indiv duo 1938 Rio de Janeiro Jorge Zahar 1987 LAPLANCHE PONTALIS Vocabul rio da Psican lise S o Paulo Martins Fontes 1991 LAQUEUR T Inventando o Sexo Corpo e G nero dos Gregos a Freud Rio de Janeiro Relume Dumar
151. NDO que o diagn stico a indica o as terap uticas pr vias as cirurgias e o prolongado acompanhamento p s operat rio s o atos m dicos em sua ess ncia CONSIDERANDO finalmente o decidido na Sess o Plen ria de 6 de novembro de 2002 RESOLVE 297 Art 1 Autorizar a cirurgia de transgenitaliza o do tipo neocolpovulvoplastia e ou procedimentos complementares sobre g nadas e caracteres sexuais secund rios como tratamento dos casos de transexualismo Art 2 Autorizar ainda a t tulo experimental a realiza o de cirurgia do tipo neofaloplastia e ou procedimentos complementares sobre g nadas e caracteres sexuais secund rios como tratamento dos casos de transexualismo Art 3 Que a defini o de transexualismo obedecer no m nimo aos crit rios abaixo enumerados Desconforto com o sexo anat mico natural Desejo expresso de eliminar os genitais perder as caracter sticas prim rias e secund rias do pr prio sexo e ganhar as do sexo oposto Perman ncia desses dist rbios de forma cont nua e consistente por no m nimo dois anos Aus ncia de outros transtornos mentais Art 4 Que a sele o dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecer a avalia o de equipe multidisciplinar constitu da por m dico psiquiatra cirurgi o endocrinologista psic logo e assistente social obedecendo aos crit rios abaixo definidos ap s no m nimo dois anos de acompanhamento conjunto Diagn stico m di
152. O atendimento s transexuais foi realizado no ambulat rio de psicologia geral do Hospital de Cl nicas vinculado ao Hospital Universit rio da Universidade Estadual de Londrina HU UEL 0 na cidade de Londrina PR onde atuo como psic loga hospitalar desde 1992 utilizando me da t cnica de escuta anal tica O Hospital Universit rio HU um hospital geral e p blico de car ter universit rio e considerado p lo de atendimento e refer ncia na regi o Norte do Paran Possui 289 leitos e tem realizado nos ltimos meses uma m dia mensal de 5 500 atendimentos a pacientes no Pronto Socorro 1 100 interna es e 18 500 no ambulat rio do Hospital de Cl nicas Conta com um Servi o de Psicologia constitu do de dez psic logos que atuam em diversas cl nicas unidades e servi os Dados fornecidos pelo Servi o Ambulatorial de Medicina e Estat stica do Hospital Universit rio SAME em mar o de 2006 44 Esse acompanhamento interdisciplinar pautado na indica o dos Padr es de Cuidado da Sociedade Harry Benjamin mant m se ainda como uma Comiss o de Estudos e portanto tem car ter experimental n o se caracterizando enquanto uma equipe de trabalho principalmente pela dificuldade de efetivarmos um profissional da endocrinologia conforme j apontei Rotineiramente na triagem inicial a equipe analisava a demanda de transexualiza o e em seguida iniciava se o acompanhamento durante o m nimo de dois anos prossegu
153. Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 v XX Breves escritos Karl Abraham 1926 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 v XX p 321 O Futuro de uma Ilus o 1927 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 v XXI 286 O Fetichismo 1927 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 v XXI O Mal Estar na Civiliza o 1929 1930 In _____ Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980r v XXI p 75 171 Sexualidade feminina 1931 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud E S B Rio de Janeiro Imago 1980 vol XXI p 259 282 Confer ncia XXXIV Explica es Aplica es e Orienta es 1933 In Obras completas ESB Rio de Janeiro Imago 1980 p 135 154 Vol XXI An lise termin vel e intermin vel 1937 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud E S B Rio de Janeiro Imago 1980 vol XXIII Constru es em An lise 1937 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud E S B Rio de Janeiro Imago 1980j vol XXIII p 290 304 A divis o do ego no processo de defesa 1938 1940 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud E S B Rio de Janeiro Imago 1980 vol XXIII FRIGNET H O Transexualismo Rio de Janeiro Companhia
154. Polin sia o machismo e a homofobia principalmente noite em que n o raro ver irromper nas zonas de prost bulos pr ximas do porto de Papeete grupos de valent es ca a dos mahus para hostiliz los e espanc los Cerdan vive h mais de 30 anos no Taiti e agora escreveu um document rio romanceado sobre o mundo dos rae rae palavra que eu acreditava ser sin nimo de mahu mas ele me garante que h entre ambos uma dist ncia metaf sica Sua longa explica o sobre o que os diferencia me deixa numa confusa treva Por fim deduzo que se o mahu o homem mulher de ra zes tradicionais da sociedade polin sia o rae rae taitiano antes sua express o urbana e moderna mais em sintonia com as drag queens feitas sob medida e injetadas de horm nios e de silicones do Ocidente do que com essa delicada recrea o cultural psicol gica e social que o mahu da tradi o maori O mahu faz parte integral da sociedade e o rae rae vive em suas margens Cerdan Claude parece conhecer muito bem o mundo prostituto e not vago dos rae para quem eles contam seus sofrimentos e anseios e recebem conselhos para atravessar os escolhos da vida N o nada f cil encontrar os limites que separam os sexos minha impress o que o que os separa bem pouca coisa ou nada para um leigo como eu Anne filho de neozeland s e taitiano uma mo a bel ssima de silhueta delgada que conta teve dificuldade com seus pais quando men
155. Por m em seus discursos aparece uma identifica o n o pelo 1I Esse termo retirado da ling stica de Saussure 1972 aqui retomado por Lacan transformando o em um conceito psicanal tico Elemento do discurso refer vel tanto ao n vel consciente quanto inconsciente que representa e determina o sujeito Separa se do significado da palavra que o referencia e se associa l ngua e ao fonema e o que a isso se liga no inconsciente podendo assumir para o analista o valor de uma interpreta o a partir de seu efeito de sentido e do papel que representa em uma economia subjetiva 108 todo sen o por um tra o significante que Freud 1980u 1921 desenvolve em seu artigo sobre identifica o em Psicologia de grupo e an lise do ego eu em que ele diz que a identifica o sempre parcial extremamente limitada e s toma um tra o do objeto Esse tra o nico mediante o qual o sujeito se identifica com o Outro ao diferenciar se do eu foi chamado por Lacan 1961 de tra o un rio Uma vez adotados alguns desses tra os estes j n o s o substitu veis por outros significantes nem podem encadear se com eles Isolados no inconsciente se convertem s vezes em significantes que se repetem de maneira traum tica na vida do sujeito Ao mesmo tempo em que seguem carregados de significa o perdem no inconsciente a propriedade bin ria do significante que sup e a possibilidade de substitui o metaf rica e do encadeamento significant
156. Procusto para se encaixarem dita norma dentro do que se convencionou para o masculino ou feminino uma das motiva es para as intermin veis demandas de altera es corporais Como se o Outro lhes dissesse Se querem ser reconhecidas como mulheres se adequem primeiramente ao biol gico e ent o poder o se casar ter filhos e entrarem no reino Personagem da mitologia grega Procusto era um gigante que instalado no meio de um caminho convidava os viajantes que por l passavam a passarem a noite em sua estalagem em uma cama de ferro e os submetia a deitar se no leito e tentarem se encaixar Se o tamanho do h spede fosse menor que o leito Procusto torturava o esticando o at que tivesse o comprimento do leito caso se tratasse de algu m muito alto com dimens es superiores reduzia o ao tamanho da cama decepando lhe a cabe a ou as pernas que sobravam A simbologia contida nesse mito reflete a sociedade em que vivemos e revela o extremo que se pode chegar a ideologia para tentar dirigir ou ajustar a vida das pessoas ou das sociedades a padr es ou ideais pr estabelecidos Os mitos s o criados pelas culturas para responder s suas ang stias em rela o ao mundo que as circunda Por tr s deles se esconderiam n o apenas caracter sticas imanentes a comportamentos individuais ou grupais mas aspectos compartilhados que se revelam constantes atrav s dos tempos nas mais variadas culturas 277 feminino Se a
157. Psican lise no Hospital Belo Horizonte Revinter 2000 MOYS S M A A institucionaliza o invis vel Crian as que n o aprendem na escola Tese de livre doc ncia em Pediatria Social Faculdade de Ci ncias M dicas Unicamp Campinas 1998 NARDI H et all A Destrui o do Corpo e a emerg ncia do Sujeito A Subjetiva o em Judith Butler In Estados Gerais da Psican lise Segundo Encontro Mundial Rio de Janeiro 2003 N SIO J D Cinco Li es sobre a teoria de Jacques Lacan Rio de Janeiro Jorge Zahar 1993 Como trabalha um psicanalista Trad Lucy Guimar es Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999 O Prazer de ler Freud Rio de Janeiro Jorge Zahar 1999 NOGUEIRA L C O Campo Lacaniano desejo e gozo Revista Psicologia USP vol 10 n 2 S o Paulo 1999 OPPENHEIMER A Le choix du sexe Paris PUF 1980 ORGANIZA O MUNDIAL DE SA DE Classifica o de Transtornos Mentais e de Comportamento CID 10 Descri o Cl nicas e Diretrizes Diagn sticas Porto Alegre Artes M dicas 1993 OV DIO As metamorfoses Cole o Universidade S o Paulo Tecnoprints 1983 PINTO J BRUNS M Viv ncia transexual O corpo desvela seu drama Campinas Ed Atomo 2004 PLAT O O Banquete In Di logos Plat o Cole o Os Pensadores S o Paulo Nova cultura 1991 QUINET A As 4 1 condi es da an lise Rio de Janeiro Jorge Zahar 1991 s Novas Formas de Sintoma na Medicina Trabalho apresent
158. RAMSEY 1994 Benjamin 1966 estabeleceu os par metros para avaliar se as pessoas que chegavam aos hospitais solicitando a cirurgia eram transexuais verdadeiros A universaliza o cumpriu o papel de estabelecer como verdadeira uma nica possibilidade de resolu o para os conflitos entre corpo subjetividade e sexualidade O verdadeiro transexual seria assexuado e sonharia em ter um corpo em oposi o ao de nascimento obtido pela interven o cir rgica que lhe permitiria desfrutar do status social do g nero com o qual se identifica Permitiria ainda exercer a sexualidade com o rg o apropriado embora dissesse que se tratava de pessoas assexuadas Embora as teorias de Money e Tucker 1981 tivessem como foco as cirurgias de defini o de um sexo em hermafroditas suas teses tiveram um peso fundamental na formula o da transexualidade principalmente nas teses da HBIGDA Associa o Internacional Harry Benjamin de Disforia de G nero O conceito de g nero foi aplicado ao hermafroditismo em express es como papel de g nero ou identidade de g nero passando a ser associado transexualidade em 1966 quando o Hospital Johns Hopkins anunciou a forma o de sua Cl nica de Identidade de G nero e a sua primeira cirurgia de mudan a de sexo RAMSEY 1994 p 17 81 Internacional de Disforia de G nero Harry Benjamin legitimou se como a respons vel pela normatiza o do tratamento
159. S J Voc quer o que deseja S o Paulo Ed Best Seller 2003 FRAYZE PEREIRA J O paciente como obra de arte uma quest o te rico cl nica In Herrmann F e Lowenkron T Pesquisando com o m todo psicanal tico S o Paulo Casa do Psic logo 2004 FREIRE COSTA J Homoerotismo a palavra e a coisa IN tica e o Espelho da Cultura Rio de Janeiro Rocco 1994a Os gregos antigos e o prazer homoer tico IN tica e o Espelho da Cultura Rio de Janeiro Rocco 1994b constru o cultural da diferen a entre os sexos IN Sexualidade G nero e Sociedade Ano 2 n 03 junho de 1995 FREITAS M O meu sexo real a origem som tica neurobiol gica e inata da transexualidade Petr polis Vozes 1998 FREUD S Publica es pr psicanal ticas e esbo os in ditos 1892 1899 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 v I p 243 Projeto para uma psicologia cient fica 1895 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 v I Casos cl nicos Katharina 1893 1895 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980e v I p 173 Lembran as Enconbridoras 1899 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980k v I A Interpreta o dos Sonhos 1900 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 v IV V 28
160. Steinach conhecido por ter prescrito horm nio a Freud com objetivo n o divulgado teria tentado assim como Abraham alunos de Hirschfeld o implante de ov rios e algumas vaginoplastias em um homem biol gico Em 65 Tornou se professor de Harry Benjamin 69 1912 Rudolf Dora foi operada clandestinamente e reoperada duas vezes para obter uma apar ncia feminina sendo considerada posteriormente a primeira transexual feminina redefinida At ent o todos esses casos eram classificados como de homossexualidade ou travestilidade Na tese de Alby 1956 Contribuition l tude du transsexualisme encontra se uma indica o de que Harry Benjamin teve a oportunidade de examinar pessoalmente doze pacientes que haviam sofrido uma interven o de mudan a de sexo o mais velho havia sido operado na Alemanha em 1913 sendo mais prov vel que nessa poca eles tenham sido somente castrados Em 1920 Freud 19800 p 147 148 comentou o alcance limitado desses trabalhos os casos de homossexualidade que Steinach teve xito contam com a condi o nem sempre presente de um hermafroditismo f sico absolutamente patente Essas interven es de Steinach passaram a despertar interesse em outras pessoas Kraft Ebing 1965 conta sobre um homem cuja identidade n o foi revelada que ouviu falar da cirurgia da castra o e ofereceu se como cobaia para tentar uma mudan a de sexo O pensamento desse homem era que se a opera
161. TOS SILVA Presidente Secret rio Geral 298 B RESOLU O CFP N 001 99 Estabelece normas de atua o para os psic logos em rela o quest o da Orienta o Sexual O CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA no uso de suas atribui es legais e regimentais CONSIDERANDO que o psic logo um profissional da sa de CONSIDERANDO que na pr tica profissional independentemente da rea em que esteja atuando o psic logo frequentemente interpelado por quest es ligadas sexualidade CONSIDERANDO que a forma como cada um vive sua sexualidade faz parte da identidade do sujeito a qual deve ser compreendida na sua totalidade CONSIDERANDO que a homossexualidade n o constitui doen a nem dist rbio e nem pervers o CONSIDERANDO que h na sociedade uma inquieta o em torno de pr ticas sexuais desviantes da norma estabelecida s cio culturalmente CONSIDERANDO que a Psicologia pode e deve contribuir com seu conhecimento para o esclarecimento sobre as quest es da sexualidade permitindo a supera o de preconceitos e discrimina es RESOLVE Art 1 Os psic logos atuar o segundo os princ pios ticos da profiss o notadamente aqueles que disciplinam a n o discrimina o e a promo o e bem estar das pessoas e da humanidade Art 2 Os psic logos dever o contribuir com seu conhecimento para uma reflex o sobre o preconceito e o desaparecimento de discrimina es e estigmatiza es con
162. VAL RIA DE ARA JO ELIAS PARA AL M DO QUE SE V DAS TRANSEXUALIDADES S SINGULARIDADES NA BUSCA PELA ALTERA O CORPORAL ASSIS 2007 VAL RIA DE ARA JO ELIAS PARA AL M DO QUE SE V DAS TRANSEXUALIDADES S SINGULARIDADES NA BUSCA PELA ALTERA O CORPORAL Disserta o apresentada Faculdade de Ci ncias e Letras de Assis UNESP Universidade Estadual Paulista para a obten o do t tulo de Mestre em Psicologia rea de Conhecimento Psicologia e Sociedade Orientador Dr Fernando Silva Teixeira Filho ASSIS 2007 VAL RIA DE ARA JO ELIAS PARA AL M DO QUE SE V DAS TRANSEXUALIDADES AS SINGULARIDADES NA BUSCA PELA ALTERA O CORPORAL Disserta o apresentada Faculdade de Ci ncias e Letras de Assis UNESP Universidade Estadual Paulista para a obten o do t tulo de Mestre em Psicologia rea de Conhecimento Psicologia e Sociedade Orientador Dr Fernando Silva Teixeira Filho BANCA EXAMINADORA Prof Dr Fernando Silva Teixeira Filho Universidade Estadual Paulista Profa Dra Maria de F tima Ara jo Universidade Estadual Paulista Profa Dra Maria L via Tourinho Moretto Universidade do Estado de S o Paulo Aprovada em Assis 02 de fevereiro de 2007 AGRADECIMENTOS Ao meu marido Walter pelo seu amor e companheirismo ao compartilhar de meus sonhos Aos meus filhos Victor L via e Waltinho pelo amor infinito e por todos os momentos em que puderam compreender a
163. VIC ES ESTRAT GIAS TERAP UTICAS E NORMATIZADORAS N o podemos desconsiderar que os m dicos s o chamados a tomar decis es muito dif ceis e que o fazem com muita seriedade Para isso precisam se pautar em constru es cient ficas que envolvem uma gama de elementos bastante complexos Por m a transexualidade nos faz relembrar o protagonismo outorgado ao saber m dico e jur dico na defini o da verdade velada por tr s dos transtornos de identidade Nesse momento a confiss o do s culo passado substitu da pela escuta cl nica Enquanto um dist rbio ser no hospital que essas pessoas buscar o as solu es para os seus dramas S o considerados documentos oficiais os formulados pela Associa o Internacional de Disforia de G nero Harry Benjamin e os da Sociedade Americana de Psiquiatria E o tratamento mais habitualmente praticado por m as exig ncias para sua aplica o variam de um pa s a outro 82 silenciados pelo medo de n o serem consideradas verdadeiras transexuais O avan o tecnol gico articula se com a emerg ncia desta reivindica o de um lado a oferta da institui o m dica e cultural e de outro uma demanda estruturada por um discurso ditado pela ci ncia que padronizou o esteri tipo universal da transexualidade Se em efeito a oferta da ci ncia suscita a demanda isso implica que a primeira determina a segunda estabelecendo como exig ncia passagem ao ato cir rgico
164. a No s culo XX surge o termo gay que em ingl s quer dizer alegre significando as homossexualidades em um sentido de identidade pol tica e social No Brasil alguns o traduziram para guei abandonando americanismos e o sentido da palavra original que nada diz de nossa realidade 82 Em 1985 o Conselho Federal de Medicina do Brasil desconsiderou o artigo 302 da Classifica o Internacional de Doen as O homossexualismo passou para o c digo 206 9 dentro da categoria de outras circunst ncias psicossociais Somente em 1999 o Conselho Federal de Psicologia posicionou se lan ando a minuta 001 99 ANEXO B proibindo que qualquer psic logo trate um paciente homossexual como doente mental J em 2001 o Estado de S o Paulo sancionou a lei No 10 948 que pune a discrimina o a gays l sbicas travestis e transexuais 76 3 5 A SEXUALIDADE NOS TEMPOS ATUAIS NOVAS FORMAS DE SUBJETIV A O DO SEXO As ltimas d cadas provocaram transforma es enormes na compreens o e na constru o da sexualidade principalmente no Ocidente As novas tecnologias a ind stria do sexo a cultua o do corpo t m transformado concep es tradicionais e o sujeito fruto dessa cultura tem respondido a tudo isso produzindo novas formas de subjetiva o diferentes das encontradas nos s culos anteriores Fala se atualmente de homoparentalidade casamento homossexual transg neros ou ainda termos como crossdressers drags q e
165. a es da correspond ncia entre homem e mulher e de outras formas de express o da sexualidade Isso me fazia pressupor novas formas de subjetiva o do sexo na atualidade ao considerar um cen rio mais amplo analisado tamb m na equipe que fa o parte e que atende pessoas vivendo com hiv e aids No entanto havia uma quest o a mais nessas pessoas ditas transexuais relacionada demanda de altera o corporal por meio de interven es cir rgicas e hormonais a passagem a um ato irrevers vel do qual a psican lise mera expectadora na maioria das vezes Esta era a quest o o que leva um sujeito a demandar altera o corporal em nome de uma adequa o ao seu sentimento de identidade sexual Tal quest o despertou na equipe uma busca por informa es que favorecessem nossa interlocu o pois a composi o desse grupo pautava se em uma Resolu o Anexo A o precis vamos saber o que se esperava de cada profissional j que era exigida a presen a destes A exig ncia pautava se no pressuposto de que cada uma dessas reas ao avaliar um paciente deveria dizer se este era um verdadeiro transexual ou n o pois somente ao verdadeiro estaria indicada a cirurgia No caso de um engano correr amos o risco de sermos processados a exemplo de outros casos Sendo assim era necess rio estudarmos a lei e para tanto solicitamos a presen a de um advogado da institui o que nos orientasse e pel
166. a estrat gias para n o revelar sua identidade N o dava mais para esperar Quando a m e morreu Mara se sentiu culpada pelos problemas que lhe causara decorrentes de sua transexualidade e repetia o quanto ela era importante em sua vida Preferiu voltar para a sua cidade refor ada pelo fato de que a cirurgia demoraria a acontecer Ela sabia que essa interrup o significaria o rein cio na batalha mas n o agiientava mais viver com o pai Ap s alguns anos solicitou nos uma declara o da equipe sobre o seu acompanhamento pois estava tentando um novo tratamento em sua cidade Considera es Finais As coordenadas e significantes que aparecem ao longo do caso pareceram limitados Tratava se de elementos que se repetiam da mesma maneira cada vez nas sess es Ao interrogar a mesma coisa em suas respostas n o havia outras associa es a n o ser que a cirurgia remetia sempre cirurgia mas nada se enla ava em sua hist ria Remetia se sempre a um lugar de sem sa da Minha interven o pautava se em produzir cortes pois n o se tratava de apontar sa das ou convenc la de que haveria outras mas prestar sentido a essa encruzilhada em que se encontrava O pedido de altera o corporal carregava em si a busca por retir la de seu lugar de m nimo em busca de um mais e assim dar consist ncia ao seu fantasma Sua quest o permaneceu fechada do come o ao fim renunciando aos pr prios desejos que se
167. a Rio de Janeiro Imago 1996 KRAFFT EBING R V Psychopatia sexualis 1886 New York Stein and Day 1965 KREISLER L Les Intersexuels avec ambig it g nitale In La psychiatrie de l nfant 13 1 1970 LACAN J A significa o do falo 1958 In Escritos 1966 Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998a O est dio do espelho como formador da fun o do eu 1936 In Escritos 1966 Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998h Fun o e campo da fala e da linguagem 1953 In Escritos Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998 d p 238 324 De uma quest o preliminar a todo tratamento poss vel da psicose 1955 1956 In Escritos 1966 Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998h A dire o do tratamento e os princ pios de seu poder 1958 In Escritos 1966 Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998c p 591 652 significa o do falo 1958 In Escritos 1966 Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998 Do Trieb de Freud e do desejo do psicanalista 1964 In Escritos Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998b ci ncia e a verdade 1965 1966 In Escritos 1966 Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998e O Semin rio Livro 01 Escritos t cnicos de Freud 1954 Rio de Janeiro Jorge Zahar 1975 O Semin rio Livro 02 O eu na teoria de Freud e na t cnica da psican lise 1954 Rio de Janeiro Jorge Zahar 1978 O Semin rio Livro 03 As psicoses 1955 1956 Rio de Janeiro Jorge Zahar 1986 O Semin rio
168. a cl nica interdisciplinar que oferece a cirurgia de transgenitaliza o Sendo a pesquisa em psican lise o m todo que embasou este trabalho destaco sua import ncia utilizando me da vis o de diversos psicanalistas Recorro ainda s id ias de alguns autores sobre o valor da narrativa como forma de apresentar o material cl nico conforme demonstro no segundo cap tulo Ap s considerar alguns aspectos que me levaram a escolher tal m todo apresento meu percurso investigat rio destacando ainda os aspectos ticos envolvidos medida que este trabalho prop e uma renova o e reflex o sobre a cl nica psicanal tica dentro da cena m dica ofere o um outro olhar para o sujeito contempor neo seja no mbito social ou individual diante n o s dos avan os tecnol gicos mas das particularidades de uma cultura generificada e homof bica N o tenho a pretens o de apresentar solu es miraculosas mas possibilitar que sejam vislumbradas sa das mais criativas que nos permitam n o fixar posicionamentos Os pr prios pesquisadores da psican lise mostram o quanto n o h um saber nico j que Freud e Lacan descontru am muitas de suas constru es medida que avan avam em seus estudos No tempo em que esses autores viveram as ditas minorias sexuais n o eram pensadas como s o hoje os militantes GLBTT conseguiram que as homossexualidades n o fossem mais consideradas como doen a e as pessoas transexuais constitu
169. a com duas outras fam lias consiste no entrela amento de tr s an is de tal forma que se um dos tr s se quebra os outros dois s o liberados Comportando tr s an is esse n pode ser generalizado para um n mero indefinido de an is sem perder sua propriedade caracter stica de se desfazer se um deles rompido 98 inconscientes aos dois primeiros Lacan prop e um quarto anel para dar suporte formal ao complexo de dipo que consistiria no entrela amento do Simb lico do Imagin rio do Real ao Nome do Pai A possibilidade de uma supl ncia uma pr tese ou seja que um outro significante venha a preencher a fun o desse quarto elemento al m do Nome do Pai mantendo o n faz com que Lacan suponha como a fun o estrutural de certos sintomas Um outro modo de supl ncia pode consistir por exemplo em que um quinto elemento entrela ando dois outros mantenha quatro an is cujo entrela amento deixaria sem isso livre um deles aqui que Millot 1992 ir propor uma hip tese para a transexualidade como um sintoma que teria a fun o estrutural de uma supl ncia pela qual a psicose seria evitada de maneira an loga que Lacan atribuiu escritura para Joyce A partir desta formaliza o o trajeto transexual poderia se situar do seguinte modo Na aus ncia do quarto elemento ou seja na falta do entrela amento com Nome do Pai o Real o Simb lico e o Imagin rio R S L estariam livres se n o estivessem ligados por
170. a de mudar de sexo nas transexuais concretizaria na realidade o voto de uma integra o na identidade sexual J no transexualista ao contr rio o Falo reconhecido ele permitiu a instaura o da identidade sexual O problema surgiu na etapa seguinte no n vel da sexua o ele n o p de ou n o aceitou alinhar se no que diz respeito ao seu gozo Do lado masculino ou do lado feminino A solu o que inventou para resolver essa impossibilidade ou essa recusa foi se reivindicar ser um outro que ele e se sabe ser em seu corpo e em seu nome e tentar encontrar por essa via a garantia de um gozo que ainda permanece indeterminado Em sua recusa de uma escolha sexuada governada pelo simb lico a transexual se entrega em confian a fragilidade do imagin rio o da apar ncia Incapaz no fundo de assumir a discord ncia que pode existir entre a identidade sexual e a escolha sexuada cujas consegii ncias recusa no que diz respeito ao gozo ela contesta a identidade sexual ao entregar se ao mesmo tempo em confian a ao fundamento de uma identifica o com o grupo com o qual ela partilha a mesma reivindica o no n vel de uma confus o entre o objeto e o Falo que se situar a recusa transexualista que lhe pro be o exerc cio de um gozo determinado e a conduz a ir buscar na identidade sexual a solu o para seus males Tendo rebaixado a sexua o ao n vel da identidade sexual a transexualidade tamb m recusa esta n
171. a ele Minha m e chorou muito quando minha tia disse que achava que eu era travesti e que eu devia fazer programas Ela n o conseguia me defender S chorava muito Ela ficou arrasada Como dif cil as pessoas entenderem o que a transexualidade Elas acham que uma escolha Que eu posso simplesmente escolher ser guei Em seu artigo An lise Termin vel Intermin vel 1980 1937 Freud afirma que o aparelho ps quico n o tolera o desprazer tenta desvi lo a todo custo e se a percep o da realidade acarreta desprazer essa percep o isto a verdade deve ser sacrificada No que se refere aos perigos externos a pessoa pode esconder se durante algum tempo evitando a situa o de perigo at ficar suficientemente forte mais tarde para afastar a amea a alterando ativamente a realidade Mas n o poss vel fugir de si pr prio a fuga n o constitui aux lio contra perigos internos E por essa raz o os mecanismos defensivos do ego est o condenados a falsificar nossa percep o interna e a nos dar somente uma representa o imperfeita e deformada de nosso pr prio Id p 252 O que fica claro aqui o quanto o sujeito faz qualquer coisa para livrar se daquilo que se mostra como um real insuport vel Freud 1980 1938 p 308 explica esse mecanismo Suponhamos que o ego de uma crian a se encontre sob a influ ncia de uma poderosa exig ncia pulsional que est acostumado a satisfazer e assust
172. a est livre de uma constru o imagin ria estando sempre em rela o a uma outra fantasia culturalmente institu da O sexo designaria a unidade entre anatomia identidade e desejo e a superf cie sexuada do corpo emerge como o signo necess rio de uma identidade e um desejo natural izados Poder amos supor que a transexual feminina ao repudiar a homossexualidade tem de deslocar e ocultar esse desejo em favor de outro capaz de consagrar uma heterossexualidade sem suturas Lacan diz que o desejo em oposi o necessidade na dimens o do Simb lico institu do por meio da lei da proibi o do incesto trazendo como consegii ncia o recalcamento do prazer original e da necessidade associados ao corpo materno em prol da institucionaliza o do desejo Esse prazer que assombra o desejo como um prazer inating vel a mem ria do prazer antes da lei que se repete nas fantasias infinitas do desejo Para Butler 2003 p 118 preciso entender esse drama do Simb lico em torno do desejo e da diferen a sexual como uma economia significante aut noma que det m o poder de demarcar e excluir o que pode e o que n o pode ser pensado em termos de inteligibilidade cultural A distin o entre uma origem irrecuper vel em que n o precisava se posicionar subjetivamente em 154 rela o sexua o e um presente perpetuamente deslocado ao manter se preso neste prazer origin rio o sujeito n o medir esfor os para rec
173. a eternamente que a crian a permanecia crian a O adulto mantinha se adulto o velho seguia velho E a morte n o existia Tamanha tristeza e desola o aos seis anos de idade quando descobri que era apenas sonho Indagada sobre o porqu crescer lhe trazia essa sensa o ela ent o associa aos caracteres masculinos do homem adulto pois crian a tudo igual e p los no corpo s o caracter sticas de homem Quando crian a tinha p nico quando pensava em crescer em tornar se adulto o sentimento que vinha era de morte Gostaria de ter sido crian a a vida toda s vezes sentia que ia enlouquecer Considerava esse sentimento de recusar o pr prio corpo enlouquecedor Dizia que antes de me conhecer achava que seu destino era a morte j que n o via sa da para seu problema a cirurgia a salvaria da morte Conta de um dia ter arranhado o corpo todo e ter controlado os seus impulsos de se agredir a ponto de se mutilar Aparece aqui a ang stia da castra o associando sexo com morte ao se deparar com a adolesc ncia que retira o equil brio conquistado na inf ncia cujo crescimento do p nis e aparecimento dos p los vai reeditar as fantasias incestuosas e homossexuais Mais do que parecer uma mulher n o parecer um homem N o importa muito o aparecimento dos seios ou ter uma vagina mas importa sim retirar os p los e o p nis Ser o falo ao inv s de ter o falo Maria corre atr s desse corpo infantil para se manter no
174. a mesma ap s dois anos de pesquisa Pretendia ir para al m do que se v Mas essas pessoas assujeitadas ao saber da ci ncia queriam apenas ser olhadas em um cen rio m dico e meu desejo era de escut las saber o que elas n o sabiam que sabiam sobre si mesmas Como despertar o desejo nelas de falar de serem escutadas Esse foi meu desafio no hospital em uma equipe em que a oferta era a possibilidade da cirurgia de transgenitaliza o Para al m do olhar m dico necess rio e indispens vel um olhar que provocasse o desejo para que olhassem para si mesmas produzindo a sua subjetividade Apostei que isso seria poss vel fiel Psican lise sem esquecer minha fun o e meus limites nem pretendendo nada al m do que promover a fala dentro de um discurso diferente n o mais codificado por um imagin rio social desta concep o que o presente trabalho partiu buscando a compreens o deste fen meno que mostra a sua complexidade para al m das apar ncias Sa da cena anal tica para novamente entrar nela a partir dos casos cl nicos transformados em narrativas de modo a tentar identificar os processos de subjetiva o que possivelmente contribu ram na constru o dessa identidade transexual ao mesmo tempo t o evidente e t o obscura em uma sociedade que por excluir a diferen a tem tamb m uma parcela de contribui o na busca pela altera o corporal 262 Se at aqui estabeleci interlocu
175. a mim mesma Me agrada a d vida que desperto nos homens que me tratam assim como mulher N o a d vida 216 mas o que tenho de feminino embora prefira me vestir unissex Tento estar discreta e at porque me preocupo em n o magoar meus pais Esse lugar que n o era definido nem como homem ou como mulher ela gostava N o se preocupava em ter uma apar ncia definitivamente de mulher Isso n o a incomodava Ent o se mant m em uma apar ncia unissex O que isso significa Na verdade n o me sinto nem homo nem hetero nem trans Unissex sexos unidos Tal qual o seu nome metade de seu pai metade de sua m e Sempre fiquei na barra da saia da minha m e e sempre a acompanhei em todos os lugares As pessoas diziam olha que crian a linda parece uma menina e ningu m dizia essa crian a precisa se vestir como um menino Meu pai n o demonstrava se incomodar com isso na verdade ele mal sa a de casa a n o ser pra trabalhar e hoje nem pra isso Ele est aposentado por invalidez J apelido que seus pais lhe deram e que a metade referente ao nome da m e dizia de uma confus o no reconhecimento de si pelo outro principalmente pelo pai que se apresentava inv lido em sua fun o paterna Seu sentimento de ser uma mulher se deu em refer ncia ao n o se sentir um homem N o se sentia por m uma mulher entendia como se tivesse um outro sexo ou nenhum J
176. a ningu m lhes disse que como em outras culturas h pessoas que se sentem mulheres mesmo com p nis Quais os efeitos desse sil ncio dessa heteronormatividade compuls ria que as obrigou a vir at mim para se operarem e desse modelo bin rio dos sexos nas suas vidas Como elas chegaram a esse pedido de altera o corporal Meu trabalho pautado na psican lise no hospital n o pretende tratar das especificidades deste lugar que ser discutido no segundo cap tulo como um pano de fundo pois fundamenta minha posi o Remeto me aqui ao sujeito desse processo anal tico que n o coincide com a pessoa transexual objetiv vel tal qual ser avaliada pela equipe enquanto uma candidata cirurgia de transgenitaliza o S o fatos da contemporaneidade para os quais n o temos como fechar os olhos e nos levam a repensar nossa cl nica colocando em quest o a maneira limitada com que as pessoas transexuais foram sendo vistas ao longo dos anos pela maioria dos psicanalistas assim como as pessoas homossexuais as primeiras como psic ticas e as segundas como perversas At ent o t nhamos a id ia de que se um ser humano n o aceitasse o real do seu corpo a realidade de seu sexo isso s poderia se tratar de um caso de del rio devendo ser encaixada em uma categoria nosogr fica Entretanto necess rio observar que se muitas vezes as transexuais insistem em reproduzir o discurso de uma certeza de serem mulheres p
177. a objetividade da sequ ncia de acontecimentos o modelo liter rio e hermen utico ao contr rio prop e o relato como met fora e o caso cl nico como constru o Nessa perspectiva a hist ria cl nica uma re descri o uma re narra o da a o cuja hist ria mesma modificada pelo pr prio fato de ser narrada De acordo com esses dois ltimos modelos pode se pensar que a pr pria natureza da experi ncia psicanal tica problematiza a id ia de haver uma nica maneira de narrar um caso cl nico A singularidade do caso nesse sentido n o derivaria de uma trama de acontecimentos e n o seria a vinheta que daria a dimens o cl nica ao escrito mas a l gica discursiva o encadeamento a ordem que arranja os elementos de um tratamento numa estrutura a condi o que faz dele um caso O modo de narrar pode ser revelador do modo de tratar isto da atitude do analista junto ao seu paciente FRAYZE PEREIRA 2004 42 pelos seus pacientes que s o pacientes precisamente por causa da fragilidade dos discursos narrativos apresentados a incoer ncia a inconsist ncia e a falta de for a explanat ria no modo como relatam suas vidas A narrativa contada pelo paciente cheia de lacunas de lapsos de mem ria com contradi es inexplic veis com barreiras de acesso ao material recalcado A sintaxe narrativa deste defeituosa imperfeita e sua ret rica n o convincente Isso faz com que segundo Brooks 1994 o trabalho d
178. a outros em geral Isso nos permite pensar que a cl nica diversa mas sempre pautada por uma mesma tica a do desejo que n o pode ser confundido com o desejo de curar e logicamente que tamb m n o o oposto que seria o de n o curar Mas despido de seu saber e aberto para a escuta do desejo do lado de quem quer ser escutado ser decisivo para que algum lugar transferencial aconte a Sem uma escuta previamente direcionada que se n o for assim direcionar para lugar nenhum A cirurgia os horm nios a medicina ou mesmo a psican lise vai ocupar inicialmente um lugar de ideal cujo objetivo justamente esvazi lo Esse o preparo psicol gico a parada necess ria para pensar sobre as consegii ncias desse ato sobre o depois e sua 37 capacidade para lidar com o inesperado N o se trata portanto de uma prepara o nos moldes de uma fala educativa e de esclarecimento j que esta fun o reservada aos outros profissionais Trata se de avaliar como esse significante transexual e a cirurgia de transgenitaliza o se inscrevem no psiquismo dessas pacientes A imagem a primeira coisa que afeta o sujeito e a preocupa o com a apar ncia e a busca pela altera o corporal diz respeito fachada desejando que possa advir da a possibilidade de constituir se enquanto um sujeito de desejo E por isso que n o h auto an lise Assim como n o deveria haver auto diagn stico e nem auto prescri o M
179. a que o fetichismo a travestilidade e a transexualidade atingem de modo muito predominante os homens como se a natureza tivesse mais dificuldade para diferenciar a identidade do macho que a identidade da f mea o que reifica a naturaliza o Transexual grava clipe em Israel Tribuna do Paran 19 de maio de 1999 15 No cen rio da pol tica neozelandesa Georgina Beyer destacou se como prefeita da cidade de Carterton Na ci ncia temos Lynn Conwell expoente na engenharia da computa o que ao ter seu passado revelado sofreu preconceito e atualmente militante nessa causa 3 Constatam se ainda discuss es pol micas sobre o assunto em projetos sociais pol ticos e religiosos No mundo inteiro assuntos como conjugalidade homossexual homoparentalidade homofobia autoriza o para mudan a de nome cirurgia de mudan a de sexo t m sido motivos de questionamentos discuss es e reivindica es Embora a transexualidade esteja presente em v rios setores da sociedade o ser humano mostra se sujeito s mesmas ciladas inconscientes de uma cultura ainda constru da sobre a alian a heterocentrismo e naturaliza o biol gica da sexualidade justificando a import ncia de produ es cient ficas que possam avan ar nestas quest es O termo transexualidade n o aparece na maioria dos dicion rios da l ngua portuguesa ou seja ainda pouco reconhecido em nosso meio social o que intensifica a id ia de tratar
180. adas na biologia e na psicologia Todos os homens eram iguais mas as mulheres eram mentalmente fr geis infantis e portanto incapazes de exercerem atividades intelectuais cient ficas e pol ticas Dessa forma o corpo biol gico transformou se no fundamento epistemol gico dos preceitos sociais e morais O tero e os ov rios deram mulher o estatuto de m e tornando a oposta ao homem encarregando a pela cria o e educa o dos filhos A localiza o da condi o feminina no tero responde a uma necessidade pol tica de relacionar feminilidade reprodu o maternidade 2 Os seios foram valorizados a exemplo da V nus de Milo Homens e mulheres deviam ter um tipo de prazer sensual de conduta social e de vida emocional adequados natureza biol gica de seus sexos criando se assim a no o de instinto sexual que deveria ser avaliado de acordo com o normal e o patol gico A mulher deixou de ser vista como um homem invertido j que o seu desejo sexual estava na conforma o da normalidade sexual vigente e a invers o passou a se relacionar aos homens que sentiam desejos pelo mesmo sexo o homem invertido Assim foi criada a no o de diferen a entre os sexos e consegiientemente a no o de binarismo de g nero nos moldes do entendimento contempor neo 3 2 2 A Pr tica do Trans vestimento A pr tica do travestimento foi vista de diferentes formas atrav s dos tempos Na Idade M
181. ado no VII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano realizado em S o Paulo 18 20 de abril 1998 e publicado in Rev de Psicoanalisis y Cultura n 8 diciembre 1998 imagem rainha ou a boneca barroca Op o Lacaniana 1994 11 46 51 RAMSEY G Transexuais perguntas e respostas S o Paulo Edi es GLS 1994 291 RASSIAL J O adolescente e o psicanalista Rio de Janeiro Companhia de Freud 1999 RAYMOND J The transsexual empire Beacon Press 1979 REZENDE A A investiga o em Psican lise Exegese Hermen utica e Interpreta o In Silva M E Investiga o e Psican lise Campinas Ed Papirus 1993 p 113 RITO L Muito prazer Roberta Close Rio de Janeiro Rosa dos Tempos 1998 ROUDINESCO E PLON M Dicion rio de Psican lise Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 1998 ROUGHGARDEN J Evolu o do G nero e da Sexualidade Trad Maria Edna Ten rio Nunes Londrina Editora Planta 2005 RUDELIC FERNANDEZ D Linguagem do Caso modelos e modalidades Jornal de Psican lise S o Paulo 35 64 65 57 71 2002 SAADEH A Transtorno de Identidade Sexual Um Estudo Psicopatol gico de Transexualismo Masculino e Feminino Tese de doutorado FMUSP 2004 SAFOUAN M Contribui es psican lise do transexualismo In Estudos sobre o dipo Introdu o a uma teoria do sujeito Rio de Janeiro Jorge Zahar 1979 SAFRA G O uso de material cl nico na pesquisa psicanal tica In Silva M E Inves
182. ado por uma experi ncia que lhe ensina que a continua o dessa satisfa o resultar em um perigo intoler vel O ego deve decidir reconhecer o perigo real ceder lhe passagem e renunciar satisfa o pulsional ou rejeitar a realidade e convencer se de que n o h raz o para ter medo conservando a satisfa o Por um lado com o aux lio de certos mecanismos rejeita a realidade e recusa se a aceitar qualquer proibi o por outro reconhece o perigo da realidade assume o perigo como um sintoma patol gico e tenta desfazer se do medo 187 A recusa do corpo que habita deixa Maria mais pr xima das sa das oferecidas pela medicina na tentativa de aproxim lo de um corpo idealizado Diante da ilus o de adequa o sexual tenta restabelecer sua posi o subjetiva j que se queixa de um espelho que n o reflete a imagem idealizada de si mesma O ideal de eu inst ncia fundada nas identifica es precisa ser restaurado custa de uma interven o no Real do corpo mantendo se o equil brio narc sico e assim evitar as fantasias de desvaloriza o de perda do amor de exclus o derivadas das rela es infantis e do complexo de castra o Os p los e o p nis parecem condensar toda a significa o de um corpo sexuado invadido por fantasias de aniquila o e sem acesso ao lugar de objeto do desejo do qual n o consegue se desligar A poesia Maria gosta muito de escrever contos e poesias Participou de v rios conc
183. ados pela sua m e com quem ela se relacionou ao longo da vida A inven o do corpo feminino tamb m se sustentava imaginariamente para facilitar sua inser o profissional j que sofreu in meras situa es de n o ser aceita por sua condi o amb gua A vida de Iemanj manteve se em suspenso no que ela supunha ser invi vel pela aus ncia da vagina Iemanj manteve se afastada do mundo profissional e sem o direito de escolher um companheiro assim como a de Alice ao acreditar que s ap s a cirurgia encontraria relacionamentos heterossexuais O que Iemanj nos informa o quanto a filia o e os aspectos levantados pela transmiss o simb lica que ela implica s o centrais em sua quest o transexual As palavras de sua m e n o quero mais saber de homem em minha vida e o abandono pelas figuras masculinas pai padrasto av este ltimo expulsou a m e e os filhos de sua casa n o aceitava filha largada de marido foram preponderantes na constru o de seu sentimento de identidade feminina Ela revela o retorno no real da car ncia simb lica dessa filia o que ela vai tentar igualmente operar pela via do real o gesto que supostamente vai liber la desse lugar O lugar ocupado por Iemanj na estrutura familiar era a de quem cuidava dos irm os para que a m e pudesse trabalhar A av era quem verdadeiramente sabia e gostava dela O apego intenso por sua av aquela que sempre soube instintivamente s
184. ais mesmo lugar onde encontrou resposta para seu enigma e sua defini o Ao reivindicar ao Outro da ci ncia a sua sexua o na carne as transexuais femininas necessitam ainda serem re conhecidas pelo Outro da Lei aquele que atestar sim voc mulher e assim a nomear como consegii ncia desse reconhecimento O Nome pr prio traduzido para o feminino cobra o valor de uma descri o simb lica de sua identidade imagin ria na tentativa de produzir o la o social 6 2 A CONSTRU O DO CONCEITO DE IDENTIDADE DE G NERO Segundo os dicion rios de psican lise o reconhecimento do uso desse termo g nero dado a Stoller servindo inicialmente para distingiir o sexo no sentido anat mico da identidade no sentido social ou ps quico Nessa acep o o g nero designa o sentimento social ou ps quico da identidade sexual ROUDINESCO PLON 1998 p 291 O conceito de identidade de g nero visa estabelecer uma distin o entre os dados biol gicos que fazem objetivamente de um indiv duo um homem e uma mulher dos psicol gicos e sociais que o instalam na convic o de ser um homem ou uma mulher 129 CHEMAMA 1995 p 99 O termo passa a ser utilizado principalmente para estudar as formas de diferencia o que o estatuto e a exist ncia da diferen a sexual induzem em uma dada sociedade representando uma identidade moral social e cultural sem rela o com a diferen a biol gica
185. ais racional da alma enquanto a mulher a menos racional portanto emotiva e incontrol vel Uma mulher poderia vir a ser um homem caso tivesse aumentado o seu calor corp reo por m um homem n o poderia ser transformado em mulher j que este era a materializa o da perfei o sexual O imperfeito poderia vir a ser perfeito transformando se a mulher em homem mas o contr rio seria impens vel a n o ser no caso de alguma imperfei o metaf sica que o assemelharia mulher ao desejar um outro homem 3 2 1 2 O Modelo dos Dois Sexos ou Dim rfico As diferen as anat micas e fisiol gicas vis veis entre os sexos n o eram consideradas at que se tornou politicamente importante diferenciar biologicamente mediante o uso do discurso cient fico homens e mulheres Assim ap s o s c XVIII no lugar do isomorfismo foi constru do o dimorfismo sexual aparecendo a divis o entre masculino e feminino Com as formula es te ricas da biologia das sexualidades com as concep es jur dicas sobre o indiv duo e as formas de controle administrativo nos Estados Modernos surgiu a necessidade de criar uma identidade sexual que determinasse a forma de existir jur dica e social Durante a Revolu o Francesa cujo lema era liberdade igualdade e fraternidade os revolucion rios tentaram justificar a desigualdade entre homens e mulheres de modo a torn 58 la compat vel com os seus ideais com justificativas paut
186. al Considera es finais Um sintoma em sua pluralidade comporta diversas significa es Estarei me remetendo aqui especificamente a alguns fatores da transexualidade que aparece em J ferson Duplo de si mesmo sua face se revela como uma m scara que esconde a exist ncia de um outro um outro de si mesmo mas ainda desconhecido De algum modo essa apar ncia confunde e tenta transgredir as fronteiras entre o masculino e o feminino entre o biol gico e o ps quico a loucura e a sanidade Faz comunicar o que est separado isolado escancarando a ambigiiidade que habita o seu ser A entrada em cena de sua identifica o ora masculina ora feminina fala de seu tr nsito de sua trans sexualidade J ferson busca em si algo basicamente diferente mas que ele n o sabe definir bem o que seja mostrando se atormentado por esse tr nsito entre o masculino e o feminino em que n o h nada que cause barreira limite ocasionando um mal estar com o qual n o consegue 210 lidar Mas o lado masculino comumente se sobrep e ao disfarce apontando para o real de seu corpo tenho um corpo muito masculinizado mas que n o assegurado pelo olhar persecut rio paterno que o contradiz mulherzinha A persegui o desse olhar que diz mais sobre ele al m da pele levou J ferson a trancar se no quarto durante muito tempo evitando as cr ticas das quais n o sabia se defender ou que suspeitava n o se segurar ante ao dio que
187. al que podemos operar Aqui se torna importante perguntarmos para que a cirurgia neste ponto que se pode encontrar ou reencontrar o caminho que leva um sujeito a se posicionar como objeto no desejo do outro N o nos cabe enquanto psicanalistas dar respostas ou conselhos mas produzir quest es que levem o sujeito a encontrar suas pr prias respostas poder reinventar a cada dia novos caminhos para o desejo descontruindo os discursos que se mostram alienados 163 ou aprisionados e criando um discurso pr prio que permita uma mudan a de posi o Essa mudan a a passagem de um lugar de objeto assujeitado ao saber e ao desejo do outro Outro pressup e se a exist ncia de um sujeito a quem se destinam as altera es corporais e tamb m os resultados obtidos Isso exige que a paciente se questione se ela mesma a destinat ria dessas modifica es corporais se ela mesma o sujeito desse desejo Freud em Mal estar na civiliza o 1980r 1929 apontava os modernos objetos da tecnologia que associo aos novos fen menos da contemporaneidade como uma expans o dos limites do corpo a ponto de aproximarem o homem de Deus tornando o um Deus de pr tese fazendo surgir na Terra vantagens culturais ao rec m nascido desamparado Em uma correspond ncia imagin ria cada avan o tecnol gico equivaleria a um novo avan o no corpo rumo capacidade onipotente de Deus e aos ideais culturais de acordo com o ju zo gera
188. ala quando o real invade o imagin rio furando a gestalt e por isso gera ang stia em suas fantasias a respeito do que pode acontecer na rela o com o Outro ALBERTI 2004 Trata se aqui do objeto olhar que fura a consist ncia da imagem sendo esta dimens o do olhar invadida pela incid ncia do Real na imagem do corpo Preciso retirar essa coisa porque n o parte de mim discurso que se repete nas narrativas O p nis poderia se supor que o unheimliche o estranho diz Freud 1980z 1919 mas que est ligado ao que heimliche conhecido familiar Nessa tica quando as pacientes dizem que o p nis n o tem valor nenhum ele o tem nem que dito pelo negativo Lacan 1969 se refere ao xtimo para falar deste aspecto de algo que ao mesmo tempo em que ntimo desconhecido sendo da ordem do recalcado de um desamparo e de uma ang stia de morte algo de seu pr prio corpo que ex iste enquanto fora dele mas com ele n o tem intimidade um corpo que n o sendo ntimo xtimo e estranha pois o que v n o coincide com sua imagem corporal ressaltando para n s a instabilidade consistente de toda aliena o imagin ria MORETTO 2006 p 133 Elas estranham e rejeitam porque n o coincide com seu eu est ali isso em oposi o ao Eu elas n o negam percebem a diferen a do que seria um corpo de mulher mas sentem vergonha justamente porque essa imagem que o espelho l
189. alismo definido a partir das posi es de Harry Benjamin Robert Stoller e Catherine Millot e terminam por concluir que A teoria freudiana da libido e do falocentrismo conserva toda a sua validade uma vez que o estudo dos casos de transexuais masculinos parece decorrer de uma vontade indom vel de emascula o de aniquilamento atrav s da qual toda a feminilidade ridicularizada da a fetichiza o nos homens que se transformam em mulheres dos s mbolos mais marcantes da diferen a sexual roupas sapatos espalhafatosos perucas maquiagem exagerada etc Essa cita o revela se um tanto equivocada em seus preceitos te ricos puramente encaixados na interpreta o sem qualquer articula o com o que ocorre na cena contempor nea mostrando ainda a feminilidade transexual como ridicularizada No dicion rio organizado por Chemama 2002 p 99 102 o termo transexualismo encontrado dentro do conceito de identidade sexual onde define como a ilustra o mais bem demonstrativa da dissocia o entre o biol gico e o ps quico Considera importante distinguir de outros casos cl nicos os quais podem confundir remetendo reivindica o cir rgica como a m xima diferencia o do que seria a transexualidade em rela o a outras As refer ncias em sua maioria est o de acordo com a vis o de uma patologia utilizando se do sufixo ismo e referindo se s pessoas transexuais masc
190. am na vida adulta A cirurgia seria uma interven o no Real cujo efeito simb lico seria o apagamento dessa diferen a 177 O que mais se ocultava por tr s da lembran a dessa imagem Uma cadeia significante recalcada e articulada a uma lembran a encobridora que nos levaria ao complexo de castra o Ou a forclus o da significa o f lica Essa parece ser a primeira inscri o do pai em sua lembran a momento que o reconhece enquanto algu m que ocupa um lugar de identifica o que interpretado como em oposi o ao eu ideal do sujeito completado pela imagem da aus ncia do p nis na irm e na m e que a ins gnia do que n o tem valor para ela o que fixa sua sexua o e decide sua convic o de que ele o pai tem o que ela n o quer ter ou o que n o dever s lo oscilando entre o seu eu e seu ideal de eu a irm Nesse momento de insight configurante que Lacan define como est dio do espelho Maria se identifica de maneira alienante no desejo do outro m e configurada na cena em que aparece a irm e o pai e que mostra o modelo do que se apresentar sem cessar durante toda a vida o p nis que rejeita e a vagina que almeja Esta cena se repete no olhar que se volta para as mulheres para o modelo de eu ideal e no desejo de ser o desejo do outro ao ser olhada pelo olhar de outros homens A troca de olhares que a remete para a troca de olhares vivida em rela o m e e no lugar que sup e ter ocupad
191. amb m n o fazia sentido para o que eu acreditava e para o que sabia fazer sem prescindir de uma tica e de um rigor metodol gico Entendi que essa busca pelo conhecimento na literatura na teoria na interlocu o com outros profissionais e reas longe de me especializar teve a fun o de silenciar as minhas quest es S assim eu poderia estar vontade para uma escuta flutuante do inconsciente desses sujeitos Restava ent o descobrir a partir do que eu mais sabia fazer ou seja escutar o que esses sujeitos sabiam acreditando que mais que qualquer especialista eram eles que poderiam me dizer sobre si mesmos A psican lise sendo da ordem do singular s cada sujeito pode falar sobre algo que parte de um universal mas se relaciona com a constru o subjetiva em que s a travessia da an lise d acesso a esse saber Os encontros com essas pessoas me fizeram pensar que clinicamente se elas chegavam at mim apenas para o cumprimento protocolar n o era isso que as faziam ficar E mais ainda talvez nem fosse somente uma quest o de conflito entre sexo biol gico versus g nero e ou identidade sexual tais como os te ricos apresentavam j que isso n o se fazia quest o para elas Nesse caso ent o era necess rio escutar o que elas queriam saber Por que 21 n o eram aceitas pelo que s o Por que a sociedade sem que soubessem ou quisessem saber as levou a pensar que seu corpo era um engano Por que nunc
192. ances do que pode ter sido a constru o subjetiva do sentimento de identidade que culminou na busca pela altera o corporal bem como no deciframento de um sentido que permitiu levantar pontos de conson ncia entre o social e o singular de sua din mica ps quica Nesse sentido vemos desenvolver a rela o entre o que J imagina ser a demanda do Outro ficando n tida a cren a de que para ser aceita e reconhecida pelo Social precisa transformar sua apar ncia 215 O Encaminhamento J uma pessoa jovem rec m formada do sexo masculino mas que se reconhece como transexual feminina tendo sido encaminhada pela diretora de uma pr escola onde fez est gio como professora ao perceber o sofrimento dela em viver uma ambigiiidade que n o lhe permitiu ter namorados ou mesmo uma vida social restringindo se s idas ao col gio Desde as primeiras entrevistas por m deixa claro que pretende mudar se de cidade e que provavelmente teremos pouco tempo de encontro Diante da urg ncia em ser escutada em sua ang stia n o foi uma restri o para que eu a aceitasse no ambulat rio Um primeiro encontro uma imagem Quando conheci J tinha um aspecto naturalmente andr gino com seus tra os delicados cabelos e unhas longas usava roupas muito discretas unissex sem qualquer maquiagem Lembrava a figura de Jesus Cristo segundo algumas pessoas que a viram na sala de espera Comportava se de modo mais pr ximo do feminino
193. ando a consci ncia e explorando o inconsciente o tempo e o espa o Desse modo a hist ria passa a ser atemporal pois permanece no universo do imagin rio A experi ncia cotidiana de J ana de certo modo estrangeira no confronto com o outro fala de um recuo para a intimidade n o por uma aliena o mas por sentir se sem lugar A experi ncia de um sujeito na busca de um espa o vis vel que legitime sua exist ncia denuncia que existem espa os de inclus es e exclus es verdadeiras fronteiras culturais onde em alguns as diferen as se dissipam e os conflitos se apaziguam A viol ncia homof bica talvez seja a express o do eletro choque quando os opostos se encontram descortinando o que a urbaniza o insiste em encobrir tornando se importante repensar as culturas cujo efeito mais significativo ainda a marginaliza o e a exclus o nos espa os urbanos em que as transexuais femininas invis veis exclu das de espa os leg timos de socializa o expressam a marca da falta de modelos sociais alternativos A cidade o retrato que expressa essas diferen as A solid o dessas personagens d o tom da contemporaneidade onde o sujeito necessita cada vez mais se encaixar dentro do que convencional se quiser fazer parte dela A invisibilidade da pessoa que se sente transexual compartilhada por muitos outros e o resultado de uma submiss o dualidade de g nero masculino feminino com sutis formas de resist ncia sobre
194. ando aponta minhas insufici ncias Quest o de J ferson A hist ria familiar e a vers o criada pelo sujeito sobre a experi ncia editada pelos tr s tempos do dipo na inf ncia adquirem na adolesc ncia o estatuto de cobran a de tomada de posi o e tamb m de elei o de objeto sexual Assim as transforma es da puberdade funcionam como o momento l gico da constitui o subjetiva no qual o sujeito se encontra entre o circuito pulsional e o circuito social A partir da escuta anal tica a respeito dessa experi ncia foi poss vel constatar o quanto na adolesc ncia que a transexualidade se imp e enquanto um significante que permite responder aos enigmas da inf ncia reatualizados nas modifica es corporais Quando o sujeito n o mais uma crian a mas ainda n o adulto vivencia um momento de espera de um vir a ser Na contemporaneidade a adolesc ncia torna se presa f cil do imagin rio social j que os avan os tecnol gicos permitem facilitar o rduo trabalho ps quico do sujeito em busca de uma posi o subjetiva masculina ou feminina em que a sexualidade n o mais pode ser perversa polimorfa o momento da segunda identifica o em que a causa agora vai estar em rela o ao outro semelhante pondo prova as identifica es prim rias O corpo torna se um enigma para o sujeito ante as modifica es que surgem independente do desejo e nem mesmo acompanham o amadurecimento ps quico como ficou ev
195. aneca at a boca dele para sentir seus dedinhos sendo tocados por sua boca Beijava me ro ando a testa em minhas m ozinhas Fingia ser um monstro mau a querer me devorar ent o fingia comer meus bracinhos perninhas Eu dava gritinhos agudos que o ensurdecia rindo e tentava escapar Adorava ver sua filhinha espernear no ch o de ci mes Para acalm la colocava a menina em sua outra perna Disputava o conseguindo sempre sua aten o Queria que aquele jogo n o acabasse nunca Um jogo triangular que remete a uma cena ed pica em que sente a irm como a eleita pelo pai e ela Maria a eleita pela m e A rela o familiar Extremamente ligada m e n o se lembra muito do pai na inf ncia pois ele estava sempre viajando Achava a m e linda e pensava que nada mais na vida importava a n o ser seu amor por ela Lembra se de ter pensado que seria bom que o pai morresse produzindo em si o medo de que seu desejo se concretizasse Encadeia a lembran a de que sua forte liga o com a m e se estremeceu quando esta lhe diz que ela o filho que ela mais ama o que se torna intoler vel ante a constata o de que o pai n o representava nada na vida da m e Isso a fez sentir o peso desse sentimento tal qual o p nis que refere como peso insuport vel e afastou se dela transformando seu amor em muita raiva pois achava que n o era justo tamb m com seu irm o Na rela o com a m e ocupa o lugar da irm
196. animal das gl ndulas genitais condi o necess ria para sua reprodu o E sin nima de emascula o priva o da masculinidade 38 Millot 1992 faz essas cita es referenciando as indistintamente a Carcopino J Aspects mystiques de la Rome paienne Paris 1942 Ancillon C Trait des eunugues Graillot H Le culte de Cybelle Rome et dans empire romain Paris 1912 51 Na seita russa dos skoptzy desde o s c XVIII at a Segunda Guerra exigiam a castidade impondo aos seus adeptos a castra o Para eles o corpo e a alma opunham se de forma irredut vel e a alma n o podia assegurar sua salva o a n o ser libertando se do sexo atrav s da castra o Uma declara o de um skoptzy exprime o al vio ap s a castra o quando recebi a pureza senti que me tornei mais leve Lionel Rapaport e outros que os estudaram atribu am a interioriza o dessas exig ncias de sacrif cio ao poder da coer o da consci ncia coletiva e ao apoio que os compensava Havia uma aus ncia de problemas mentais e a castra o era vivida sem conflitos Essa seita se extiguiu ap s o comunismo Lacan 1998f 1964 p 259 diz que a oferenda a Deuses obscuros de um objeto de sacrif cio algo a que poucos sujeitos podem n o sucumbir em uma monstruosa captura e completa o sacrif cio significa que no objeto de nossos desejos tentamos encontrar o testemunho da presen a do desejo desse Outro Millot 1992 p 84
197. ansfer ncia meu instrumento de trabalho S ela d a possibilidade de criar o novo a partir do velho Busquei n o sair do meu campo para opinar naquilo que dizia respeito medicina pois n o visava modificar condutas e sim levar a entender um pouco mais acerca de sua motiva o Se poss vel sair do lugar de objeto da medicina para o de um sujeito que decidisse a sequ ncia que pretendia dar sua hist ria como aconteceu com J ferson Jac Alice J Iemanj Mara e Maria em que cada ser em particular interpretou e enunciou sua experi ncia transexual Essa sa da pelo saber m dico e jur dico exigiu um termo de consentimento que inscreveu cada pessoa na equipe visando a cirurgia mas o consentimento referia se a uma aceita o de algo que era da ordem de uma decis o Talvez por isso que o jur dico n o aceitasse simplesmente a cirurgia porque sabia que se tratava de algo que necessitava de uma condi o ps quica da capacidade para lidar com o depois A garantia tratava se da capacidade da pessoa antecipar psiquicamente algo saber sobre as consegii ncias f sicas e ps quicas dessa decis o O que ela sabia sobre sua escolha o que ela buscava com a altera o corporal E assim responsabilizar se por esse ato A garantia dada pela psican lise referia se a avaliar se o sujeito podia se responsabilizar pelas consequ ncias a partir de uma escuta que o levasse a pensar sobre o depois Era preciso pensar na posi o de c
198. ant m pois citando Soller dado de experi ncia que o sintoma n o conduz an lise a n o ser quando questiona quando o analisando capta este incompreens vel corpo estranho como pr prio e portador de um sentido obscuro que o representa como sujeito desconhecido para si mesmo MORETTO 2002 p 39 Isso se d nas entrevistas preliminares sendo um primeiro momento desse encontro e que na maioria dos atendimentos referidos nesta pesquisa pouco se avan ou para al m disso Por m mesmo que n o tenha se tratado de uma an lise propriamente dita n o h como desconsiderar os efeitos anal ticos proporcionados E o efeito p de ser observado medida que houve um antes e um depois desse encontro O que se esperaria de uma escuta anal tica afinal Conduzir um paciente orientado por um padr o curativo submet lo a um lugar ideal que n o corresponderia com o que prop e a psican lise Para cada parte do corpo que d sinais de fracasso a ci ncia disp e de uma especialidade correspondente Mas fracasso de quem Um ideal de cura para uma pessoa transexual seria lev la a mudar de id ia Aceitar seu corpo Toda cl nica fundada na psican lise foge a este ideal pois o desejo n o perpassa o psicanalista e tomado um a um Freud nunca deixou de nos lembrar que a cada novo caso cl nico apresentado servia apenas para orientar essa an lise em particular e n o poderia ser aplicado nem estendido
199. ante de gozo e seu dever lhe oferecer O que imposto por Deus que Schreber veja a si mesmo como homem e mulher em uma s pessoa consumando o coito consigo mesmo Para Lacan 1998g 1955 56 ao contr rio da hip tese de Freud a psicose em Schreber n o est situada no interior do complexo paterno n o devendo ser interpretada como se fosse a atualiza o do recalque de uma libido homossexual transferida na inf ncia para os parentais masculinos mais imediatos o irm o e o pai Pelo contr rio a psicose nesse caso deve ser pensada como estrutura cl nica singularmente resultante da foraclus o do significante Nome do Pai do campo do Outro significante evocado pelo sujeito por m ausente Tal captura resulta em um eu corp reo imperiosamente exigente n o de castra o segundo Lacan 1998g 1955 56 mas sim de uma emascula o capaz de produzir a transforma o em mulher n o qualquer uma mas A Mulher n o castrada que falta aos homens No del rio schreberiano esta emascula o justifica se pelo compromisso de 95 A e me s ogh Seu pai chamava se Daniel Gottlieb Schereber sendo que em alem o a palavra gott significa Deus aspecto que serviu de an lise para o seu sintoma e sua rela o com o pai e o av 88 transformar se em Mulher para em n pcias com o Outro suposto Deus gerar novos homens viver em beatitude O que diferencia a psicose em Schreber de uma situa o tran
200. ao seu corpo fr gil Sabe que isso mesmo me diz rindo Aos poucos Maria vai percebendo como foi se dando a constru o de seu sentimento de indentidade feminina Fantasias Falou das fantasias er ticas da inf ncia em que adorava fazer sua sunga parecer um biquini e da brincava em seu quarto como se fosse uma menina e estivesse tomando sol de costas Meu primo da mesma idade Primo da mesma idade No seu quarto quarto seu e de seu irm o Penso que talvez n o se tratasse de seu primo Ele me beijava e mordia minhas n degas e eu adorava Gostava como gostou quando seu namorado fez o mesmo com ela no motel Maria se assusta ao perceber que suas rela es atuais remetem aos desejos er ticos infantis ou seja sem o contato com o p nis mas dois meninos S fez isso com meninos da mesma idade que a sua perguntei Mas ela n o soube me dizer uma lacuna em sua lembran a Algo a leva a pensar que houve alguma coisa mas n o tem certeza e parece que s o homens parecidos com ele que ela procura mas loucura diz me N o me lembro de nada noite somente do meu tio pela manh tomando caf em casa e fiquei sabendo que ele havia dormido no mesmo quarto que eu E voc acha que aconteceu algo perguntei lhe e ela me disse n o saber Do que voc n o lembraria insisti e ela contou Eu sempre fantasiei isso Receia que n o seja s fantasia pergu
201. ares Basta que o significante pai exista no discurso da m e de tal forma que a crian a possa entender que o desejo materno se encontra referido a ele Ou seja n o se trata de desconsiderar a import ncia fundamental dessas fun es para a organiza o subjetiva da crian a que inclusive diferentemente dos animais n o viveria sem esses cuidados e sem a presen a de um terceiro que a lan aria para o caminho da alteridade e da dial tica do desejo mas tamb m n o h como mantermos a cren a cartesiana de que existiria um ideal de pai e m e que se transformariam em uma f rmula m gica de fabrica o de sujeitos normais A dimens o simb lica do Pai transcende em muito a conting ncia do homem real Dor 1991 diz que todo terceiro que responder a essa fun o mediante os desejos respectivos da m e e do filho vai instituir por sua incid ncia o alcance legalizado da interdi o do incesto ou seja O significante f lico enquanto simbolizando o objeto da falta desejado pela m e A edifica o do Pai simb lico a partir do Pai real constitui a pr pria din mica que regula o curso da dial tica edipiana e com ela todas as consegii ncias ps quicas que dela dependem O significante Nome do Pai sem d vida um articulador poderoso para que a introdu o na ordem simb lica metaf rica seja poss vel Por m tendo em vista as mudan as nos la os sociais e considerando o que foi dito podemos questionar se seria poss
202. aridades na rela o do sujeito com o pr prio corpo e em sua rela o com o outro e o Outro em suas pluralidades de sentidos A transexualidade o termo que possibilita o compartilhamento da solu o encontrada mas n o necessariamente partilha a origem da complexidade a que ela respondia Enquanto um fen meno manifesta se por meio de uma pessoa que mudou de sexo e que serviu de modelo de identifica o mas tamb m por meio do social na resposta dada demanda Essa defini o que em si mesmo pressup e um autodiagn stico a sa da hormonocir rgica e as decis es jur dicas aliadas aos meios de comunica o encorajam as que ainda n o se decidiram por tal ato A pessoa assim se entrega a uma s rie de identifica es imagin rias entendendo como ideal da salva o a transforma o f sica e jur dica de sua apar ncia para conservarem um lugar na vida social Como a identidade aquela simb lica do nome mas tamb m a mais ligada ao real do sexo estabelecida pelo social a que aparece aos olhos da lei a pessoa a imagem jur dica que delimita seu modo de ser e estar Temos aqui a lei real e a lei simb lica em que a primeira regrada pelo direito e a segunda ao que nos funda enquanto sujeitos falantes O corpo e a identidade mais do que pessoal diz respeito ordem p blica que delimita o sujeito aos olhos do corpo social Diz respeito ent o ao p blico e ao privado e s quest es morais
203. arta de Freud sra N N datada de 09 de abril de 1935 em Correspond ncias de Freud 1873 1939 Gallimard 1967 p 461 Em 1948 desenvolveu a escala Kinsey Entrevistou doze mil homens e oito mil mulheres elaborando uma classifica o da sexualidade de zero a seis 0 Exclusivamente heterossexual 1 Predominantemente heterossexual apenas incidentalmente homossexual 2 Predominantemente heterossexual mais do que eventualmente homossexual 3 Igualmente heterossexual e homossexual 4 Predominantemente homossexual mais do que eventualmente heterossexual 5 Predominantemente homossexual apenas incidentalmente heterossexual 6 Exclusivamente homossexual 75 sexuais mostrando que tend ncias homo heterossexuais existiam na maioria dos seres humanos Em 1970 ele refor ou os relat rios com novas pesquisas insistindo na diversidade das homossexualidades Para ele n o havia pessoa homossexual e sim atos homossexuais CASTEL 2001 Aqui a transexualidade separou se da homossexualidade n o cabendo teoricamente nessas atribui es as pessoas que tivessem a alma feminina em um corpo masculino ou o inverso N o se tratava mais de discutir sobre a universalidade da homossexualidade mas sobre o imperialismo da heterossexualidade como padr o de normalidade Era o come o das reivindica es gays As feministas l sbicas falam em 1976 da heterossexualidade obrigat ria e em 1979 de heterocentrismo Aum
204. as deusa em uma cerim nia na qual ap s dan as fren ticas e embriaguez anestesiavam se e automutilavam se consagrando o ingresso no servi o da deusa que simbolizava um novo nascimento Elas eram tamb m chamadas de eunucos MILLOT 1992 Freud 1980n 1913 p 181 valeu se do mito de Cibele a deusa respons vel pela automutila o de seu filho e amante tis para inventar o complexo de castra o no qual a amea a de corte externa ao sujeito Como diz Lacan 1998f 1964 p 224 a experi ncia da castra o em Freud gira em torno da refer ncia do real Ele tamb m interpretou a castra o na origem m tica mas caminhou para a vertente do sacrif cio a libra de carne que devemos ao Outro Embora conste no Evangelho existem eunucos que assim nascem do ventre de suas m es e existem aqueles que assim se tornaram para o reino dos C us o culto de Cibele foi punido pelos romanos e vencido pela influ ncia do cristianismo Castram se por v cio cuja cura s poderia acontecer por meio da religi o Or genes levou ao p da letra o que Jesus disse Se um dos teus membros te escandaliza arranca o e a seita dos valesianos s c HI na Ar bia acreditava que a nica via de salva o consistia na supress o do instrumento do pecado Castrar para o dicion rio uma palavra derivada do latim castratio criada no fim do s culo XIV para designar a opera o pela qual se priva um
205. as at o momento tendo sido mais fregiiente as cirurgias corretivas para interven es cir rgicas mal feitas realizadas normalmente em cl nicas que as realizaram clandestinamente sem pautar se no CFM Nesses casos n o havia exig ncias de submeter se ao acompanhamento da equipe por dois anos Ap s a cirurgia as transexuais foram encaminhadas ao Col gio de Aplica o vinculado Faculdade de Direito da UEL no qual se iniciou o processo para o reconhecimento legal de seu novo sexo biol gico que inclui retifica o do nome nos Embora esse trabalho n o seja divulgado na comunidade por se tratar de uma comiss o de estudos as transexuais acabam difundindo entre si fazendo com que haja uma busca constante 45 documentos com base nos relat rios encaminhados pela equipe que as acompanhou Nas a es judiciais o pedido que al m do nome o juiz autorize a troca do termo masculino por feminino As participantes desta pesquisa eram do sexo biol gico masculino que se definiram como transexuais femininas e buscaram na institui o a cirurgia de transgenitaliza o Utilizei uma amostra de sete pacientes que autorizaram a sua participa o nesta pesquisa tamb m apreciada e aprovada pelo Comit de tica em Pesquisa Embora tenha atendido um n mero maior de pacientes 20 com essa problem tica privilegiei na escolha dos casos os que a meu ver apresentavam dados relevantes para o prop sito d
206. as e a opera o n o for entendida como nico tratamento para algo incur vel as cirurgias possam se tornar menos necess rias como j vem acontecendo na Europa 261 9 O MOMENTO DE CONCLUIR chegada a hora de concluir este percurso Pretendi buscar respostas que me permitissem avan ar nas reflex es acerca dos interrogantes que a cl nica com pessoas subjetivamente identificadas como pertencentes ao sexo feminino despeito de sua anatomia masculina mobilizaram em mim ao ser convocada a me posicionar Mais especificamente sobre os sentidos enquanto significa o e dire o da altera o corporal em particular a cirurgia de transgenitaliza o Algo que dissesse al m da universalidade do fen meno e nos remetesse s singularidades de cada sujeito em sua busca pela altera o corporal o que s poderia ser feito a partir de uma escuta cl nica N o posso deixar de salientar o quanto foi prazerozo caminhar para al m das teorias propostas pela psicologia e pela psican lise que muitas me pareceram t o est reis para me auxiliar na reflex o sobre este tema Viajar pela mitologia pelo tempo para pocas onde minha aten o nunca havia antes despertado dirigir meu olhar para outros espa os n o s geogr ficos mas tamb m de saberes al m do Ocidente mais do que produzir encantamentos devo admitir que imp s em mim de forma surpreendente a necessidade de rever conceitos e n o sou mais
207. as experi ncias sexuais e do quanto se percebia sens vel 138 A partir de sua solicita o passo a cham lo de J ssica 207 e carinhosa Fazem sexo oral e anal a fim de evitar uma gravidez paradoxalmente ao discurso da namorada de que desejava ser m e e da aus ncia de interesse em utilizar o p nis A mulher quer ser m e mas n o pode fazer sexo vaginal para evitar filhos E por que n o a camisinha Vai aparecendo ent o a incoer ncia nas a es de J ferson e Mariana Demonstra preocupa o com as altera es corporais n o tem ere o e n o sente nada apesar de conhecer os efeitos hormonais Estranha tamb m o fato de n o gozar Talvez seja resultado dos horm nios questiono Responde que n o pois se masturba N o goza na rela o sexual com mulher mas consegue quando se masturba Isso passa a ser quest o para J ferson Quando se depara com a contradi o entre sentir se mulher buscar cada vez mais se aparentar com uma e pretender usar o p nis na rela o argumenta que O p nis funciona como um brinquedo um artefato a mais nas nossas brincadeiras er ticas As l sbicas fazem isso com um de borracha Usa o p nis como um artefato e faz sexo anal por conveni ncia ela n o pode engravidar apesar de seu pedido de cirurgia de transgenitaliza o A masturba o de algum modo se associava a uma fantasia bissexual em que imaginava seu p
208. as lembran as de significantes associados sua poss vel transexualidade da qual quem se nomeia dessa forma o pr prio filho v o aparecendo A m e lembra se das vezes em que assistiu com o filho programas na tv com conte dos de homossexualidade mas que fingiu n o perceber embora ouvisse das filhas que as tentativas de feminiliza o de J ferson aconteciam no sil ncio de seu quarto O pai disse que n o havia percebido as transforma es do filho unhas sobrancelhas cabelo maquiagem refletindo sua dificuldade em falar do que percebia mas que era denunciado nos momentos em que visava atingir o filho perverso bicha est dando pra algum homem dados que o paciente e sua m e trouxeram em forma de queixa mas dos quais o pai n o se referiu Ao presenciar roupas femininas no quarto do filho entendeu que fosse de alguma mulher com quem o filho tivesse ficado at mesmo quando o viu dormindo de calcinha Os pais enfatizaram n o acreditarem na hip tese de um surto psic tico j que ele foi acompanhado durante muito tempo pela psiquiatria sem que o profissional pudesse identificar qualquer sinal de psicose nem da transexualidade mostrando se com excelente capacidade de racioc nio bom contato com a realidade e sem presen a de confus o ou del rios Para o pai sua hip tese para a transexualidade do filho era a aus ncia de Deus Se a verdade para esse sintoma era a falta de Deus da q
209. as reafirmo aqui o que disse na introdu o acredito sim que o paciente que deve autorizar se a alterar seu corpo Isso deve acontecer nem antecipadamente nem a posteriori ap s dois anos exigidos mas no pr prio cerne do processo anal tico medida que a pessoa encontre sua posi o frente ao que suscitou sua demanda transformando a sua rela o com seu gozo Que seja uma solu o aos impasses de seu desejo mas nem por isso se aliene na prescri o que justificou sua busca no hospital A resposta de Freud carta de uma m e americana em 1935 a ao pedir lhe conselhos sobre o filho embora nem se arriscasse a dizer sobre sua homossexualidade serviria para repensar o lugar do analista ou de quem se proponha a escutar essas pessoas diante da demanda m dica de diagn stico da verdadeira transexualidade Creio por sua carta que seu filho homossexual a homossexualidade n o um v cio n o uma doen a a senhora quer saber suponho se posso abolir a homossexualidade de seu filho e fazer a heterossexualidade normal tomar seu lugar De um modo geral n o podemos prometer isso Num certo n mero de casos n s conseguimos desenvolver os germes inibidores de tend ncias heterossexuais que est o presentes em todo o homossexual na maioria dos casos isto n o poss vel O que a an lise pode fazer por seu filho outra coisa Se ele infeliz neur tico lacerado por conflitos inibido em sua vida s
210. ata do bosque JTraduzir mahu por homossexual arriscado porque inclusive nas sociedades mais permissivas de nossos dias acompanha a no o de homossexualidade uma sombra de preconceito e discrimina o o pressuposto de um tipo de marginalidade de anomalia Nada disso existia entre os polin sios antes que a Europa crist fosse injetar uma carga de mal cia e censura sobre uma institui o que at a chegada dos europeus tinha pleno direito de cidadania e era universalmente respeitada e admitida como uma variante leg tima da diversidade humana A extraordin ria liberdade sexual dos maoris das ilhas objeto de incont veis estudos desde que as primeiras naus europ ias irromperam nessas ilhas de beleza paradis aca Mas durante muito tempo viu se naquela liberdade uma manifesta o de primitivismo pag o S agora que a sociedade ocidental vai avan ando pouco a pouco at admitir em rela o ao sexo uma liberdade e toler ncia compar vel s das culturas polin sias percebemos como eram civilizadas e l cidas as pequenas comunidades maoris do Pac fico quando o poderoso Ocidente ainda estava mergulhado na selvageria do preconceito e da intoler ncia O mahu pode praticar a homossexualidade ou ser virgem como uma mo a que fez voto de castidade O que o define n o como nem com quem ele faz amor mas o fato de tendo nascido com os rg os sexuais do homem adotar a feminilidade geralmente desde a inf ncia
211. atrav s do outro que constru mos nossa pr pria identidade N o h eu sem o Outro A m e o espelho real em que a crian a se precipita para poder se constituir atrav s desse v nculo que a crian a vai construindo seu pr prio corpo que no in cio sentido 111 como despeda ado o outro ent o que ir sustentar essa imagem que autoriza esse reconhecimento da imagem com a proje o de seu corpo LE O 1990 Para Lacan 1998h 1936 o est dio do espelho a matriz formadora da no o do 112 2 113 a e u Em um primeiro tempo a crian a rec m nascida o infans n o consegue diferenciar e seu corpo e o de sua m e nem o mundo externo de si mesmo estando em uma rela o fusional com o corpo da m e Nas primeiras etapas do desenvolvimento a crian a se nutre do inconsciente da m e e se conforma ao modo que ela o olha atrav s da rela o com a m e que o indiv duo vai constituindo o narcisismo origin rio a sua majestade o beb Esse o engano necess rio pois dar esse lugar imagin rio uma forma enganosa por m amorosa de nome lo para que ele possa ir se identificando com esse lugar de m xima valoriza o narc sica constituindo se o narcisismo prim rio o amor de si Na posi o de desejo da m e a crian a se v impossibilitada de perceber a falta j que est como que acoplada ao seu objeto Dessa forma n o h desejo pr prio marca pessoal inscri o de sujeit
212. atualidade a interven o praticada em Jorgensen em 1952 tornando se o caso princeps para a s ndrome transexual 4 1 O SURGIMENTO DAS TRANSEXUALIDADES George Jorgensen um jovem de 24 anos ex soldado americano insatisfeito com o seu corpo masculino ao sentir se uma mulher encontra um m dico na Dinamarca que se comove com seu sofrimento e tenta dar um destino para ele Christian Hamburger foi o endocrinologista que o apoiou e prop s testar sua teoria tratando o com horm nios para feminiliza o da apar ncia Em seguida George foi encaminhado a um psiquiatra e um cirurgi o para a realiza o de uma modifica o anat mica radical que completasse a feminiza o desejada a amputa o do p nis e dos test culos FRIGNET 2002 George passou a ser Christine em homenagem a seu criador e voltou aos EUA para revelar aos olhares da Am rica sua metamorfose liberando se de seu sentimento de inadequa o sexual Harry Benjamin interessado por esse fen meno concluiu o processo de altera o corporal e em 1954 nos EUA realizou a vaginoplastia Hamburger preferiu manter se em sil ncio diante da repercuss o inesperada de seu ato mas Benjamin passou a estudar o caso como uma entidade particular diferenciando a das travestis e dos homossexuais bem como das psicoses e das pervers es Em 1996 Benjamin publicou Transsexual Phenomenon e assim apresenta a transexualidade As for as da natureza n o sabem nada deste
213. avam dos direitos enquanto cidad os logo do direito ao prazer sexual incluso nesse rito de passagem do jovem em dire o ao mundo adulto e em outras pr ticas sexuais A mulher n o sendo cidad tinha a fun o de procriar Aquelas que se davam ao prazer eram estigmatizadas 3 2 4 A Influ ncia do Pensamento Crist o na Problematiza o Sexual Entre Prazer e Pecado Entre o fim do s c VI e o come o do IX a literatura moral crist criou os manuais penitenciais tendo como maior ofensa as pr ticas sexuais tais como o adult rio incesto masturba o fela o sexo anal As penit ncias eram graduadas conforme a idade posi o e m todo de sedu o Nessa poca a tica sexual orientava para uma sexualidade com fins de reprodu o sem todavia romper com a possibilidade de pr ticas homoer ticas pois a oposi o estava entre a atividade e a passividade A Igreja exercia uma influ ncia limitada sobre as pessoas e a lei civil n o come ara a regular t o fortemente a moralidade sexual Foi somente no s culo XII que se come ou a produzir a legisla o que proibia as pr ticas er ticas com pessoas do mesmo sexo Buchard bispo de Worms classificou os atos 61 homoer ticos como um tipo de fornica o e em 1102 o Conselho de Londres determinou que a sodomia deveria ser confessada como um pecado Tal determina o demorou a ser aceita pois esta era uma pr tica p blica ainda comum entre os reis e n o hav
214. avan a na conceitua o nesta rela o entre necessidade e puls o para propor uma desnaturaliza o da puls o situando a entre o ps quico e o som tico portanto na superf cie do corpo que ser o figuradas as zonas er genas A originalidade de Lacan consiste em abrir as zonas er genas oral anal de maneira a caracteriz la como estrutura de borda KAUFMANN 1996 p 441 No ser humano dado que furado o interior se comunica com o exterior de modo que n o existiria um dentro e um fora mas algo que faz limite em sua rela o com o outro Lacan 1978 1954 p 102 utiliza a met fora do corpo humano tomado como m quina que ele considera que da que vemos manifestar um para al m da refer ncia inter humana o para al m simb lico relacionando no o de energia com a qual Freud 141 trabalhou em sua obra O fato de existir um corpo real anat mico n o fez Freud prescindir da linguagem ao observar os sintomas corporais A partir de Freud se acha o verdadeiro eixo da realiza o do ser humano Ele enfatiza ainda que a percep o antes de tudo uma rela o a percep o uma rela o total com um determinado quadro onde o homem sempre se reconhece em algum canto e por vezes se v at mesmo em diversos pontos Se o quadro da rela o com o mundo n o se acha desrealizado pelo sujeito por comportar elementos que representam imagens diversificadas d
215. blemas de G nero Feminismo e subvers o da identidade Rio de Janeiro Civiliza o Brasileira 2003 CALLIGARIS C Introdu o a uma cl nica diferencial das psicoses Porto Alegre Artes M dicas 1989 CASTA EDA M Comprende l homosexualit Des cl s des consils pour homosexuels leurs familes leurs th rapeutes Paris Robert Laffont 1999 CASTEL P H Algumas reflex es para estabelecer a cronologia do fen meno Transexual 1910 1995 In Revista Brasileira de Hist ria S o Paulo v 21 n 41 2001 La M tamorphose Impensable Essai sur le transsexualisme et l identit personnelle Paris Gallimard 2003 CECCARELLI P R Le Transexualisme nature ou contre nature Topique 55 1994 Mal estar na Identifica o In Boletim de Novidades S o Paulo Livraria Pulsional 1997 P 37 46 281 Os Destinos do Corpo In Psicossoma II S o Paulo Casa do Psic logo 1998 Neo sexualidade e Sobreviv ncia Ps quica In Psych ano II Univ S o Marcos S o Paulo 61 69 1998 Constru o da Masculinidade In Revista Percurso n 19 S o Paulo Sedes Sapientiae 1998 Org Diferen as Sexuais S o Paulo Ed Escuta 1999 Configura es Ed picas da Contemporaneidade Reflex es sobre as novas formas de filia o In Pulsional Revista de Psican lise S o Paulo ano XV 161 88 98 set 2002 Preso em corpo n o reconhecido como pr prio Transexualismo Ambigiiidade e conflitos de ide
216. bonecas rosa flor rosa tudo que a deixaria pr xima do que simboliza um feminino ainda infantil E continua Meu homem sairia cedinho para trabalhar e eu ficaria a fazer os servi os dom sticos Mas ao entardecer esperava o com um jantar delicioso e prepararia um relaxante banho quente recebendo o com muito carinho e compreens o depois de um dia exaustivo de trabalho Acalmaria sua brutalidade e viol ncia t o pr pria dos homens com carinho e do ura t o pr prias da alma feminina O que sempre lhe chamava a aten o era saber que o homem t o forte s vezes violento bruto e grosseiro transformava se em gentilezas cavalheirismo e educa o diante de uma mulher As p talas da rosa a transformar os espinhos afiados e machucadores em seus escudos protetores tal como sua poesia que apresento na p gina adiante Fala de um tio que era assim mach o forte e belo Mulher era mulher homem era homem Tratava os com distin o Mas Maria era exce o Ela adorava cumpriment lo para senti lo beijar seu rosto com a aspereza de sua barba Dava gritinhos arrepiadinhos Ele ria dizendo que era sua barba a lhe espetar e ela ent o sorria n o escondendo que gostava daquilo Maria conta cenas de sedu o e os gritinhos remetem na a cenas talvez presenciadas da rela o sexual entre pai e m e que ela sup e ser poss vel ter acontecido mas que n o tem certeza diz que sente que aconteceram coisas mas que est
217. c es de Freud paia seda E O LSD ES Gan 3 4 2 A Diferencia o das Diversidades Sexuais rrereeeenaa 3 5 AS SEXUALIDADES NOS TEMPOS ATUAIS NOVAS FORMAS DE SUBJETIVA O DO A INVEN O DAS TRANS SEXUALIDADES cceeeneeseneneerenseneesenseeasers 4 1 O SURGIMENTO DAS TRANSEXUALIDADES ccceeeeeeeeeereeeeeererereeerereeeaeereeaanos 4 2 AS TRANSEXUALIDADES NO DISCURSO PSIQUI TRICO ccieeeeeeeeeeeeeereereeaeees 4 3 TRANSEXUALIDADE TECNOLOGIA M DICA E CONVIC ES ESTRAT GIAS TERAP UTICAS E NORMATIZADORAS yisssevisatesimnon dante rar esniaseca dos ieiead ceia sai sn da dia eoradavetada 4 4 A DIFUS O DOS AVAN OS BIOTECNOL GICOS E SEUS EFEITOS CONTRIBUI ES PSICANAL TICAS PARA UMA COMPREENS O CL NICA DAS TRANSEXUALIDADES O QUE J SABIDO 5 1 No QUE A PSICAN LISE CONTRIBUIU PARA A APREENS O DAS ERANSERUALIDADES mosto ire aara a a a ET Lion ATA ais amb aa TS as dada 5 2 A DEFINI O SEGUNDO O DICION RIO DE PSICAN LISE cccciseeeeeeeeeeeererms 59 60 60 61 62 63 65 66 66 70 70 13 13 T11 78 80 81 83 83 10 5 3 A CONTRIBUI O DE FREUD ssseesesssseseoeeeesersososereesessssoseoeessssssoseoeeeesessososeeeeses 85 5 4 A TRANSEXUALIDADE EM SCHREBER jr aseecnstgoo ccssesenao fcoicedan ideais poda ana roi ein idea 85 5 5 A TRANSEXUALIDADE STOLLERIANA esnabsiieasbi pacas Senado Guia red ses
218. ce no homem e citando Person e Oversey constatou que a feminilidade em meninos pode ser encontrada no primeiro ano de idade e a masculinidade nas meninas dificilmente observada antes dos tr s anos de idade Para esse autor a transexual n o contesta a diferen a entre os sexos ela a acata em sua formalidade exterior em seu aspecto de conven o mas recusa a identificar se com o que lhe apresenta os contornos anat micos A travesti sabe do que lhe imp e a realidade reconhece a mas recusa a fazendo seu desejo conduzi la burla dos limites da castra o Para este autor a travesti nada al m do que Freud descreveu como pervers o caberia como enquadre nosogr fico j a transexualidade aponta para algo bem mais dr stico uma solu o radical existe a um p nis ou uma aberra o anat mica que n o me cabe integrar como fazendo parte de mim extirpem na e eu aparecerei como aquilo que sou psic tico GARCIA 2002 p 96 10 Apontados na introdu o deste trabalho 105 O jornalista Arnaldo Jabor 1992 em um de seus artigos assim descreve uma travesti O travesti n o quer ser mulher Ele quer muito mais O travestimento um desejo do homem que numa cascata para cima de insatisfa es sucessivas vai recompondo as possibilidades de um buraco vazio Ele n o deseja a identidade ele quer a ambigiidade Ele surge no mundo urbano brasileiro com a p s modernidade perdoem a palavra Que oferec
219. cia que me vem desde que me lembro de ser um eu tem me acompanhado sempre mudando um pouco o tipo de m sica com que me encanta mas n o alterando nunca a sua maneira de encantar Fernando Pessoa A Identidade Sexual um processo complexo que permite ao sujeito no real experimentar se sem ambigiiidade homem ou mulher Ela tira sua origem da alteridade que rege a organiza o sexuada da esp cie humana e que no real o que permite a reprodu o da 110 esp cie e decorre tamb m da maneira como o ser humano introduzido na ordem simb lica pela linguagem A possibilidade de um sujeito se situar como homem ou como mulher est diretamente ligada simboliza o da lei e da castra o A problem tica da identidade dependeria ent o da rela o que cada um mant m com o problema da atribui o f lica Por essa via que Lacan ir considerar que a falta do significante Nome do pai pode engendrar perturba es ao n vel da identidade sexual A cl nica com transexuais permite nos concluir que a identidade sexual permanece dependente dos efeitos do inconsciente em detrimento ao sexo anat mico Segundo Dor 1991 se a assun o de nossa identidade sexual enquanto sujeito falante est fundamentalmente sujeita fun o f lica devemos nos curvar evid ncia do car ter necessariamente secund rio da especifica o anat mica dos sexos na seguran a que temos de nos sentir mulher ou homem de acordo com o caso mas uma s
220. cial com a m e em que a crian a no est dio do espelho toma o pr prio corpo como objeto de amor Reconhece se como uma imagem completa destacada do outro mas ainda dependente de um olhar e de ser investida libidinalmente por esse outro Algo que ela sentia insuficiente Queria ser mais que um corpo bem cuidado queria brincar ou seja ser reconhecida como um sujeito de desejo para al m de um corpo r seo e clarinho e algu m que a retirasse desse lugar um terceiro de pele diferente que a separasse dessa rela o O que poderemos observar no percurso de Maria daqui para frente a reedi o desses caminhos promovidos pela incid ncia de um Outro em busca dessa satisfa o inalcan vel A imagem refletida no espelho produz efeito de estrutura ao ser reconhecida como um segundo corpo e n o mais em simbiose com o corpo da m e a provedora das inscri es que ir o formar o corpo imagin rio A sujei o a esse olhar ser vista como um corpo n o bastava era necess rio a instaura o de algo mais baseado em um desejo Esse corpo infantil colocado como o desejo do desejo do outro ao separar se do corpo materno passa a ser significado como o falo que completa a m e Lugar imagin rio e onipotente enquanto representa o do falo marcado por sua rela o com a m e provedora das representa es f licas e que a tomou como objeto de seu desejo fazendo a acreditar ser o falo materno Na aus ncia desse terceiro da qual Maria se queixa
221. cial de escuta Parecia tratar se de uma passagem ao ato apoiada em um fantasma constru do a partir das cenas traum ticas violentas de sua inf ncia em rela o ao pai Durante o tratamento formulo outra hip tese diagn stica psicose desvelada por um gozo excessivo colocando um Outro como sem furo e sem borda efeito da opera o de separa o que n o se fez al m de revelar as vicissitudes de um corpo sem limites submetido s fantasias destrutivas J ferson se desorganiza frente emerg ncia de um real arrebatador surgido a partir de uma fantasia de abandono rejei o da mulher que possa preferir o marido e revive a cena ed pica em que h uma identifica o e se volta para um desejo de que n o haja um terceiro que atrapalhe a rela o O impulso destrutivo aparece como sendo a mulher e n o o terceiro que impede a rela o Talvez a mesma raiva que sentia da m e quando esta reclamava da viol ncia do marido mas n o fazia nada para modificar tal situa o colocando o como a barra pesada entre eles Apresentava um eu feminino em busca de um desaprisionamento de seu corpo masculino e ao encontrar Mariana J ferson revela que havia n o somente um medo que o levava a buscar o apagamento do seu lado masculino mas tamb m uma identifica o com o buraco vazio deixado pela fun o paterna O que a foraclus o nos indica que a aboli o n o do pai mas do lugar que ele teria que ocupar o que faz com que
222. ciou se a partir de experi ncias de outras pessoas que assim se identificavam servindo como um marco esse reconhecimento em suas vidas um antes e um depois Um antes recheado de d vidas de enclausuramento de fantasias de sentimenos de solid o ao imaginarem ser a nica sobrevivente em um mundo cruel em que n o se encaixam Ao buscarem um saber sobre si inicialmente no Outro da ci ncia que elas encontram a decifra o de seu enigma Esse saber na linguagem da medicina n o tem cura mas tem tratamento Como aponta Moretto 2006 exatamente a n o autonomia do eu que nunca est sozinho que em sua inconsist ncia ancora se na aliena o imagin ria ao outro que lhe d consist ncia para saber sobre ele O depois se refere a quando se deparam com o diagn stico de transexualismo ou transtorno de identidade no qual a figura do m dico serviria apenas para confirmar o que j escutaram de colegas ou da m dia vindo tiracolo a solu o m gica interven es hormono cir rgicas para alterarem o corpo retirando o peda o de carne que n o reconhecem ou n o querem reconhecer como delas A busca pela altera o corporal reflete uma tentativa de fabricar um corpo que possibilite a sensa o de pertencimento e reconhecimento dentro de uma est tica pr xima sua posi o subjetiva no que entende que seja o feminino Tornar se socialmente aceita parece ser reproduzindo os prot tip
223. co Esses sentimentos faziam com que sua inten o de realizar a cirurgia se fortalecesse ao perceb la como sa da para livrar se dos impasses em suas rela es amorosas A interrup o do tratamento Quando Maria concluiu sua faculdade se sentiu pressionada principalmente pela m e j que o pai n o falava nada a voltar para sua cidade pois n o teria mais raz o para que os pais a mantivessem financeiramente em outra cidade N o conseguiu convencer a m e de que seria importante continuar seu tratamento a cidade dos pais muito distante diferente da cidade em que morava que era mais pr xima daqui impossibilitando a continuidade dos encontros semanais Concordava com a m e que naquele momento precisaria conquistar sua independ ncia financeira e sempre ouviu dela que seria muito mais f cil conseguir emprego como homossexual pois como travesti as pessoas n o a aceitariam deixando a insegura o que a levara a concordar em parte com a m e Pelo que Maria trazia de seu relacionamento familiar parecia que para sua m e era dif cil deparar se com o filho que imaginariamente estava perdido e a tentativa era que ele permanecesse mais pr ximo do idealizado O distanciamento dos pais refletia possivelmente a impossibilidade de elaborar o luto pelo filho ideal e de aceitar o filho real que insistia em n o corresponder a este Diante da emerg ncia de um emprego Maria pensou que n o poderia perder a chance mesmo
224. co de transgenitalismo Maior de 21 vinte e um anos Aus ncia de caracter sticas f sicas inapropriadas para a cirurgia Art 5 Que as cirurgias para adequa o do fen tipo feminino para masculino s poder o ser praticadas em hospitais universit rios ou hospitais p blicos adequados para a pesquisa Art 6 Que as cirurgias para adequa o do fen tipo masculino para feminino poder o ser praticadas em hospitais p blicos ou privadas independentes da atividade de pesquisa Par grafo 1 O Corpo Cl nico destes hospitais registrado no Conselho Regional de Medicina deve ter em sua constitui o os profissionais previstos na equipe citada no artigo 4 aos quais caber o diagn stico e a indica o terap utica Par grafo 2 As equipes devem ser previstas no regimento interno dos hospitais inclusive contando com chefe obedecendo aos crit rios regimentais para a ocupa o do cargo Par grafo 3 A qualquer ocasi o a falta de um dos membros da equipe ensejar a paralisa o de permiss o para a execu o dos tratamentos Par grafo 4 Os hospitais dever o ter Comiss o tica constitu da e funcionando dentro do previsto na legisla o pertinente Art 7 Deve ser praticado o consentimento livre e esclarecido Art 8 Esta resolu o entra em vigor na data de sua publica o revogando se a Resolu o CFM n 1 482 97 Bras lia DF 6 de novembro de 2002 EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE RUBENS DOS SAN
225. cologia Esse acompanhamento se deu durante pouco mais de dois anos a partir de algumas interroga es que puderam ser suscitadas Inicialmente mostrava se presa a um discurso dirigido medicina Ent o p de ressignificar a transexualidade como uma sa da para as experi ncias de destrui o vividas na inf ncia e adolesc ncia em que esse saber n o foi suficiente para que ela mudasse de posi o quanto a submeter se cirurgia pois entendia como um caminho sem volta Ainda nas entrevistas iniciais Jac pergunta Mas terei que esperar dois anos Ser que vou agiientar Isto fez com que boa parte das sess es fosse destinada ao enquadre anal tico de modo que propiciasse mudan a de posi o e de discurso para que ela deixasse de dizer o que estava codificado pelo imagin rio como o que levaria a equipe a decidir se ela iria ou n o para a cirurgia Ao chegar ao hospital j carregava em sua biografia estrat gias algumas vezes consolidadas de posicionar se frente ao social e ao meio familiar e assim que ela ir se posicionar no campo m dico O que fica claro nesse caso como em outros em que se busca a a autoriza o de uma altera o corporal previamente decidida que a mentira tem a fun o de adequar se ao que sup em que a equipe quer escutar A constru o de um discurso visando atender s expectativas do que acreditam estar de acordo com a verdade transexual Isto me levava a refletir sobre o
226. companhou durante algum tempo antes de encaminh la a mim Por ser jovem estando muito aqu m da idade em que a indica o cir rgica e hormonal poderia ser autorizada isso a deixava insatisfeita Pensava em solicitar aos pais sua emancipa o a fim de antecipar o processo o que n o estava de acordo com a posi o da equipe que aceitou acompanh la fora do protocolo para essas interven es Vida Familiar Mara era a ca ula de quatro irm s Nascida logo ap s a morte da irm rec m nascida era o filho esperado pelo pai que receberia o seu nome Sempre quiseram ter um menino e por isso foram tentando at que Mara nasceu A m e apontava a culpa na insufici ncia gen tica do pai o y necess rio para a gera o de um menino Pelo fato da m e trabalhar o dia todo era cuidada pelas irm s que riam de seu pipi e apelidaram no de sal rio m nimo Parecia que nessa fam lia tudo relacionado masculinidade era repudiado Uma das irm s divorciada e outra solteira e homossexual referiam se aos homens como aqueles que s servem para trazer problemas O pai extremamente desprezado e sem valor para a esposa e filhas visto como um fraco era cozinheiro do restaurante da fam lia Toxic mano e portador de doen a cr nica este se revelava um peso na vida da m e pois n o se tratava Aos poucos foi poss vel perceber que o pai se deixou ser reconhecido assim lugar insistentemente oferecido pela m e que
227. considera que pessoas tais como os skoptzy pagam com a carne a resposta a esse enigma Em outras palavras o desejo humano comporta a dimens o do sacrif cio na medida em que o seu desejo o desejo do Outro aquele em que conduz ao sacrif cio de tudo o que o objeto do amor E o sacrif cio do desejo d acesso ao gozo no qual aquele que renuncia ao seu desejo torna se objeto de gozo 3 1 3 Na Vertente Cultural Em muitos outros povos existiu a convers o de homens em eunucos e em cada cultura havia uma significa o para essa altera o corporal Entre os romanos tais atos receberam san es Como qualquer fen meno social a forma como a transexualidade entendida est intimamente relacionada com a cultura na qual se origina ou seja toda interpreta o hist rica e culturalmente determinada preciso ainda ressaltar que certas particularidades de identidade encontradas fora da sociedade ocidental n o fazem parte de um mesmo contexto uma vez que em sua maioria constituem apenas singularidades no jogo social das culturas a que pertencem sem confus o quanto ao sexo real nem busca de modifica o f sica ou legal Como o caso da Tail ndia onde as cirurgias s o realizadas sem qualquer conflito no mbito Significa castrado Em 1885 existiam 30 000 skoptzy no mundo MILLOT 1992 p 77 RAPAPORT L Les faits de castration rituelle La secte des Skoptzy Essai sur les formes pathologiqu
228. corporal cuja insist ncia e exig ncia mostram o car ter eg ico de suas dificuldades A difus o da internet facilitou o apoio a esta identifica o e cabe questionar agui se o virtual n o dizia de um afastamento da determina o simb lica de sua identifica o subjetiva A drogadi o diz tamb m de uma identifica o imagin ria que em um primeiro momento pareceu me ser com a m e mas tamb m ao pai que exigia que ele fosse mais homem pendendo aos significantes de masculinidade que conhecia droga for a agressividade sair noite e s voltar de manh Ao sentir que sua tentativa n o satisfez ao pai livra se das drogas abandona as artes marciais e busca levar adiante a sua identifica o imagin ria com o feminino Mas de que feminilidade se trata no que ele sente e que se mostra ainda confuso dentro de si Flagrado pelos olhares das tias e dos pais sobre o que v em nele a cena das bonecas e das calcinhas assim como a sua insufici ncia viril representada pelas piadas em rela o ao 211 seu pipi e pelos apelidos de mulherzinha bicha mostra se como o epis dio inaugural do sentimento transexual desvelado por sua fam lia e que vai se cristalizar propiciando o isolamento em seu quarto J ferson transitava do masculino ao feminino e a formula o sobre sua convic o em ser mulher com as varia es em sua enuncia o mostraram se menos seguras do que no momento ini
229. cos puderam n o mais se mostrar t o cindidos O masculino e o feminino de certo modo em harmonia diferente de sua posi o nos primeiros encontros em que n o aceitava nem mesmo que eu pudesse desconfiar de sua feminilidade Alice passa a pensar que a cirurgia n o garantia de um casamento mas at ent o me dizia Vou namorar este homem somente at a cirurgia Ap s a cirurgia vou finalmente viver uma lua de mel e n o vou mais dar pra qualquer um 234 Vida familiar Viveu sua inf ncia isolada referindo ter um pai alco latra depressivo e ausente que n o cuidava nem de si nem da fam lia Nunca mantiveram um di logo n o sabia nem o que ele queria nem o que ele pensava Na verdade tamb m nunca tentou manter uma rela o mais pr xima com o pai receando talvez que ele percebesse sua homossexualidade Recentemente o pai ficou doente e Alice o trouxe para passar uns dias em sua casa Ele sentiu se t o bem que n o quis mais voltar casa da filha com quem morava Pela primeira vez sentiu se preferida pelo pai mudou se ent o para uma casa maior e o acolheu Sente que precisa falar lhe sobre sua condi o transexual mas n o tem coragem Ele por sua vez mostra se indiferente sua maneira de vestir como mulher e evita chamar lhe pelo nome tanto masculino quanto feminino Indiferen a que sempre sentiu no pai A partir de suas lembran as acerca das rela es parentais podemos supor que Alice afastou
230. cria o de um p nis e de bolsas escrotais cuja apar ncia quase id ntica s de um homem tornam poss vel uma transforma o corporal com a qual a cirurgia est tica nunca ousara sonhar FRIGNET 2002 p 15 Foi necess rio ainda o advento das inova es gen ticas que permitiram em 1956 a identifica o da f rmula cromoss mica do homem xy e da mulher xx ou o sexo gen tico para que se estabelecessem definitivamente as distin es claras entre hermafroditismo travestilidade anomalias gen ticas e o verdadeiro transexual que surgiu ent o como um enigma fascinante Surge da a necessidade de inventar uma palavra que desse conta de representar um fen meno que n o decorria nem do desejo fetichista das travestis nem da ambigiiidade anat mica ROUDINESCO PLON 1998 A partir de ent o a ci ncia deu um sentido para esses sentimentos e ofereceu a quem com eles se identificasse a resposta e a solu o para a sua insatisfa o a cirurgia de mudan a de sexo A pr tica e a teoria caminham juntas e ao mesmo tempo em que se produz um saber espec fico prop em se os modelos apropriados para o tratamento Benjamin aponta a cirurgia como a nica alternativa terap utica poss vel para as pessoas transexuais posi o que se contrapunha aos profissionais da sa de mental sempre reticente a interven es corporais como alternativas terap uticas consideradas por muitos psicanalistas como mutila es
231. cura em que a efici ncia lida nas estat sticas 26 atento para n o o arrastar em sua linguagem ou sofrer com o fato de n o ter a sua fala reconhecida Em rela o ao lugar do psicanalista no hospital geral Moura 2000 aponta a import ncia de o analista abrir m o de seu narcisismo ao oferecer se diante da demanda inespec fica com a qual nos deparamos para que n o sejamos capturados pelos efeitos alienantes de uma onipot ncia A demanda tanto em um caso de interna o quanto em outro ambulatorial sempre secund ria o que nos leva a acolher os encaminhamentos que nos chegam oferecendo o que acreditamos ser poss vel a quem escolheu a psican lise como ferramenta de escuta sem nos perder nas resson ncias transferenciais Segundo o Dicion rio de Psican lise CHEMAMA 2002 o termo demanda a forma comum de express o de um desejo quando se quer obter alguma coisa de algu m a partir da qual seu desejo se distingue de necessidade Este termo assumiu um sentido espec fico na teoria de Lacan opondo o ao de necessidade que est associado depend ncia do ser humano de outros para a satisfa o de suas necessidades mais essenciais A demanda seria endere ada a um Outro com O mai sculo porque a demanda que o sujeito lhe dirige constitui seu poder sua influ ncia sobre o sujeito Lacan 1998c 1958 em seu artigo sobre A dire o da cura e os princ pios de seu poder vai lan ar a quest o gratifica se ou fr
232. da bissexualidade origin ria Freud 1980p reconheceu que todos os seres humanos podem tomar como objetos sexuais tanto pessoas do mesmo sexo quanto do outro Ao longo de toda a sua obra ele defendeu o aspecto de elei o constitui o subjetiva ou seja n o patol gico da homossexualidade contra os sex logos partid rios da id ia de um terceiro sexo ou do intermedi rio sexual mas tamb m contra alguns colegas psicanalistas Recha ou qualquer divis o r gida dentro da categoria da invers o ao notar que o objeto do invertido podia ser o oposto do objeto normal se sentir mulher e buscar o homem ou a imagem mesma da natureza bissexual Em ambos os casos a causa da invers o devia ser buscada em perturba es que modificam a puls o sexual em seu desenvolvimento Ferenczi em 1911 definiu um homoerotismo de sujeito ou subjetivo que Freud fez distin o entre objeto e finalidade sexual o primeiro referia se ao parceiro homem ou mulher e o segundo atividade e passividade que se praticava independentemente do parceiro Nesse caso era o ato da penetra o que contava pouco importando ser praticado por pessoa do mesmo sexo biol gico ou n o Fato que Casta eda 1999 apontou como tendo influ ncia em algumas culturas latinas nas quais o ato sexual ativo n o seria sin nimo de homossexualidade mesmo se praticado com pessoa do mesmo sexo FERENCZI L homoerotisme nosologie de 1 homossexuali
233. da corporal limite em sua rela o com o Outro Engajada em produzir em si uma apar ncia mais feminina a transexual lan a se em uma busca inalcan vel de altera es corporais para aquilo que precisa ao menos se aproximar Escrava do espelho mostra se eternamente insatisfeita frente constata o da impossibilidade de ser tudo o que exige de si A ci ncia contempor nea tem ofertado para as transexuais transforma es inimagin veis que n o param na transgenitaliza o modificam o p retiram o pomo de ad o ampliam os seios os bumbuns e os quadris com silicone serram a esc pula escapulectomia e fazem lipoaspira o para adquirirem cintura alteram a posi o da sombrancelha e assim seguem de acordo com suas condi es econ micas e sociais Desse modo a busca por tapar esse buraco por ser impreench vel torna se intensa uma compuls o a ser repetida pelas in meras interven es cir rgicas a que se submetem perpetuando as substitui es O equ voco est em tomar uma coisa pela outra ao criar a fantasia de que estes objetos perdidos podem ser recuperados e que os objetos produzidos pela tecnologia constituem seu eu Um resto que sempre voltar pois ainda sobrevive Mas essa mulher transexual ao mesmo tempo onipotente e impotente experimenta sempre a sensa o de algo que lhe escapou do seu cotidiano imposs vel levando a a um eterno desamparo fonte de sua ang stia Esse corpo que ao mesmo tempo reflete
234. da sobre eu sair de casa A m e quem insistia para que Maria se posicionasse como menino embora n o fizesse o mesmo com o marido Maria questionava o funcionamento de seus pais revelando seu inc modo pelo fato de que o pai n o se impunha perante a m e ele deveria ser mais bruto com ela Ser mais homem O pai que Maria trazia n o era o modelo de brutalidade e viol ncia com que ela dizia sentir se atra da nos homens e queixava se de n o ter um pai que desse limites para o excesso da m e A brutalidade que ela procurava em outros homens assim como a prote o talvez se referisse poss vel fantasia de sedu o do tio do qual ela n o foi salva Talvez inconscientemente questionasse o fato do pai n o dar limites para a m e mas tamb m para ela filha o Um pai que os tios disseram que era diferente antes de se casar e que se anulou em seu desejo e em sua forma de pensar e agir pelo casamento com a m e A prote o em rela o ao lugar sufocante que ocupava com a m e que tamb m aniquilava sua possibilidade de fundar se como um sujeito desejante Algu m que barrasse seu desejo de ter a m e como seu objeto de amor e tamb m de retir la do lugar de objeto de desejo dela A m e tamb m se apresentava para Maria muito diferente do modelo de mulher que ela idealizava parecer Ela fantasiava uma casinha onde pudesse cuidar de um homem idealizando talvez ser a mulher que sup e que sua m e deveria ter sido para o pai
235. da um CRUGLAK 2001 p 38 O corpo do Simb lico antecede logicamente ao banho de linguagem que recebemos quando chegamos ao mundo O Corpo Imagin rio como sustenta o suporte material da incorpora o dessa ess ncia ausente do corpo do Real que o simb lico sustenta pela fun o incorp rea de incorpora o o corpo do simb lico que separa e distingue o corpo da carne a realidade org nica subvertida pelo impacto da fala Um sujeito que se diz dividido entre um Real do corpo que indica uma exterioridade implicar em uma tentativa de manter sua integridade subjetiva dentro das representa es ps quicas que fez dele mesmo sua corporeidade O p nis ao n o ser incorporado precisa ser ex tirpado no Real parecendo ser o que psiquicamente motiva a sua entrada em nosso hospital Se o corpo do sujeito apenas o suporte para a sua subjetividade e a sua estrutura vai interferir no modo como este vai lidar com essa experi ncia resta nos escut lo sobre algo que aparece inicialmente pronto uma certeza que mulher Um enunciado que se repete mas em geral na escuta que se d em um campo transferencial poss vel perceber que nem sempre se trata de uma certeza psic tica mas de um posicionamento de quem percebe como um neur tico que n o pode dizer tudo o que sabe ou que n o sabe nada de si Um n o saber sobre si que encontra na Ci ncia um nome e ao ser assim nomeado torna se um passe passageiro em tr
236. dade sexual mas sua escolha sexuada ou seja a sexua o 117 6 1 4 Os caminhos da Sexua o Lacan chama de sexua o a maneira como cada sujeito vai subjetivar seu sexo Por isso utiliza o termo sexua o no lugar de sexualidade no sentido de que h a uma localiza o do sujeito e uma elei o O falo reparte a sexua o n o enquanto rg o nem mesmo enquanto significa o mas enquanto uma fun o l gica Segundo Freud a anatomia n o suficiente para que um sujeito se torne homem ou mulher pois n o h representa o ps quica e Lacan completa dizendo que n o h nenhum significante que possa responder ao sujeito sobre o sexo Assim cada sujeito deve fazer uma escolha for ada para se inscrever do lado homem ou do lado mulher Lacan constr i uma teoria da sexua o em tr s momentos l gicos articulados ao redor da fun o f lica que tem em conta a anatomia e o meio ambiente simb lico e social mas que n o suficiente para a elei o do sujeito A decis o de ser homem ou mulher se ap ia ent o em seus modos de gozo A sexua o o modo pelo qual um indiv duo cuja identidade sexual est assegurada pode organizar sua subjetividade numa rela o com o Falo que privilegia em seu gozo ou o masculino ou o feminino indispens vel para reconhecer se sexualmente e para separar se do outro Qualquer que seja o sexo biol gico a posi o de cada um com rela o ao falo que o situa como homem ou mu
237. de Freud 2002 GARCIA J C Problem ticas da Identidade Sexual S o Paulo Casa do Psic logo 2001 GARCIA ROZA L A Freud e o Inconsciente Rio de Janeiro Jorge Zahar 1984 GOOREN L Transsexualism introductions amp general aspects of treatment Dispon vel em http www xs4all nl gender goore html Acessado em 04 11 2000 GRANA R B Al m do Desvio Sexual teoria cl nica cultura Porto Alegre Artes M dicas 1996 GREEN A Narcisismo de vida narcisismo de morte 1973 S o Paulo Escuta 1988 GREEN A Les tats limites Paris Puf 1999 GREEN J N Al m do carnaval a homossexualidade masculina no Brasil do s culo XX S o Paulo Ed Unesp 2000 HALL S A identidade cultural na p s modernidade Rio de Janeiro DP amp A 1999 HERDT G Third Sex Third gender Beyond Sexual Dimorphism in Culture and History New York Zone Books 1993 HERRMANN F LOWENKRON T org Pesquisando com o M todo Psicanal tico S o Paulo Casa do Psic logo 2004 HERRMANN F Investiga o psicanal tica Jornal de Psican lise 1977 30 7 18 287 Cl nica Psicanal tica a arte da interpreta o S o Paulo Brasiliense 1991 JONES E Vida y Obra de Sigmund Freud Buenos Aires Ed Lumen Horm 1998 Tomo HI p 214 215 KAUFMANN P Dicion rio Enciclop dico de Psican lise o legado de Freud e Lacan Rio de Janeiro Jorge Zahar 1996 KEHL M A m nima diferen a masculino e feminino na cultur
238. de de uma supl ncia da fun o paterna ou seja que um significante possa vir a ocupar na estrutura o lugar vazio pela forclus o do Nome do Pai As coordenadas sexuais de um sujeito portanto est o articuladas com a identidade sexual e a sexua o nas quais o sujeito pode escolher seu gozo independente do seu sexo real e o do parceiro Tais coordenadas n o s o regidas pela imagem corporal mas pela articula o que a linguagem realiza com o corpo n o com o pr prio mas com o do Outro cujo ordenador o Falo simb lico O v nculo que estabelece com esse significante privilegiado o Falo determinar o lugar na ordem sexual e a rela o que ele manter com seu sua parceiro a E se a rela o de um ou de outro com esse terceiro o Falo que Lacan vai dizer que n o existe rela o sexual Assim perguntar se qual a diferen a entre os sexos enigma que se coloca na experi ncia do sujeito em suas rela es introduzi los em um jogo de diferen as em um Jogo simb lico sendo justamente o que impede todo tipo de resposta No momento em que se nomeia algu m como heterossexual transexual homossexual ou como travesti perde se a possibilidade de signific lo j que n o h uma ess ncia para cada uma dessas posi es Como a apresenta o do terceiro cap tulo nos aponta a alma a psych n o a mesma em todos os tempos e em todos os lugares e por conseguinte n o s o realidades eternas mas c
239. de uma exterioridade n o h dentro sem haver fora A outra negativa seria N o existe nenhum que constitua uma exce o fun o f lica na medida em que n o existe do lado feminino um equivalente do pai origin rio que escape castra o ou seja todas as mulheres t m um acesso ilimitado fun o f lica pela aus ncia de interdi o do incesto entendida como a car ncia daquilo que desencorajaria o sujeito a se identificar com o falo imagin rio MILLOT 1992 A mulher segundo Lacan existiria paradoxalmente do lado homem ao n vel do mito de que existe ao menos Um que estaria submetido castra o neste sentido que poderia se situar a fun o l gica de ser a Mulher que valeria por todas e que equivaleria dizer que a 117 rs Eus a Ep Conjunto de escritas que se assemelham s f rmulas alg bricas e formais da matem tica e da l gica que Lacan utilizou para explicar conceitos chave da teoria psicanal tica referentes estrutura que para ele seria o engate entre a psican lise e a ci ncia 118 ne z a Para se designar a esp cie humana em sua totalidade nossa l ngua se refere ao Homem e a mulher n o tem voca o para fazer universo devendo ser entendida caso a caso 1 Referer ncia ao pai da horda primeva citado por Freud em Totem e Tabu 1913 119 mulher um dos Nomes do Pai na teoria do n borromeu que Lacan vai encontrar suporte para isso que ele prop e como a possibilida
240. dem de uma constru o subjetiva O que foi poss vel nesses encontros foi levar o sujeito a se posicionar ante ao seu desejo e s tramas de seu inconsciente que se mostrava ainda estranhas a ele Forbes 2003 em seu livro Voc quer o que deseja entende que o ser humano est em conflito com a civiliza o e em consequ ncia obrigado a inventar pontes entre ele e o mundo Mas todas as solu es que encontra para expor a singularidade do desejo s o provis rias obrigando o a um eterno re inventar fundamental esclarecer a diferen a entre responsabilidade jur dica e responsabilidade psicanal tica Na jur dica primeiro se livre depois respons vel na psicanal tica primeiro se respons vel por isso pode ser livre Ser respons vel quer dizer se responsabilizar pelo encontro pelo acaso pela surpresa Essa a diferen a b sica da nossa cl nica A luta pela liberdade nada mais do que a luta pela afirma o do desejo Ainda segundo Forbes n o precisamos de mais tempo para compreender melhor uma vez que o mundo incompleto e o saber tamb m O futuro depender de como interpretarmos o presente com base nessa liberdade que nossa pr xis opera O que importa levar o sujeito a encontrar outras formas de resolver o impasse do seu corpo a quebrar as certezas que incidem no discurso engendrado pelo fantasma excedendo a ordem que escapa ao real e assumindo o risco de uma a o sem garantias em uma parceria
241. dessa cena primordial J se aliena em um eu ideal santificado De forma estereotipada dizia a princ pio de sua alma feminina em corpo masculino e colocava se como v tima n o da natureza biol gica mas de um al m dessa vida de algo que antecedia seu nascimento e que poderia se associar n o s fic o criada por sua cren a esp rita mas de um ato de sua m e contra o desejo de Deus o abandono da vida religiosa No mito religioso Maria devota de Deus casou se com Jos e teve Jesus que embora criado pelo casal n o foi fruto de um ato sexual como J supunha tamb m ser fruto de um casal que n o fazia sexo J apresenta inicialmente um ideal hermafrodita nesse tr nsito entre os dois sexos e na adolesc ncia aparece a cobran a para que se instale uma posi o subjetiva sexuada uma diferencia o pautada na anatomia na qual se exige a quebra da ilus o de integridade narc sica em uma dupla refer ncia sexual A falta de garantias quanto sua imagem que funcionaria como um suporte identificat rio cultural dentro de um modelo masculino leva J a buscar incessantemente a resposta no olhar do outro Na aus ncia dessa resposta nas figuras parentais e uma realidade anat mica a qual n o se mostra suficiente vai encontr la no grupo de transexuais A quest o sobre o sexo por n o poder formular se simbolicamente com a ferramenta da fun o f lica aparece inconscientemente na produ o de sintomas f sicos Algun
242. dia ao Renascimento At o final do s culo XVI a elei o do sexo das hermafroditas era regulada pelos poderes religiosos e p blicos a partir do s culo XVII foi confiada medicina Em 1601 Marie Le Marcis foi condenada fogueira por ter sido declarada inicialmente uma menina e na adolesc ncia se casado com uma mulher passando se por homem Um m dico a salvou ao declarar que ela tinha um rg o genital masculino e portanto era o homem que dizia ser Na Renascen a a quest o das hermafroditas era juridicamente analisada segundo a perspectiva de g nero n o se tratando de saber a qual sexo pertencia se realmente Segundo Laqueur 2001 os magistrados estavam mais preocupados com a manuten o das fronteiras sociais o que hoje chamamos de g nero do que com uma realidade corp rea p 86 Precisamos de um verdadeiro sexo Questiona Foucault em 1978 na apresenta o do livro sobre as mem rias de Herculine Barbin o di rio de um hermafrodita Herculine conhecida pelos mais pr ximos como Alexina sofreu com a obstina o da medicina e da justi a do s culo XIX na Fran a em busca de sua verdadeira identidade sexual Reconhecida legalmente como um verdadeiro rapaz foi obrigada em 1860 a trocar de sexo ap s um processo judici rio e uma modifica o de seu estado civil Para Foucault 1978 p 6 7 o que as mem rias de Herculine evocavam do seu passado era o limbo feliz de uma n o id
243. dico o corpo psicanal tico e o corpo social contempor neo inscrito na cultura cabendo nos assim refletir sobre o olhar de cada uma dessas reas para esse corpo que est em cena nesta demanda transexual Se o corpo precisa ser retificado para que seja reconhecido pelo social enquanto do sexo reivindicado torna se inevit vel a demanda de reconhecimento jur dico que como as outras reas precisam reconstruir seu saber sobre o corpo Embora a experi ncia transexual 136 revele que a identidade n o determinada pelo corpo diante da falta de crit rios a altera o cir rgica que vai servir de base para a sua decis o e an lise das conseqgii ncias desta modifica o para o campo do Direito A falta de uma defini o de sexo que nunca foi objeto de conceitua o jur dica permanece ancorada nas defini es m dicas ao tratar das diferen as entre homens e mulheres resguardando a classifica o dicot mica estabelecida como padr o de normalidade e mantida por todos os sistemas legais Mesmo pautada na biologia fica claro entretanto que o jur dico n o acredita puramente nisso j que n o abre m o das opini es oferecidas pela psiquiatria e psicologia No idioma alem o encontramos dois corpos o K rper o corpo material mensur vel por estetosc pios objeto de estudo da medicina e o Leib vida que n o se mede no espa o cartesiano campo da intui o do sentimento com o qual n o se pode operar com instrumen
244. do que o gozo feminino ela obtinha em sua contempla o narc sica no espelho N o queria revelar seu segredo transexual s pessoas por ser passageiro Logo iria ser uma mulher completa E o que ser uma mulher completa pergunto ter uma vagina e um reconhecimento dos outros de minha condi o feminina inclusive poder mudar meu registro de nascimento nascer de novo Relacionamentos amorosos Relacionava se melhor com as meninas sentindo se pouco vontade com os meninos Apaixonou se muitas vezes por garotos de sua idade mas n o dizia aos namorados de sua condi o Aos sete anos de idade gostou de um menino e escrevia cartas de amor para ele foi quando percebeu que nunca amaria uma mulher a n o ser a pr pria m e Ficou com muitos meninos mas sempre omitiu sua problem tica por ter certeza de que n o seria aceita Tanto quanto podia mantinha a impostura ao se passar por uma garota junto aos namorados Os poucos relacionamentos sexuais eram anais com a justificativa de que era virgem Namorava um rapaz e sentia que era correspondida em seus sentimentos Contou lhe a sua verdade hermafroditismo e cirurgia em breve e o namorado a aceitou mas quando a m e descobriu proibiu o filho de continuarem juntos O sofrimento e a solid o de Mara eram vis veis mas ela resistia em falar de sua fragilidade mostrando se firme ao enfrentar as adversidades decorrente
245. do Corr a 2004 desenvolveu se Embora seja um termo popular e usual entre as pessoas transexuais para a Psican lise este um termo equivocado como discutirei ao longo do trabalho Deve se salientar que a pr pria medicina n o o utiliza cientificamente preferindo o termo transgenitaliza o ou redesigna o de sexo 2 Frase dita por Napole o Bonaparte a geografia o destino e parafraseada por Freud em 1924 em A Dissolu o do Complexo de dipo 1980a p 222 para referir se distin o morfol gica entre os sexos qual a menina e o menino est o fadados e s repercuss es desta no desenvolvimento ps quico Ele desenvolveu posteriormente em 1925 em Algumas consegii ncias ps quicas da distin o anat mica entre os sexos 1980bp 309 esclarecendo que a condi o anat mica n o seria determinante nas escolhas objetais e nas identifica es Lacan em 1958 1998a retoma a l gica da castra o por m n o considera a anatomia presen a ou aus ncia do rg o como o destino da sexua o mas sim a presen a ou aus ncia do falo enquanto significante do desejo materno 13 na Idade M dia uma t cnica para consertar narizes deformados por doen as decepados por inimigos ou que demonstravam o contr rio da altivez desejada nariz empinado O nariz foi o ponto de partida hist rico de uma t cnica que evoluiu at as opera es de mudan a de sexo entre tantas outras cirurg
246. do ao incesto fraterno e abrigando um ideal mais convencional Sua id ia estava centrada em uma aposta de que deveria adequar sua apar ncia ao psiquismo e assim restaurar a ordem heteros sexual A inf ncia Referia se inf ncia como algo que desejava nunca ter acabado Adorava o seu corpinho pequenino fr gil e delicado Tinha a pele clarinha quase r sea e cabelos loiros Amava ser beb pequeno e desprotegido e desejava sempre a aten o e prote o de todos Tem a lembran a do que supostamente tenha sido sua inf ncia sua m e sempre ao seu lado proporcionando tudo alimentando me banhando me trocando me mas poucas vezes quase raras brincando comigo Evoca se aqui o que Freud aponta sobre o objeto como alvo e fonte da puls o e que v o al m das necessidades vitais O que ela se queixa que a rela o da m e era com seu corpo e n o com ela dentro desse corpo Implorava seus beijos e afagos com birras e choramingos Papai n o existia Queria algu m diferente da pele macia e branca da minha m e do seu cheiro de talco dos seus longos e loiros cabelos da sua voz meiga e fina Desejava sem entender uma pele diferente da minha com p los e cheiro distinto barba spera para me beijar bra os fortes para me abra ar a voz firme e grossa para me proteger e me amar 179 Desejava o que deveria ser o desejo da m e um terceiro diferente dela Maria traz aqui o que seria essa rela o dual ini
247. do gozo avarento 138 O corpo seria ent o uma territorializa o do organismo produzida pelo interc mbio permanente entre a for a pulsional e o outro N o existe corpo sem psiquismo e vice versa no discurso freudiano A vida teria assim sempre a marca de Eros como a sua condi o de possibilidade que se contraporia sempre morte iminente anunciada pela for a constante da puls o BIRMAN 2003 Assim diferentes modalidades de territ rios corporais s o permanentemente constitu das ao lado de suas correlatas formas de subjetiva o fazendo com que pensemos em um corpo articulado com o psiquismo cabendo aqui o conceito de corporeidade Para aprofundarmos ainda mais o conceito de corpo importante distingiiir corpo de corporeidade O corpo enquanto uma massa de carne algo material est tico E a corporeidade que assinala o corpo como um organismo vivo que tem consci ncia de si mesmo e o faz seu um ser din mico que se move e fala O corpo como a encarna o do ser e a corporeidade como o ser encarnado N o h corpo humano sem a marca da cultura assim como n o h realidade puramente natural O estatuto do corpo amb guo e complexo a ponto de ser um conceito em que n o encontramos nos dicion rios de psican lise Ao mesmo tempo em que ele perpassa toda a constru o te rica de Freud e Lacan n o h um referente conceitual para apreend lo Talvez pelo seu car ter fronteiri o que o termo corporeidade p
248. e ticas l citas e il citas a envolvidas A quem pertence o corpo Se a silhueta da mulher e do homem em graus vari veis sempre foi moldada pela cultura funcionando como marcador social sexual em uma perspectiva n o somente est tica mas de moral p blica e de Direito torna se necess rio transexual cirurgiada dirigir se ao saber jur dico englobando a no amplo processo civilizador Nesse per odo marcado pela dificuldade de posicionamento o corpo se modifica mas seu papel social ainda est indefinido A aus ncia de uma nomina o jur dica traz para as transexuais o sentimento di rio de ser um logro e sua impostura est sempre prestes a se denunciar Por isso cria se uma cascata de reivindica es seja no corpo seja no jur dico O pedido jur dico tem a fun o de uma segunda e s vezes mais que uma nomea o e geralmente aponta o tra o que representar a pessoa no social nas mais corriqueiras situa es como pudemos acompanhar nos dramas vividos por Mara que preferiu esperar para concluir seus estudos ou para Maria que enfrentou os professores e todas as cr ticas e humilha es porque n o se encaixava no leito de Procusto Viveram situa es de serem flagradas por sua impostura assim se sentiam nos banheiros no cinema nas festas situa o que viveu J nos hospitais n o h leitos para transexuais ent o se pautam no sexo biol gico constatado nos documentos 128 O nome
249. e ltimo prevalecendo sobre o real de seu corpo E assim permanece a quest o a anatomia ou a cultura o destino nesse impasse desencadeado pela diferen a sexual A discuss o acerca da diferen a sexual n o recente sendo um tema de dif cil abordagem pelas singularidades em que ela atravessa os tempos se complexizando no decorrer da hist ria A diversidade de posi es sexuais na atualidade nos convoca a reflex es na tentativa de dar conta de questionamentos que n o cessam de se relan ar em que consiste a diferen a sexual se que ela existe Esta quest o nos remete a alguns conceitos e nos imp em uma tarefa complexa pois se trata de tentar elaborar respostas que n o banalizem e tampouco forne am normas e verdades Pelo contr rio espero que essas interroga es nos permitam avan ar teoricamente refletir sobre nossa cultura e repensar nossa cl nica Freud atribuir diferen as meramente de intensidade e avan a para al m do estudo sobre o normal e o patol gico ao propor o m todo psicanal tico para compreender a cultura afastando se de uma busca pela normalidade As m ltiplas significa es sobre o corpo ao articul lo com o sexo e o g nero temos aqui mais uma complexidade no que tange diferen a entre os sexos Para a psican lise o corpo est pautado no masculino assinalando o ordenamento hier rquico que persiste nas constru es te ricas desde a id ia de um monismo sexual A mulher tem encarnado o
250. e O significante ent o seria a diferen a e tamb m o que funda a categoria do um o tra o indicativo do que se assemelha e do que se difere e por isso n o se trataria de uma totalidade imagin ria No campo da sexualidade de acordo com Morel 2002 a linguagem op e um obst culo rela o sexual ao confrontar os seres humanos com o real do gozo que se difere da biologia Acreditar se homem ou mulher diz respeito a uma cren a ainda que inconsciente A constru o da identidade sexual requer o real do sexo e tamb m do que dele aparece seus caracteres prim rios e secund rios mas o essencial seu reconhecimento simb lico pela fala a do Outro encarnado pelos pais este reconhecimento que inscreve a crian a na fun o f lica transformando a a partir de sua anatomia em um sujeito falante homem ou mulher O sexual como tal fica fora do simb lico e o que dele se inscreve o significante falo e que faz obje o a que cada um dos sexos se relacione no sentido de fazer correspond ncia com o outro diferenciando assim da categoria de g nero sendo a sexua o o processo pelo qual o sujeito se submete castra o simb lica para que se situe como homem ou mulher Lacan considera que n o basta a identifica o para determinar a posi o sexuada e a cl nica nos oferece muitos exemplos que ultrapassam um sistema de oposi es significantes homem e mulher Freud j o havia comprovado ao descobrir
251. e sendo ajudado nisso por sua fam lia e 41 VARGAS LLOSA M Os homens mulheres do Pac fico In Jornal O Estado de S o Paulo Caderno 2 S o Paulo fevereiro de 2002 54 pela comunidade ter se transformado em mulher em seu modo de se vestir de andar de falar de cantar de trabalhar e tamb m com freq ncia mas n o necessariamente de amar Um dos motivos por que apesar das proibi es das igrejas o mahu sobreviveu durante o s culo XIX foi a cumplicidade dissimulada dos colonos europeus Estes procuravam os mahus para contrat los como cozinheiras pajens lavadeiras etc pois nessas tarefas femininas o mahu era tradicionalmente competente e segundo as opini es gerais insubstitu veis Mas tamb m em determinados bailes cantos e espet culos p blicos o mahu imprescind vel pois certas can es dan as e representa es lhe s o cong nitas express es tradicionais desse terceiro sexo por assim dizer diferenciada das express es da f mea e do macho Ao contr rio do que ocorria na tradicional sociedade polin sia o mahu na maioria de origem humilde e existe algo como uma rela o de causa e efeito entre o mahu e os segmentos mais pobres e marginalizados da sociedade ind gena Se no passado era costume fregiente nas fam lias onde havia v rios meninos os pr prios pais decidirem educar um dos filhos como menina hoje ningu m mahu por imposi o paterna Mas tamb m os produz
252. e travestimento que n o o atraem mais seu aspecto f sico mudou e a preocupa o em marcar o feminino em seus tra os acabou Diz ent o que n o retornaria s sess es porque n o precisava mais da cirurgia j que era poss vel desejar e ser desejado sem que isso amea asse a sua exist ncia Conclu que deveria acolher neste momento sua decis o de interromper o acompanhamento j que ainda se via preso demanda que o trouxe ali e que agora n o havia mais sentido Para J ferson os planos de constru o de um novo corpo em que o direcionamento para o feminino inscreveu se como algo n o mais urgente tendendo a ser coisa do passado a transfer ncia funcionou como o vetor que orientou seu inconsciente at a identifica o classificadora tomada por sua namorada permitindo o prescindir do pai para posicionar se mais pr ximo do que seria um homem N o era momento de encerrar o que mal havia come ado mas o pouco tempo de encontro deu lhe confian a suficiente na palavra para falar de um real insuport vel Sem a dimens o do compromisso de escut lo para al m da demanda m dica o ato anal tico n o teria sido mais do que um semblante 8 2 3 O SEGREDO E O SAGRADO Nossa pesquisa enveredada at aqui pelos caminhos enigm ticos da transexualidade remete agora hist ria de J cujo acompanhamento que n o passou de entrevistas preliminares se deu somente por seis meses Trago nessa narrativa os recortes que revelam as nu
253. e a ningu m e n o espera interpreta o CHEMAMA 2002 p 08 09 10 Lacan em seu semin rio sobre A Ang stia 2005 1962 1963 disting iu ato de acting out O ato sempre significante e permite ao sujeito encontrar se transformado a posteriori ap s o ato O acting out n o um ato mas uma demanda de simboliza o dirigida a um outro a fim de evitar a ang stia e que est relacionado com a posi o transferencial do analista pedindo um deciframento 99 5 7 4 Transexuais e Transexualistas Frignet 2002 aponta para as ferramentas da psican lise que nos ajudam a esclarecer uma estrutura que se difere conforme se trate de transexual ou de transexualista No primeiro caso a aus ncia de reconhecimento do Falo pro be todo o estabelecimento da identidade sexual e n o permite ao sujeito experimentar se enquanto homem ou enquanto mulher ele est fora do sexo tal como tamb m nos explica Millot 1992 a partir de Lacan Realizou estudos com Czermak na obra Sur identit sexuelle propos du transsexualisme 1996 Ele nos oferece sua contribui o sobre a cl nica da transexualidade a partir da an lise de entrevistas com transexuais que lhe permitiu diferenciar a cl nica da transexualidade enquanto um fen meno m dico e social e enquanto um sintoma psiqui trico e psicanal tico e portanto individual O de s ndrome transexual ao aspecto m dico e o fen meno transexual ao social
254. e as novas posi es da mulher Com toda essa igualdade onde est a marca da diferen a Essa est profundamente abalada pelas mudan as nas concep es sobre o que ser homem e mulher Afinal estas concep es est o marcadas por uma rede de significantes inscritos na cultura que nos fazem pensar em um processo que est longe de ser natural Ao transpor o aspecto da conserva o da esp cie Freud buscou circunscrever algo que participaria da constru o do funcionamento ps quico o que significava acrescentar um algo a mais em rela o fun o paterna e materna encarnados colocando em pauta o valor dessa transmiss o simb lica Alguns casos configuraram se de modo a coincidir com proposi es te ricas apresentadas em rela o presen a maci a de um imperativo de gozo materno que pode ter influenciado seu posicionamento como mulher Havia uma queixa em rela o fun o paterna que na hist ria de Jac e de J ferson se apresentava como um excesso t xico de viol ncia e n o apontava para o reconhecimento paterno necess rio em sua condi o de masculinidade Ambos os casos se posicionaram contra o discurso sexual negando se a se inscrever na fun o f lica e invocando um erro da natureza ao demandar a mudan a de sexo cuja elei o de objeto mostrava se submetida conting ncia dos encontros mobilidade possibilitada pela dificuldade de identifica o e reconhecimento paterno pelo negativo Suas hist rias evocavam
255. e do desejo da m e MILLOT 1992 p 37 5 7 2 Outras Proposi es Lacanianas Safouan 1979 seguidor de Lacan faz uma an lise do fen meno transexual a partir da pesquisa cl nica de Stoller 1968 com os meninos que apresentaram sinais de transexualidade destacando a falha da fun o paterna durante o processo de subjetiva o Haveria uma rela o complementar onde de um lado uma m e que aprisiona o filho nesta rela o e do outro lado o pai que n o faz valer a lei da interdi o A castra o simb lica foraclu da nesses meninos vai aparecer como castra o real que os transexuais reclamam Castrados dessa forma eles s o as nicas verdadeiras mulheres SAFOUAN 1979 p 93 Neste sentido est o em uma posi o psic tica Safouan 1979 faz considera es sobre as m es desses meninos apontando para uma bissexualidade na qual a feminilidade e a masculinidade as tornam sexualmente neutras recha ando a heterossexualidade e tornando as depressivas porque presumem que n o tem valor algum Considerando os relatos de Stoller sobre a rela o dessas m es com suas pr prias m es conclui tratar se de uma problem tica transgeracional na qual essas m es tiveram esses relacionamentos marcados por uma parada na simboliza o do desejo Para sair dessa posi o o menino ent o preso ao desejo materno confundindo o rg o e o significante se v obrigado a abrir m o de seu pr prio falo para a
256. e esse epis dio e ela tamb m nunca perguntou Por que precisava permanecer neste lugar de n o saber O sangramento cr nico e o sentimento de n o ter revelado a sua alma feminina evocam a sua afetividade O que ser que mexia dentro dela talvez em seu p nis n o seria a sua ere o Aqui poderia ter se constru do a l gica bin ria de sua identifica o imagin ria a um tra o com o feminino sangue flu do no rg o genital feminino em oposi o ao tra o que a identificaria com o masculino s men flu do no rg o genital masculino J continua N o tinha condi es de perguntar nem contar isso para ningu m pois tamb m fantasiava de que pudesse estar associado aos maus pensamentos por um menino e isso n o poderia ser descoberto Aparece aqui a possibilidade de estar associado masturba o entretanto insiste que nunca se masturbou mostrando sua dificuldade de falar sobre isso comigo Fala da sexualidade como algo velado em que nada era falado com seus pais Acho at que minha m e n o tinha rela es sexuais com meu pai 221 Como sup e que voc e seus irm os nasceram J ri ao surpreender se com minha indaga o e reconhece que a dificuldade quanto sexualidade muito mais dela do que de seus pais J ainda n o pode tomar horm nios pois tem que tratar de sua lcera que segundo o m dico fruto de seu sofrimento Isso lhe traz um impasse ao mesmo tempo em que quer usar h
257. e falam e se apresentam deformadas pelos mecanismos de deslocamento e condensa o Lugar de inscri o do ps quico e do som tico ao mesmo tempo fonte e objeto da puls o sua leitura n o segue a l gica dos sintomas patol gicos m dicos e sua ausculta se faz em cada caso a partir de particularidades e especificidades 142 Uma ausculta que se faz atrav s de uma escuta que transforma este corpo de sensa es em um corpo falado na medida em que o discurso de quem se queixa do pr prio corpo Assim quando falamos em corpo anat mico estamos nos referindo a uma anatomia constru da a partir dos investimentos libidinais mediatizados pelos fantasmas e que transforma o corpo biol gico em corpo er geno FERNANDES 2003 Corpo e sexo n o se separam desde a hist ria m tica de Ad o e Eva onde ao provarem do fruto da rvore do conhecimento percebem se nus e sexuados N sio 1993 diz que h dois par metros fundamentais que delimitam o campo psicanal tico a fala e o sexo sendo que o corpo psicanal tico da ordem desses dois dom nios Contrariamente ao cirurgi o que se coloca diante do corpo de seu doente e o trata como um organismo sem se preocupar se ele fala ou goza o psicanalista por sua vez dever constantemente referir se direta ou indiretamente aos par metros que s o a fala e o sexo e assim conceber dois estatutos do corpo o corpo falante e o corpo sexual N SIO 1993 p 148 Assim conv m ex
258. e n o se trata de um termo psicanal tico embora transite entre os discursos de quem se refere transexualidade Nesse cap tulo percorro alguns te ricos de g nero que constru ram saberes de refer ncia nessa rea a fim de encontrar subs dios que nos auxilie a compreender a din mica ps quica desses sujeitos O corpo que visto como o sustent culo para a identidade sexual aquele em que se pede a retifica o embora garanta o encontro com as diferentes 2 especialidades n o o mesmo para todas as reas E necess rio ent o oferecer ao leitor os Dentre algumas publicadas ANDREON L Meu corpo minha pris o Autobiografia de um transexual Rio de Janeiro Marco Zero 1985 FREITAS M Meu Sexo Real A origem som tica neurobiol gica e inata da transexualidade Petr polis Vozes 1998 RIHOT C NOLAIS J Hist ria de Joana Transexual Rio de Janeiro N rdica 1981 NERY J Erro de pessoa Jo o ou Joana Rio de Janeiro Record 1994 HERZER A Queda para o Alto Petr polis Vozes 1982 RITO L Muito prazer Roberta Close Rio de Janeiro Record 1981 24 diferentes olhares para esse corpo no hospital Essa revis o te rica nos permite avan ar na an lise da constru o subjetiva do desejo que culminou na busca pela altera o corporal Uma alma feminina aprisionada em um corpo masculino ou vice versa o que isso significa quando colocado inicialmente como a justificativa para a demanda de altera o cor
259. e o travesti ao homem que o procura Oferece a oportunidade de ser mulher de uma mulher de ser homossexual sem ser O travesti que se opera perde a sua maior j ia a ambigiiidade Nada mais triste que o travesti castrado Vira nada N o mulher nem homem passa a existir s na sua pr pria fantasia 5 9 ALGUMAS CONSIDERA ES SOBRE ESSES SABERES J CONSTRU DOS Como constatamos a metapsicologia psicanal tica atual acerca das transexualidades de uma forma geral s fez descrev las patologicamente e a prop sito conv m lembrar permanece como transexualismo onde o sufixo vai demarcar o lugar de patologia associado A diferen a stolleriana entre sexo anat mico e identidade de g nero ps quica referida consci ncia ntima de pertencer a um sexo e n o a outro n o nos ajuda conceitualmente quando passamos a escutar os casos de supostos transexuais Por m mais de tr s d cadas se passaram e muitos cl nicos m dicos e a jurisprud ncia ainda se ap iam em sua teoria para se manifestarem em rela o ao fen meno Conforme pudemos saber trata se de modelos insuficientes para se pensar a cl nica com pessoas que acreditam que sua quest o m dica e n o ps quica e chegam com a afirma o Sou mulher Devo vir aqui por conta disso Elas n o demandam an lise v o porque s o obrigadas mas ficam Torna se assim a oportunidade de avan ar para o que ainda n o sabemos j que as formula
260. e ps quico especial denominado supereu para realizar a tarefa de assegurar a satisfa o narc sica proveniente do ideal de eu medindo o eu real por aquele Esse ideal tem seu aspecto social ao ser um ideal comum na fam lia no social na cultura A constru o da identidade transexual resulta dessa intera o n o s com as figuras parentais como cultura que est inserida Lacan distingue eu ideal de ideal de eu o primeiro tem sua origem na fase do espelho pertencendo ao registro imagin rio momento m tico de plenitude narc sica e o segundo corresponde ao simb lico imagem idealizada do eu feita a partir do discurso dos pais A impossibilidade de manter se no registro narc sico do eu ideal levaria o eu mais desenvolvido ao estado de perfei o narc sica pela busca por atingir o ideal do eu que dada a sua possibilidade simb lica vai se associar aos valores inscritos na cultura daquilo que promete a recupera o do eu ideal perdido na inf ncia A hi ncia entre o eu e seu ideal de eu vivida pelo sujeito como um lugar de inferioridade de m nimo como nos conta algumas das pessoas transexuais que acompanhei que por outro lado h sempre uma sensa o de triunfo quando algo no eu se equipara com seu ideal de eu Se o ideal de eu diz respeito ao sujeito a sua idealiza o vai remeter ao objeto medida que o objetivo sempre o reconhecimento Conforme Kehl 1996 o imagin rio n o admite pensamento uma vez
261. e queixa sentido que est afastado da consci ncia que est inserido na trama de uma hist ria marcada pelo desejo inconsciente do sujeito a sua verdade Sentido enquanto significa o sentido enquanto sente seu mal estar na medida em que se envolve com o que enuncia e o sentido enquanto dire o na qual o sujeito caminha em um percurso inconsciente O inconsciente esse lugar ocupado por um vazio vazio este que est sempre espera da palavra Em seu sentido etimol gico o sintoma prov m da palavra grega sumpt ma que significa aquilo que cai Para a psican lise ele aparece somente como um fen meno subjetivo express o do recalcado Sintoma representa o que constitui sinal e acontecimento em ambos os campos anal tico e m dico O sintoma dito som tico motiva a consulta ao m dico Se essa manifesta o tem para a medicina o sentido de um acontecimento de um acidente corporal ele tamb m constitui um acontecimento ps quico DEL VOLGO 1998 p 25 O sintoma articula se no campo da representa o simb lica da imagem corporal e n o no campo do corpo an tomo patol gico o que as pessoas t m de mais real O que importa como o sujeito vivencia a sua corporalidade ou seja de que maneira investe as diferentes partes do seu corpo e as interpreta como superf cies dotadas de significa o De acordo com 28 Chemama 2002 p 203 ao considerar o sintoma como o efeito do simb lico no
262. e um eu pele como uma representa o de que se serve o Eu da crian a durante fases precoces de seu desenvolvimento para se representar a si mesma como um Eu que cont m os conte dos ps quicos a partir de sua experi ncia de superf cie do corpo O autor refere ainda que as sensa es de pele e excita es sexuais que emanariam de seu corpo seriam vivenciadas como persegui es de um Eu corporal externo estranho em contraposi o a um Eu ps quico reconhecido pelo sujeito O que pude apreender dessa hist ria que J ferson ainda n o sabia quem era sua imagem especular era inaceit vel por isso o uso de moletom que evitava se haver com as formas de seu corpo O termo transexual funcionou como uma refer ncia externa com a qual ele se apoiou aliviando de certo modo um sentimento que at ent o ele n o sabia explicar Oferecer a ele a oportunidade de rever sua escolha produziu um efeito de modifica o interna dando lhe condi es de administrar seu desejo sem remedi lo 214 A escuta psicanal tica e o v nculo transferencial propiciou nesse caso a elabora o da necessidade de desaparecimento do masculino pela via da palavra possibilitando re criar vias de investimento libidinal que o fizessem sair do circuito de gozo e dirigir se a novos relacionamentos medida que sua preocupa o transexual desapareceu p de retomar o aspecto masculino que n o foi mais colocado em quest o Aos poucos cessou suas pr ticas d
263. e viril seja nos m sculos na voz grossa ou nos p los No entanto ao escut la subjetivamente essa apar ncia t o masculina era facilmente desfeita por sua do ura e feminilidade na forma de se comportar J havia iniciado por conta pr pria a ingest o de horm nios mas incomodava se principalmente com a presen a do p nis e voz grossa comprovando se que quanto mais tarde se inicia o tratamento hormonal mais dif cil para que o corpo receba os contornos femininos Reside com um companheiro heterossexual sic o qual sempre teve conhecimento de sua condi o que diz n o ser uma quest o para o casal Sua rela o familiar mostra se trangiila e a transexualidade tamb m n o motivo de conflito entre eles Desde a inf ncia identificava se como menina mas somente na adolesc ncia essa condi o foi evidenciada mantendo se integrada dentro do quadro de sentir se pertencente ao sexo feminino em oposi o sua condi o anat mica Suas queixas voltavam se ao sentimento de inadequa o ao mundo social e do trabalho e uma repulsa do seu rg o genital A cirurgia seria a nica possibilidade de ter vida normal A identifica o com a transexualidade O que a faz acreditar ser uma transexual perguntei lhe Antes de conhecer a transexualidade Iemanj n o sabia o que acontecia com ela mas sentia nojo de seu corpo masculino e sobretudo de seu sexo Considerava que seu nico problema era ter c
264. ealidade t o em evid ncia em nossa contemporaneidade do tudo poss vel rompendo assim as barreiras do olhar vigilante de si mesma e do Outro Come a o fim de semana e a solid o se amplia at que novamente quarta feira no calend rio E ent o novamente se inicia o ritual da espera e da prepara o para enfrentar os olhares das pessoas dentro do nibus que talvez a atravessem j que a mulher ainda invis vel Ao sentar se no banco do nibus exercita a sua forma de se comportar diante do desejo de pertencer a esta sociedade Enquanto o nibus anda de um ponto a outro J ana observa as casas as ruas as pessoas as rvores e aos poucos percebe que faz parte dela e que poss vel transitar de dia J possui amigos e amigas que torcem para que d certo a cirurgia A rotina das sess es de an lise criou a intimidade tamb m na sala de espera entre os funcion rios da recep o e aos poucos sua feminilidade se torna vis vel J ana agora tem muito pouco do Jo o E isso passa a fazer parte de um passado remoto do qual ela pretende cada vez mais se distanciar Seus seios cresceram assim como seus cabelos e suas unhas Sua voz est mais fina e seu sentimento de pertencer esfera do que feminino est prestes a se completar Ap s a cirurgia que transformar seu rg o genital de masculino para mais pr ximo do feminino o jur dico poder reconhec la como Joana N o se sentir mais uma caricatura de mulher pois
265. ebam uma forma de investimento que ele chama de narcisismo negativo Segundo ele para a m e da crian a transexual o corpo imaginado adquire a dimens o de uma realidade que n o leva em considera o a realidade anat mica do filho Essa forma singular evidente na transexual n o de uma forclus o de seus rg os genitais pois nesse caso sua exist ncia n o teria nenhum significado ps quico Se para essa crian a sua anatomia apenas como o significado de masculino e feminino de acordo com a casca lhe for apresentado como representa es anteriores n o ter outra sa da sen o dobrar a realidade imposta e construir uma representa o sexual de seu corpo a partir dos dados ps quicos oferecidos Para ele um sentimento de identidade sexual em desacordo com sua anatomia prefer vel e menos angustiante que a amea a de destrui o da n o exist ncia CECCARELLI 1998 Garcia 2002 p 95 apresentou considera es a partir da oficialidade psiqui trica para ent o se distanciar dela Salienta o fato de que pelos dados estat sticos h uma incid ncia muito maior de casos masculinos afirmando que as travestis s o exclusivamente do sexo masculino e os homossexuais masculinos ao menos em termos de visibilidade social e cl nica excedem em muito a quantidade num rica de mulheres masculinizadas Al m do aspecto quantitativo aponta que os problemas quanto identidade de g nero mais preco
266. ece um caminho mais curto para o apaziguamento desses conflitos identit rios muitas vezes ainda presos em uma bissexualidade ps quica e que tem na oferta cir rgica a solu o para se manter na ordem sexual diante das novas demandas do Outro Rassial 1999 prop e tomarmos a adolesc ncia como um tempo em que o sujeito questiona a consist ncia do Outro e como o momento l gico da fabrica o do sinthoma como elabora o da passagem do pai ed pico para o pai buscado no social do auto erotismo para uma posi o sexuada N o se trataria de um sintoma fixo como no adulto mas como um estado de estrutura que garantiria a passagem do sujeito pela adolesc ncia podendo tornar se parte da estrutura do mesmo Trataria de um sinthoma social e sexual que questionaria n o s os princ pios da estrutura familiar como tamb m os princ pios da sociedade Podemos hipotetizar que se o ser adolescente faz sinthoma ao lan ar se no campo social a transexualidade pode ser uma dessas manifesta es subjetivas decorrentes de uma identifica o a um tra o na aus ncia de alternativas que possam ter efeitos de produ o de significantes na passagem da posi o infantil para uma posi o adulta Inventar um corpo feminino poderia ser pensado como um fazer sinthoma constru o que se manifestaria podendo vir a se fixar mas n o necessariamente como parte estrutural do sujeito As experi ncias corporais narradas parece ser a express
267. eguran a uma certeza a nica certeza que n o temos nunca precisamente a da especifica o anat mica p 153 Para esse autor n o se pode falar de certeza de uma identidade sexual mas no m ximo de um sentimento de pertencer a um g nero seja feminino ou masculino no terreno de uma cartografia imagin ria Desse ponto de vista haveria dois planos distintos de um lado o real de nossa anatomia e de outro lado a identidade sexual resultante de uma elabora o ps quica a partir desse real mediado pela rela o do sujeito com o falo Essa rela o antes de tudo uma rela o com o real da diferen a dos sexos isto o real que suscita a vinda do pr prio objeto f lico que por ser imagin rio permite apreender a inadequa o poss vel entre a sexua o anat mica e a identidade sexual Fora da refer ncia atribui o f lica torna se dif cil compreender os avatares determinantes das flutua es nos processos de constru o da identidade sexual dentre elas a identidade transexual Para prosseguirmos nesta defini o necess rio que se fale sobre a constitui o do sujeito O caminho que permite crian a passar da totalidade real e imagin ria com sua m e constitui o de sua subjetividade 6 1 1 A Constitui o do Sujeito Quando nascemos somos como que uma grande boca e pela boca que iniciamos nossa viagem em rela o ao outro ao mundo externo ao outro de n s mesmos E paradoxalmente
268. eito do que farei voc s notarem que n o se pode dizer que seja vida pois aquilo tamb m porta a morte a morte do corpo por repeti lo Costa 2003 associa a muro ao objeto a para dizer que esses objetos pulsionais manifestam sua estrangeiridade tem efeitos de estranheza O amuro responderia pelo gozo do corpo do Outro como lugar de c digo Teria que haver uma rela o entre o corpo e o Outro j que desse lugar se produziriam as representa es e identifica es que s o suportes corporais A imbrica o que se constitui imaginariamente como interdepend ncia diz de um acoplamento nunca completado e precipita se como resto nas forma es inconscientes o resto corporal do c digo ou mesmo o resto de um c digo corporal al ngua a incid ncia do objeto a na l ngua COSTA 2003 p 66 A condi o de instituir um sujeito ao c digo Como sugeriu Preciado todos est o j mais ou menos operados as por tecnologias sociais precisas Todos s o p s operados N o existe corpo livre de investimentos discursivos in natura O corpo j nasce maculado pela cultura BENTO 2003 p 87 155 passa pela necessidade de dar lhe um corpo o que implica em passar pela fala como express o corporal A transexualidade pode surgir como uma barreira entre o sujeito e o Outro e a cirurgia e a a o dos horm nios pode por um lado funcionar como um escudo protetor uma borda um limite contra a amea a de dispers o de fragm
269. eja que o significante Falo indispens vel instaura o dessa identidade tenha sido transmitida no caso mais comum pelos seus pais e a rela o destes com esse mesmo Falo e aceita pelo sujeito O sujeito ent o renuncia ao objeto em troca do significante que o nomeia A esse processo a psican lise chamou de identifica o 6 1 2 Identifica o Para a psican lise n o h como pensar em identidade sexual sem pensar em identifica o que se refere ao fato do sujeito idem ficare ou seja ficar id ntico ao que o Outro fez dele por isso que Freud reiterado por Lacan diziam n o h eu sem o Outro ou melhor n o h identidade sem alteridade Ap s um percurso te rico sobre o modo como entendemos o processo por meio do qual o ser humano realiza o seu caminho at identifica o sexual chamado por Freud 1921 de identifica o origin ria e por Lacan de identifica o narcisista cuja viv ncia identificat ria com a m e o fazia supor ser o falo passamos para a fase seguinte o direcionamento ao pai e sua palavra Lacan desenvolveu esse conceito a partir da sua rela o com o real simb lico e imagin rio Segundo Freud haveria uma identifica o primordial Vateridentifizierung que interv m na constitui o do sujeito reconhecida como a identifica o real que vai assegurar a identidade sexual pelo reconhecimento paterno articulando o sujeito com o Falo simb lico Processo inaugural na aquisi o da cria
270. em equivale a pens lo como capturado pela linguagem que o coloca em uma estrutura que surge do corpo m quina organismo e o conduz l gica simb lica Desse modo a constitui o do corpo deve ser suposto como um jogo entre algo que conhece e algo que ignora entre o Eu e o Isso Maria v no espelho o que n o corresponde com a imagem que tem do seu corpo da ordem de um estranhamento o isso Isso n o me pertence n o reconhe o como meu apontando para p los p nis voz Um eu ideal imaginarizado especular que dever se articular ao seu ideal de eu Essas pacientes n o se reconhecem no espelho ou o que este reflete de sua imagem inconceb vel quando me olho no espelho n o me reconhe o aquele que o espelho reflete n o sou eu e eu preciso modificar meu corpo antes que ele mate meu eu Por que esses sujeitos humanos precisam alterar o corpo para se reconhecerem nele Mesmo reconhecendo que faz parte de seu corpo n o reconhece o p nis como sendo de si pr prio outras duas inst ncias S R I e na segunda 1970 1978 o real que foi colocado na posi o dominante R S L 145 2 Sua imagem refletida no espelho n o como imagina imagin rio ou seja sua imagem corporal n o coincide com a imagem que o espelho lhe retorna confirmando o que a psican lise nos informa o corpo para o sujeito n o o mesmo que um organismo N o se trata da experi ncia
271. em uma cultura predominantemente heterossexual e a melancolia produzida justamente pela produ o obrigat ria de uma elei o de objeto heterossexual Se a cultura renega o apego homossexual para Butler 2002 p 214 pode se pensar que na transi o da melancolia considerada como economia especificamente ps quica melancolia como elemento do circuito do poder regulador produzindo como efeito a consolida o de um discurso que naturaliza o g nero e legitima formas de domina o Nesse ponto a autora afirma que a incorpora o de uma identidade uma fantasia de literaliza o ou fantasia literalizante do corpo fazendo com que se pense que tornar se um g nero um processo de naturaliza o Partes do corpo se tornam focos de prazer porque correspondem a um ideal normativo que ela denomina de p nis literal e vagina literal Por essa raz o alguns rg os s o amortecidos e outros vivificados de modo a se enquadrarem dentro das pr ticas legitimadoras das identidades A descontinuidade radical entre prazeres sexuais e partes corporais que pudemos observar nos discursos das pacientes transexuais seria segundo esse pensamento uma transfigura o do pr prio corpo desejante que ali s para desejar tavez fosse necess rio acreditar em um ego corporal alterado Essa condi o imagin ria do desejo sempre excede o corpo f sico pelo qual ou no qual atua BUTLER 2003 p 108 O corpo real nunc
272. empo fora porque trabalhava na ro a e em poca de colheita o trabalho era ainda maior N o batia na gente mas tamb m era um tanto ausente bebia e minha m e reclamava muito dele A presen a de J no quarto deles parece refletir certo distanciamento na vida sexual conjugal Acredita que por ser a ca ula sempre foi muito paparicada Sua irm mais velha sempre lhe deu presentes e lembra se do dia em que perguntou se ela preferia uma boneca ou um carrinho e ela escolheu uma boneca a qual preserva at hoje 219 A rela o com o corpo J fala de um corpo fr gil e doente e que mesmo sem tomar horm nios seus seios s o um pouco salientes o que n o se comprova Tem problemas de sangramento no est mago lcera e vai sempre ao m dico Embora consulte um gastro o m dico em quem realmente confia o mesmo que sua m e a leva desde que nasceu Trata se do ginecologista da m e mas que cuida de J quando apresenta algum problema de sa de N o havia associado o sangramento do nariz na inf ncia ao sangramento do est mago mas quando eu aponto me responde Acho que meu sangramento vem da alma diante do sofrimento de ter nascido num corpo de homem O sofrimento faz sangrar O que voc entende sobre isso Vem para J a imagem de Jesus Cristo mas n o sabe dizer o que tem a ver Sangramento de Cristo remete a sacrif cio o que isto poderia se relacionar com sua hist ria Perguntei mas J nada falou sobre
273. empre me pareciam que estavam tudo bem por exemplo quando ela dizia sentir se exposta perante os olhares das pessoas que atravessavam a roupa e a faziam suar tanto O que esconderia de si mesma Aos poucos sente que falar sobre si n o amea a a possibilidade da cirurgia a n o ser que decida n o realiz la Passa a utilizar se do espa o de escuta para falar de suas experi ncias afetivas de coisas que nunca imaginou que teria coragem de contar me pois lhe causavam muita dor A hist ria familiar Jac narra que quando tinha um ano de idade sua irm 3 anos morreu Escutou muito tempo sua m e falar da falta que sentia da irm despertando nela a necessidade de tamponar o vazio da m e estando mais pr xima dela Percebia que a m e alimentava por essa filha morta um amor diferente por ter sido uma filha especial e que talvez j soubesse que iria morrer pois n o era desse mundo pertencia aos reinos dos c us Embora n o se lembrasse da irm escutava dos irm os mais velhos que ela cuidava muito de Jac como se fosse sua boneca Talvez eu tenha tentado suprir a falta que a minha m e sentia da minha irm Jac queixava se de um medo originado quando na morte da irm e que se transformou em medo do escuro Esse medo lhe provocava ang stia a ponto de n o conseguir dormir no quarto com a luz apagada Relatava ainda sua dificuldade de ser a ca ula condi o que a colocava como menor e que
274. encontrava alienado nesse pedido de altera o corporal 258 Percebia se certa rigidez uma tentativa onipotente de controle sobre sua realidade talvez porque se n o f sse assim o abismo apareceria Parecia buscar um representante para esse abismo impossibilidade de reconhecer se como menino e para si mesma Mara se apresentava convicta dessa sa da hormono cir rgica e isso a fazia resistir a falar com receio de que qualquer deslize pudesse modificar o que para ela j estava decidido desde a inf ncia Esse era o fantasma que a impedia de falar como se eu pudesse perceber seu logro e impedi la de concretiz lo Podemos supor que a integra o dos sistemas simb licos das marcas de refer ncia a respeito do masculino e feminino estavam ligadas pelas perturba es apresentadas pela din mica familiar observado em seu discurso de um lado uma valoriza o por tudo que dizia respeito ao feminino e por outro lado uma deprecia o dos atributos relativos ao seu sexo biol gico no complexo de dipo que a quest o da filia o e sexua o se unem para que o sujeito realize sua posi o subjetiva e elei o de um objeto sexual Assujeitada aos desejos da m e a crian a encontraria no Nome do Pai o representante da lei que indicaria seu lugar na rela o parental O desprezo de Mara pelo pai talvez tivesse refor ado sua identifica o imagin ria com a m e eleita seu objeto de amor Diante da fr gil figura ma
275. ens drags kings pansexualismo express es desconhecidas at pouco tempo atr s Para Louro 2001 n o se trata apenas de pensarmos que as posi es de g nero e sexuais se multiplicaram e escaparam dos esquemas bin rios mas admitir que as fronteiras v m sendo constantemente atravessadas e que o lugar que alguns sujeitos vivem exatamente a fronteira Por m para Badinter 1993 o s culo XX n o tirou a homossexualidade da pris o Um s culo ap s o processo de Oscar Wilde muitos continuam a olhar a pessoa homossexual como criminosa doente ou desviante Uma raz o seria a ignor ncia e a outra a ideologia uma vez que a nossa concep o de masculinidade heterossexual a homossexualidade desempenha o papel de contraste e sua imagem negativa refor a ao contr rio o aspecto positivo e desej vel da heterossexualidade BADINTER 1993 p 106 Isso nos leva a refletir que esse aspecto tamb m refor a a ideologia associada ao tratamento da suposta transexualidade quer do lado de quem o solicita quer do lado de quem o oferece Laqueur 2001 nos permitiu ver que as no es de diferen a biol gica de sexo e diferen a cultural de g neros n o s o dados neutros que se imp em consci ncia mas id ias criadas pelas cren as cient ficas pol ticas filos ficas religiosas etc sobre a natureza do seres humanos A partir do dimorfismo observamos a emerg ncia de subjetividades nas quais o g
276. enta o que s o efeitos da intrus o de gozo Por outro lado pode haver casos onde uma cirurgia ou seja n o s a retirada do p nis mas a redu o do est mago a cirurgia do nariz etc podem dar lugar a viv ncias de despersonaliza o psic tica O car ter irrevers vel de uma interven o cir rgica pode produzir efeitos desestabilizadores uma les o irrevers vel da compensa o imagin ria que garantiria ao sujeito uma identidade no que concerne ao furo narc sico origin rio da psicose ou o contr rio a possibilidade da estabiliza o que as transforma es corporais da adolesc ncia haviam desestabilizado Estamos ent o diante de um corpo que significado enquanto partes que deve ser medido e pesado e reduzido a um tra o significante e que deve gozar Para isso ele entregue ao saber do Outro para que seu corpo seja manipulado controlado enformado con formado tecnologia medicina social ao reduzi los f rma da normatiza o cultural Aqui encontramos um paradoxo por um lado se considera a singularidade de cada um diante do ideal de seja voc mesmo e do outro lado as crises de identidade ao ter que se enquadrar na cultura revelando a plasticidade do ser em sua capacidade de passar de uma m scara outra para n o enfrentar o vazio que h por tr s delas lan ando as s repetitivas substitui es em busca de um lugar uma identidade O resultado dessa cultura do narcisismo
277. entam as discuss es sobre o heterossexismo que a exemplo do racismo e sexismo demonstram a desigualdade social a partir da supremacia da heterossexualidade sobre as outras identidades Em reflexo a esses movimentos a Sociedade Americana de Psiquiatria SAP decidiu por meio de vota o retirar a homossexualidade da lista oficial de perturba es mentais em 1973 Daqui a diante trata se apenas de uma perturba o da orienta o sexual que n o concerne ao conjunto dos homossexuais mas somente queles que n o estiverem satisfeitos com a sua situa o pe e portanto se considerarem doentes BADINTER 1993 p 158 Essa vota o democr tica embora pouco cient fica n o impediu que os partid rios da manuten o da homossexualidade no rol das doen as continuassem a apregoar suas id ias homof bicas e a aconselhar tratamentos propagando uma vis o negativa da homossexualidade A pesquisa de Shere Hite confirmou os trabalhos precedentes Dos homens que responderam pesquisa muitos heterossexuais tiveram rela es com outros rapazes na inf ncia e adolesc ncia assim como muitos homossexuais jamais as tiveram concluindo se que cada pessoa ao mesmo tempo homossexual e heterossexual sendo fora de prop sito falar dos homossexuais como uma minoria sexual N o h mais raz es para dizer que todo mundo heterossexual do que para dizer que todo mundo homossexual BADINTER 1993 p 109 81 2 PIA soci
278. ente a busca da verdade o esp rito cient fico caminhava em paralelo com o tratamento assim como a cl nica e a teoria Em 1905 em seu artigo sobre a an lise do caso Dora ele conta como foi conduzido aos problemas do sonho Encontrei os em meu caminho esfor ando me por curar as psiconeuroses por um procedimento particular de psicoterapia FREUD 1980f p 7 Essa passagem evidencia o modo de produ o de conhecimento na pesquisa em psican lise que carrega a for a de um ato criador Qualquer experi ncia de cria o passa pela via singular que cada um tra a ao inscrever em seu percurso um m todo Na vida se podem ter diferentes dist ncias ngulos focos para se ver um mesmo objeto Para enxergar o canavial preciso sair dele sob o risco de s se ver alguns p s de cana Outras vezes a proximidade essencial pois o que se perde em amplitude se ganha em detalhes Quando se quer ver o p de cana necess rio entrar no canavial mas cuidado para n o chegar perto demais pois a se pode achar que uma folha todo o p de cana MOYS S 1998 p 4 Sirvo me dessa met fora para ressaltar a singularidade da pesquisa em psican lise que requer uma atitude de abertura ao in dito movida pela curiosidade O lugar do pesquisador o da espera ou seja de quem n o antecipa a descoberta aventurando se em um terreno desconhecido pois ao direcionar a escuta corre se o risco de nada mais encontrar al m do j
279. entidade que protegia paradoxalmente a vida dentro daquelas sociedades onde se tinha a estranha felicidade ao mesmo tempo obrigat ria e interdita de conhecer apenas um nico sexo De acordo com o autor Quase sempre os que relatam sua mudan a de sexo pertencem a um mundo bissexual e o mal estar de sua identidade traduz se no desejo de passar para o outro lado para o lado do sexo que desejam ter ou que gostariam de pertencer Aqui a intensa monossexualidade da vida religiosa e escolar serve de revelador aos doces prazeres que descobre e provoca a n o identidade sexual quando ela se perde no meio de todos aqueles corpos semelhantes FOUCAULT 1978 p 7 SLAGRANGE Le vrai sexe du transsexuel Psychanalyse l Universit Paris p 101 abril de 1992 66 O saber m dico colocou ordem e assim excluiu definitivamente a possibilidade de Herculine voltar a conviver no mundo feminino que a constituiu enquanto mulher Portanto ela perdeu seu lugar j que biologicamente foi posicionada em um mundo masculino onde n o se reconhecia N o lhe restou outra sa da sen o o suic dio Para Badinter 1986 p 12 essas perturba es tal qual as conhecemos hoje n o questionam apenas comportamentos mas mexem com o que h de mais ntimo em nosso ser nossa identidade a natureza de homem e de mulher raz o de nossa ang stia existencial que nos obriga s reformula es sobre quem somos Qual nossa especificidade de h
280. ento podemos supor que foi a figura idealizada da sua irm morta e para isso teve que inventar algo novo que desconhecia Dizia inicialmente do sentimento da m e em rela o aus ncia da irm e que de algum modo Jac sentia que era ela quem deveria substituir esse lugar vazio Em um encadeamento Jac associa aus ncia do pai que ligada fantasia de ter o destino de preencher o que faltava m e restaria ent o tamb m ocupar o lugar vazio deixado pelo pai Sua m e lhe dizia que ela enquanto filho era igual ao pai irrit vel e agressivo alus o que ela odiava ao considerar o pai um ser abomin vel e ausente Na aus ncia dessa possibilidade tida como insuport vel por Jac ocupar o lugar do pai restava lhe o sintoma instalado no corpo atrav s do desmaio e na passagem ao ato de travestir se Seu pai estava afastado h muitos anos das atividades profissionais sendo muito mais velho que a m e aposentado por invalidez o que anulava o car ter sexual e de for a do qual ele havia sido portador posicionando o no lugar de quem exigia cuidados O ponto negativo do pai se referia ao fato de nunca ter respondido na fun o de prover financeiramente e de proteger a fam lia que por sua aus ncia fez com que a fam lia passasse fome Isso fez com 244 que Jac se precipitasse em responder a essa falta permancendo pr xima da m e e abrindo m o de seus planos pessoais Assim evidenciou se o apagamento do que a
281. er em corpo de homem a viv ncia at ali foi de conflito se n o consigo mesma pelo menos em suas rela es com os outros nas quais tinha de se virar como dava e como em suas rela es isso era poss vel A ideologia e a tecnologia m dica de certa forma recusam a singulariza o da queixa do sujeito ao reduzi lo a um corpo que necessita ser retificado para voltar ao seu lugar silenciado de normal de onde n o deveria ter sa do Longe de pretender culpabilizar os m dicos ou critic los esse lugar tem uma representa o simb lica milenar Como em toda rela o sup e se mais que uma pessoa portanto h do outro lado algu m que recusa sua subjetividade e nada quer saber sobre si demandando ao m dico o lugar do mestre que sabe mais sobre ela 4 A posi o do psicanalista confrontado com o tratamento segundo Frignet 2002 ditada pela tica de sua disciplina Cabe a ele ouvir a demanda para al m de seu objeto imediato e responder a ela sem preocupa o de cura sem empatia nem antipatia pelo sintoma ou por aquele que dele portador mas guardando na mente que a manuten o de uma posi o rigorosa e desprovida de compaix o tamb m suscet vel de aliviar a pessoa inclusive de seu sofrimento E acrescenta propor ao sujeito por em jogo sua fala em vez de ficar nos meros benef cios do gozo experimentado atrav s de seu sintoma At mesmo de aument lo ao oferecer o corpo a gestos cir
282. er o mestre que direciona n o esquecendo que se trata apenas de um semblante preocupar se em conduzir uma escuta anal tica sabendo que o importante n o dirigi la ent o que haver a ocasi o para o analista ser tocado por uma verdade que seja ao mesmo tempo uma verdade para o analisante N sio 1999 diferencia tratamento e experi ncia anal tica o primeiro seria o conjunto do caminho que analista e analisante seguem e h momentos de ruptura momentos radicais chamados de experi ncia A dire o do tratamento conduzida para o ponto que Lacan designou como segii ncia transferencial sendo este o objetivo mais imediato em uma an lise onde quer que ela aconte a em um leito de hospital em um div em um banco de jardim ou mesmo nas montanhas como fez Freud ao escutar a paciente Katharina 1980e 1893 Para a cl nica lacaniana toda experi ncia humana estrutura se em rela o a tr s dimens es que s o aquelas da experi ncia anal tica destacadas por Lacan ao longo de sua obra sob os nomes de Real Simb lico e Imagin rio Para N sio 1999 o psicanalista tem a ocasi o de levar o paciente a ocupar um lugar nessa experi ncia o lugar do objeto que fala de uma verdade do inconsciente O autor salienta a necessidade de o analista utilizar se para isso de uma t cnica que n o se trata de uma ferramenta ortodoxa atuando sobre o processo de tratamento mas de algo que se passa na singular rela o analista
283. er uma mulher E como gozar como mulher Ela n o sabia como era e n o fazia quest o de saber mostrando que n o era disso que se tratava sua busca pela altera o corporal o que permitiu nos pensar que mais que transformar se em mulher ela pretendia ocupar um espa o onde n o fosse homem 176 A busca pela altera o corporal Falou da cirurgia que lhe daria uma vagina reafirmando n o se importar com o fato de que poderia n o ter orgasmo ficando claro que a representa o do corpo deveria ser respaldada pela identifica o com a apar ncia feminina Preciso tirar isso se referindo ao p nis o quanto antes gozar n o importante o que eu quero ser reconhecida como mulher Reconhecida por quem eu questionei N o d para ir pra cama com um homem tendo um p nis no meio das pernas no meio das pernas de quem eu penso Remeteu se a uma lembran a da inf ncia que para ela poderia ser a matriz de sua decis o em mudar de sexo deparou se com o pai urinando em p A imagem horr vel do p nis grande e cheio de p los foi petrificante ao lev la a constatar que um dia teria igual Como era comum tomar banho com a irm mais velha acreditava que um dia n o teria aquele penduricalho pois quando Maria perguntava pelo pipi da irm esta lhe dizia que estava escondido dentro de seu corpo a o que Maria passou a realizar na adolesc ncia para que o p nis n o aparecesse Essa cena nos remete a
284. era o de mudan a de sexo justamente um exemplo do que um del rio logrado CALLIGARIS 1989 p 37 Para esse autor na organiza o neur tica a met fora paterna produz a significa o sexual produz sexua o Trata se da quest o da castra o ou seja da distribui o da significa o sexuada do lado do masculino ou do feminino da ordem da fun o simb lica paterna Para o transexual psic tico neste sentido a opera o poderia ser compreendida como um substituto logrado da met fora paterna neur tica mas com uma mudan a de registro O que para o neur tico a significa o sexuada obtida na filia o simb lica torna se aqui sexua o obtida numa opera o cir rgica ou seja no Real CALLIGARIS 1989 p 38 Embora concorde em parte com o que prop e o autor precisamos questionar aqui se na posi o de psicanalistas nos cabe a fun o de permitir ou recusar a interven o cir rgica quer trate se de um psic tico quer trate se de um neur tico Para Calligaris 1989 permitir ao transexual psic tico realizar a cirurgia seria possibilitar que ele escolha resolver a quest o no Real do seu corpo alterando o seu sexo ao inv s de construir uma met fora delirante Ao tentar produzir uma significa o sexuada a partir da filia o com uma fun o paterna no Real tal qual a exemplificada por Schreber funcionaria como o quarto elemento do n borromeano 103
285. erc estamos para satisfazer nossa demanda LACAN 1958 p 45 Demanda esta articulada entrada no Simb lico a partir da necessidade e do desejo sob a forma de uma libra de carne que segundo Lacan o sujeito paga sua entrada no campo simb lico Isso sugere que a carne uma esp cie de res duo necess rio para a constitui o de um corpo A carne corpo antes que haja corpo propriamente dito ou seja como fun o de identifica o imagin ria antes que exista sujeito Como todo mito ele tenta capturar a origem imposs vel de um processo No caso do mito lacaniano da carne essa origem inacess vel esbo a uma teoria da contra identidade ou seja isola uma regi o da subjetividade que n o dominada pelo empuxo identidade e identifica o DUNKER 2006 Como um sujeito humano pode tomar uma parte de seu corpo como algo estranho Algo que ele quer retirar porque n o reconhece como parte de seu eu Mara dizia eu quero ter um corpo que eu n o precise escond lo que ele expresse minha identidade feminina H portanto sempre um elemento que n o se pode inscrever nem na ordem do corpo entendido como organismo nem na ordem do corpo como experi ncia ps quica Esta dimens o terceira do corpo compreenderia o espa o do que se prop e chamar de carne e que nos casos de algumas das pacientes atendidas poder amos associar a esse peda o de carne o p nis que deve ser retirado porque n o foi invest
286. eriam prisioneiras do ritual ao passo que na nossa sociedade ser amos ref ns de um saber m dico Em ambos os casos estariam lidando com conven es culturais que levam as pessoas a aderirem a elas e poucas refletem sobre o dissenso em rela o s mesmas Isso nos faz pensar no que Freud falou a respeito em seu trabalho sobre Psicologia de grupo e an lise do eu 1921 nesses casos se diluiria o eu individual em favor do grupal Quanto mais eles s o somente um agrupamento e n o uma organiza o social mais a for a dos impulsos se sobrep e fun o da realidade das coisas como uma esp cie de cont gio emocional em contraposi o a uma inibi o intelectual O fen meno observado nos grupos de transexuais na internet e a facilidade com que as informa es s o difundidas de modo a se criarem formas de identifica o e pr ticas corporais 158 Segundo Corr a 2004 uma interven o m dica para corrigir uma ambigiiidade seja percebida como defeito no nascimento no caso de intersexuais ou autodefinida como nas transexuais incidem ambas sobre a alma e o corpo mas os agentes dessa transforma o parecem acreditar que em um caso trata se de mudar o corpo sem interven o na alma e no outro de adequar o corpo alma misteriosamente formada sem apelo ao corpo Essas e outras interven es no corpo humano t m possibilitado refletir sobre as conven es que regem as discuss es sobre
287. ermite resolver uma vez que o conceito de corpo n o algo natural mas est sempre em constru o ou seja n o falamos de corpo a n o ser em sua rela o com a linguagem cultura hist ria e sociedade Dunker 2006 considera que na cl nica psicanal tica h muitas formas de corporeidade corpo falado corpo representado esquema corporal imagem corporal psicossom tica O que permitiria uma relativa estabilidade diagn stica contrasta com o reconhecimento de que as formas de representa o e express o do corpo soam sempre insuficientes para o pr prio sujeito Virtualmente cada caso cl nico traz consigo uma narrativa cuja caracter stica o seu n o inteiro reconhecimento pelo outro tal como o discurso transexual que deve ser compreendido em um espa o de corporeidade o qual n o precisa ser pensado puramente como anterior linguagem ou puramente vivencial Ou seja n o revela apenas uma negatividade da simboliza o nem somente um excesso imagin rio H algo de real para Dunker 2006 e n o apenas de indiz vel na semiologia corporal psicanal tica Nesse espa o indiscern vel no duplo sentido do que n o se pode contar e do que n o encontra um centro ele sugere a introdu o da id ia de carne 139 Essa id ia aparece para reter o car ter n o inteiramente articul vel do desejo esse desejo est situado ali entre o Outro como lugar puro e simples da palavra e o outro enquanto ser de carne a cuja m
288. ero que as pessoas me digam que as estou enganando Que eu me fa o de santa Mas s o elas que se enganam com minha apar ncia Nunca usou saia nem maquiagem al m de uma base facial para esconder os p los embora eles sejam poucos Seu cabelo comprido mas n o usa qualquer enfeite que a A 66 caracterize como mulher Se faz de santa e virgem Parecer ser Esta a quest o que fa o a J Enquanto parecer ser suficientemente feminina assim ser O problema seria os homens atravessarem o olhar para al m da apar ncia e da constatarem o engano Quando se est assim a gente n o vive porque n o pode dizer que ama uma pessoa e dificilmente ser amada como mulher Isso faz a gente sofrer muito N o d para ir praia porque dif cil esconder o p nis usando um biqu ni Se descobrirem que um homem eles n o chegam perto ou ent o a nica coisa que procuram o sexo JUm homem uma vez me disse Para quem voc est se guardando E eu respondi que para o homem com quem irei me casar Ele ficou indignado dizendo que como eu saberia o que era bom para mim se n o tivesse experi ncia se eu n o fizer sexo posso estar perdendo a chance de conhecer o homem da minha vida Pergunto o que ela achou e ela me responde que sabia que era um papo para convenc la a transar com ele Os homens s o todos iguais a nica coisa que eles querem fazer sexo Como
289. es de la conscience collective Paris 1945 52 social dos eunucos ou de forma diferente as hijras da ndia que efetivamente sofrem uma amputa o do p nis Em algumas culturas as for as que impulsionam essas formas de express o s o particulares assim como a no o de sexo tratando se de uma nomea o social que define o lugar do sujeito o caso dos inuits em que a crian a recebe o nome de seu ancestral com o qual se identificar e ser tratado pelos outros independente de seu sexo biol gico estar de acordo Somente na puberdade vai escolher entre voltar ao sexo de nascimento ou prosseguir em uma posi o onde a no o de sexo n o exerce papel algum FRIGNET 2002 Entre os ind genas norte americanos existiam os elxas ou seja um homem ou mulher que tivesse sofrido uma mudan a de esp rito e sonhasse demasiado estaria sujeito a sofrer uma mudan a de sexo ficando com a voz e a mente do sexo oposto Nessa cultura acreditava se que havia algum esp rito com o poder de transformar um homem em uma mulher Sinais dessa transforma o apareciam na inf ncia e os homens que se comportavam como mulher eram conhecidos como berdaches PINTO BRUNS 2004 Na Europa havia os Sauromatas cujas mulheres chamadas de amazonas quando crian as tinham o seio direito decepado Supostamente isso fazia com que essas guerreiras ndias montassem a cavalo e fossem mais geis no uso do arco e flecha Na A
290. es hormonais e cir rgicas sejam realizadas ainda na puberdade para que possam agir de modo a beneficiar a apar ncia ap s avalia es bem delineadas por equipes multidisciplinares por considerarem que os resultados s o melhores se realizadas nessa etapa da vida Por m n o deixam de sinalizar os riscos de um tratamento injustificado Penso que s o quest es a serem discutidas pois minha experi ncia com Mara levou me a pensar qual seria a diferen a de aguardar ou n o a cirurgia o tempo necess rio para elas ou para a equipe Acho que um tempo para que o sujeito possa significar esse pedido importante para que se possam produzir novas respostas embora nem sempre seja poss vel ou suficiente Com autoriza o ou sem autoriza o ela j havia iniciado a administra o de horm nios e a oferta de escuta tanto com a psic loga anterior quanto comigo n o produziu efeitos a n o ser de aumentar a resist ncia a pensar sobre o assunto ao imaginar que poderia convenc la do contr rio A sa da poss vel poderia ser a oferta de um lugar onde novas demandas pudessem surgir bem como novos saberes pudessem circular trazendo o efeito de quest o ao sujeito ao permitir que se amenizassem as press es ligadas principalmente exclus o social bem como a orienta o e monitoriza o do uso de horm nios e seus efeitos Talvez a partir do momento 260 que as transexuais deixarem de ser consideradas psic ticas ou transtornad
291. espec fico de sete transexuais femininas adultas que n o mais estavam em atendimento possibilitando vislumbrar um panorama representativo da din mica subjetiva de cada uma A quest o principal que norteia este trabalho se refere a como se organiza a subjetividade de uma pessoa que em nome de sua identidade sexual demanda uma transforma o definitiva no corpo com o prop sito de aproximar sua anatomia ao sexo biol gico oposto A leitura psicanal tica do material cl nico obtido privilegiou os aspectos que permearam a busca pela cirurgia de mudan a de sexo e os processos de subjetiva o que atuaram na constru o desse pedido de altera o corporal Foi poss vel constatar que tais constru es subjetivas sofrem os efeitos dos modos como os processos de identifica o e sexua o foram vivenciados As sa das ou solu es encontradas em sua din mica pulsional revelam que enquanto um fen meno do nosso tempo al m da fascina o pela imagem a busca pela tecnologia que se sup e ser capaz de dominar o Real esteve pautada em um duplo eixo um horizontal em sua rela o com o semelhante que tornaria o desejo por um outro homem livrando se da homofobia e do estigma um efeito da sua hetero e n o mais da sua homossexualidade E um outro eixo vertical na rela o com o Outro da ci ncia pautada no imagin rio de que a forma biol gica dos genitais que define a identidade sexual e n o o Falo referente da Lei simb
292. espectivamente o trauma de haver se sentido quando crian a um menino fracassado recha ado principalmente pelo pai porque n o era suficientemente viril Esta rejei o vivida como uma castra o narcisista decorrente de um conflito com o pai no qual o menino volta seu dio contra si mesmo e mais especialmente contra a parte de si mesmo que representa o pai o p nis A posi o homossexual denegada na cren a de ser uma Conforme Roudinesco e Plon 1998 p 145 caracteriza um mecanismo de defesa por meio do qual o sujeito exprime negativamente um desejo ou uma id ia cuja presen a ou exist ncia ele rejeita Deve ser diferenciado renega o de verleugnung recusa que remete ao mecanismo de nega o pr prio das psicoses e da pervers o Conforme Chemama 2002 p 41 42 Verneinung traduzido inicialmente como A Negativa ou Nega o est ligada a algo que est recalcado e s pode apresentar se consci ncia negando o Nenhum nan n o prov m do inconsciente E essa dimens o do imposs vel que Lacan ir chamar de real Assim a nega o como s mbolo articula se ao real 91 mulher lhe permite realizar sem vergonha seus desejos de proximidade ao pai A m e n o confirma a masculinidade do filho pois nem para ela tem sentido a diferen a dos sexos Green 1999 embora n o tenha se ocupado da transexualidade enquanto tal prop e o conceito dos casos ditos limite que se situar
293. essas biotecnologias Na maioria desses casos como ocorre nos travestimentos o corpo masculino que feminilizado partindo se da suposi o de que mais f cil criar uma vagina como um rg o passivo do que um falo com ere o e dimens o suficientes Mais f cil cavar um buraco do que erguer um poste express o popularizada Maluf 20024 ao analisar a experi ncia transg nero 2 tal qual apresentada na atualidade considera que quando uma pessoa porta um piercing ou uma tatuagem tamb m uma forma de constituir se como um determinado tipo de pessoa nesse caso o corpo ou mais especificamente uma determinada corporalidade que constr i uma determinada pessoa A autora 2002b prop e repensar o corpo a partir do que ela vai chamar de experi ncia de margem ao se referir ao fen meno transg nero ao analisar o personagem Agrado do filme de Alm dovar Tudo sobre minha m e 1999 A partir das transforma es corporais e principalmente da fala sobre esse corpo que s ganha exist ncia enquanto corpo do qual se fala que Agrado aparece como sujeito N o o corpo fabricado o que ele tem de mais aut ntico mas a experi ncia vivida da metamorfose inscrita nos seios de silicone a subjetividade corporificada que se constr i nesse movimento em dire o ao Outro Para Bento 2004 se a sociedade se divide em corpos homens e corpos mulheres aqueles que n o apresentam essa correspond ncia fundante tendem a esta
294. essoas j chegam vestidas de acordo com o g nero ao qual sentem pertencer e tamb m j se autodiagnosticaram como transexuais de acordo inclusive com o que se convencionou para tal tendo na maioria das vezes iniciada a administra o de horm nios por conta pr pria Nem sempre se verifica no atendimento uma demanda de resolu o de conflitos quanto ao seu desejo transexual e cirurgia que pretendem realizar Os conflitos apresentados centram se em geral no mbito social e familiar A principal quest o colocada o reconhecimento de si pelo outro atrav s de uma adequa o 2 CLAVREUL J desenvolve essa id ia em seu livro A Ordem m dica poder e impot ncia do discurso m dico 33 2 anat mica e jur dica Esse reconhecimento de si mesma como mulher o que prevalece em todas as suas rela es e inclusive comigo Outro dilema apresentado nessa cl nica diz respeito ao car ter surpreendente e enigm tico de uma pessoa que aparece no ambulat rio com uma apar ncia andr gina nem homem nem mulher nos moldes em que estamos acostumados a nos referenciar mas na maioria das vezes n o deixa claro como gostaria de ser identificada Essa ambig idade permeia tamb m os espa os sociais familiares profissionais nos remetendo inicialmente quest o de como ele ela gostaria de ser chamada A se inicia um problema embora precisem demonstrar uma posi o r gida quanto certeza de ser uma mulh
295. esta pesquisa e principalmente as que j n o se encontravam em processo anal tico para que isso n o interferisse na rela o transferencial Preocupa o esta justificada por Mezan 2002 O fato de se saber objeto da aten o privilegiada do analista a ponto de este escrever sobre o seu caso n o inteiramente inocente no andamento do processo anal tico ou eventualmente na resolu o da transfer ncia por mais que nos dirijamos para o leitor em geral quando se escreve sobre um paciente tal escrito ainda parte da an lise desse paciente um di logo com ele p 166 Al m disso Freud 1980m 1912 p 152 j havia advertido que embora haja uma aproxima o entre a pesquisa e a t cnica da psican lise h um momento no tratamento em que a t cnica exigida para a pesquisa op e se t cnica exigida pela an lise Casos que s o dedicados desde o princ pio a prop sitos cient ficos e assim tratados sofrem em seu resultado enquanto os casos mais bem sucedidos s o aqueles em que se avan a por assim dizer sem qualquer intuito em vista em que se permite ser tomado de surpresa por qualquer nova reviravolta neles e sempre se os enfrenta com liberalidade sem quaisquer pressuposi es Essas pessoas buscaram o hospital com um pedido espec fico interven o hormonocir rgica para adequarem sua anatomia ao g nero ao qual sentiam pertencer O protocolo de atendimento do Programa Interdisciplinar de Atendi
296. eteram quanto a necessidade de decidir se tais pessoas eram inocentes Isso implicava em encontrar uma causa para tal comportamento justificando assim a inoc ncia ou a culpa Os psiquiatras objetivavam distinguir n o os atos entre si fun o de uma hierarquia dentro da falta ou de uma ordem p blica mas as pessoas entre elas definindo as s ndromes ou os tipos MERCADER 1997 Nessa poca foi poss vel distinguir na Fran a dois tipos de fen menos Por um lado os comportamentos sexuais entre pessoas do mesmo sexo biol gico foram considerados viciosos e excessivos sendo classificados dentro da mesma categoria que o onanismo a Sin nimo de masturba o definido no s culo XVIII como um v cio solit rio que deveria ser evitado pois o s men descarregado desse modo ocasionaria debilita es no corpo e na mente al m de outros males O escrito mais conhecido sobre o assunto foi um panfleto intitulado Onania publicado na Inglaterra em 1723 com conota es religiosas que prevenia sobre os desastres que tal pecado poderia causar aos praticantes Voltaire e Diderot disseram que a masturba o um prazer delicioso legitimando as pr ticas solit rias SPENCER 1995 63 assinalando se os perigos para a sa de dos que se dedicavam a tais v cios Por outro lado o fato de um homem biol gico comportar se como mulher ou acreditar ser uma ou o inverso no caso das mulheres situava se no marco nosol gic
297. eto orienta o sexual por m identifica se com o g nero feminino sentindo se uma menina O que mais o incomoda em seu corpo sua barba que torna a sua pele muito spera Odeia os p los em si e nos outros Nas sess es falava do sentimento de sentir se mulher do que o levava a pensar assim e se sentir com uma alma feminina atribu da ao fato de ser sens vel a justificativa encontrada para alterar o corpo Mas ser que para ser quem sente que precisa alterar esse corpo questiono Fala ent o de uma necessidade de aparecer pois em um corpo masculino n o se reconhece N o posso ser eu mesma nesse corpo Fala da impossibilidade de permanecer no corpo musculoso e que est cansado de fingir ser quem n o Como seria esse fingir ser quem voc n o questiono e ele me diz N o posso demonstrar que sou uma menina j que principalmente meu pai n o entenderia Embora por v rias vezes o tenha chamado de bicha e de mulherzinha aponto e ele fala que justamente por isso para encobrir o que parecia evidente mas n o era aceito 203 Algo me fazia supor que era mais do que isso J ferson embora frequentasse academia de lutas marciais se incomodava muito com o fato de ter um corpo forte e musculoso e saber lutar ser barra pesada revelando a incoer ncia entre seu discurso queria ser mulher e suas a es cultivar um corpo masculino Justificava que preci
298. evelando como a diferen a entre o masculino e o feminino se constitui e como o universo mental de cada pessoa reflete um determinado tempo e uma determinada cultura Portanto nos cabe aqui dirigir o olhar para como as sexualidades foram tratadas ao longo dos tempos para al m de uma no o naturalizada sobre o corpo biol gico de homem e mulher at nos depararmos com o mal estar que se apresenta na sociedade contempor nea 3 1 DE UM SEXO A OUTRO Quando escutamos um sujeito na cl nica ele traz consigo uma vers o sobre as suas experi ncias atrav s da cria o de um mito particular Ampliando esse contexto podemos perceber o quanto o repert rio de formas com que os seres humanos lidam com a sexualidade e o corpo variado e segue uma l gica que se modifica conforme a cultura Exclu mos assim a possibilidade de tomarmos como refer ncia uma determinada causalidade que viesse a produzir uma normatiza o Neste subcap tulo apresento algumas das vers es relacionadas a uma l gica singular na mitologia nos ritos de castra o e nas diferentes culturas e que nos fazem constatar as pluralidades de possibilidades de subjetiva o do sexo 49 No sentido etimol gico a palavra sexo prov m do latim secare que significa sexuar cortar um lado em detrimento ao outro Ao considerarmos o prefixo trans este se refere ao que transcende e ao que transita associando a transexualidade a um fen meno de transcend ncia
299. exual A identifica o com a transexualidade Essa experi ncia sexual da adolesc ncia desvela a impossibilidade de assumir seu sexo anat mico nega o da homossexualidade como o discurso sexual e se sustenta na convic o transexual A l gica extra da da impossibilidade de um homem desejar outro homem diz do modo como concebe seu sintoma e o travestimento em efeito funcionou para unir o imagin rio sentir se mulher ao desejar um homem ao real desejo por outro homem e o simb lico tabu da homossexualidade e a verdade transexual Lamentava a sua impossibilidade real de ser mulher entendendo sua busca pela cirurgia como a sa da que a livraria do constrangimento vivido ao ter o p nis revelado aos homens Sempre est ligada a algum relacionamento sendo alguns plat nicos e outros apenas passageiros Perde muito tempo nas rela es questionando por que eles est o com ela j que n o se trata de uma mulher proje o de seu desejo homossexual ao mesmo tempo uma recusa N o acredita quando dizem que n o isso que importa Na verdade ela que n o acredita que algu m possa desej la j que n o se aceita Acha que ainda vai viver sua adolesc ncia quando fizer a cirurgia A situa o de mudan a de nome n o algo que a incomoda pois n o esconde sua condi o das pessoas 231 Tem dificuldade em ser confundida e ser desejada por homossexual E voc sabe qual sua posi o N o acho que seja is
300. fala e que Freud prop e faz lo falar produzindo um deslocamento do olhar para a escuta j que o corpo que se trata aquele no qual s se pode falar quando h um sujeito que o venha ocupar Agir sobre o Leib requer ir al m do que se v uma a o sem intermedia o que chamamos pr xis Lacan tamb m se ocupou desse corpo valendo se da ling stica para pensar que a palavra logifica o corpo conduzindo a psican lise para al m da verdade cient fica para al m dos limites do K rper Para al m do biol gico sendo a fala e a linguagem os instrumentos com que o analista toca o corpo e o sintoma nossa fun o intervir nesse entremeio sobre o inconsciente estruturado como linguagem e sobre o discurso obtendo efeitos no corpo pois quando atravessado pela palavra ele tamb m afetado justamente porque a palavra tem efeitos sobre o corpo e ambos se entrela am que poss vel pensarmos em uma escuta psicanal tica e na efic cia desse ato Na aula Fun o e Campo da fala e da Linguagem 1998 d 1953 p 302 Lacan aborda essa articula o entre fala linguagem e corpo A fala com efeito um dom de linguagem e a linguagem n o imaterial Ela corpo sutil mas ela corpo As palavras s o tomadas em todas as imagens corporais que capturam o sujeito podem engravidar a hist rica identificar se ao objeto da demanda do p nis representar o fluxo de urina da ambi o uretral ou o excremento retido
301. feminino Diz que sempre foi grudado na m e e que o pai era muito violento embora n o seja algo que quisesse falar preferindo esquecer 201 A Inf ncia e a Adolesc ncia Passou sua inf ncia e adolesc ncia na casa da av onde permanecia sob os cuidados dela e de suas tias enquanto seus pais trabalhavam o dia todo Sempre que se sujava ao brincar na rua estas lhe davam banho e vestiam lhe com roupas e calcinhas das primas e da irm o que o fazia supor que elas principalmente sua av soubessem de seu lado feminino e aceitasse com naturalidade sua prefer ncia por bonecas e roupas femininas Sua m e por trabalhar o dia todo compensava sua aus ncia levando o aos compromissos do fim do dia academia de gin stica e cabeleireiro mas n o fazia o mesmo com sua irm mais velha Quando as bonecas que ele mesmo confeccionava sin nimo de feminilidade mas possivelmente um objeto protetor contra desamparo e ang stia foi descoberto pelos pais sentiu vergonha humilha o e um dio terr vel que o remeteu cena das tias que lhe davam banho e que faziam piadas com seu pipi que era muito pequeno Relata que j foi barra pesada conviveu com gangues de ladr es e assassinos Se quisesse uma metralhadora saberia como arranjar Teve problemas com drogas sendo acompanhado na adolesc ncia por psiquiatra que o medicou para livr lo da depend ncia qu mica o m dico que segundo J ferson acompanhava a
302. fez quest o de mostrar o quanto era melhor ser mulher Ela sempre anulou meu pai Anulou Pergunto e ela prossegue Ele n o faz nada que os outros homens normalmente fazem Meus tios sempre lembram que antes de casar com minha m e ele era outra pessoa Eu nunca vou querer um homem assim para mim Anulou se como homem Insisto ele que trabalha fora e traz o dinheiro pra casa mas sempre pouco nunca suficiente para a minha m e Ele era um capacho da minha m e E quando ele est em casa ela fica o mandando fazer as coisas Ele lava o quintal ele lava lou a As mulheres sempre tinham privil gios Meu pai e minha m e sempre foram um s 184 Ele nunca fala nada Quem fala o que ele pensa minha m e e isso me com funde assim como funde as id ias do pai com a m e Nem sei quando um e quando outro Ela me fez acreditar que era muito mais vantajoso ser mulher Meu pai traz gua pra ela faz tudo pra ela Mas n o fique achando que por isso que eu quero fazer a cirurgia N o Questiono Por que seria ent o Durante algum tempo eu at pensei que minha m e tinha me influenciado nisso Eu tinha muita raiva quando ela me chamava de maricas Ela fazia comigo o contr rio do que fazia com meu pai Comigo ela dizia que eu tinha que ir para a rua brincar com meus amigos de bola etc Meu pai n o Ele nunca saiu pr nada nem pr futebol nem pr irem pescar nem nada Meu pai nunca falou na
303. fica es secund rias respons veis pelas rela es que o sujeito estabelecer com a masculinidade e a feminilidade CECCARELLI 1998 E portanto nesse movimento identificat rio com o pai e o que este representa enquanto ideal do eu que o menino encontrar o recurso simb lico de sa da rumo 116 masculinidade Da mesma forma a menina poder definir sua feminilidade pela possibilidade de se reconhecer objeto do desejo do homem GARCIA 2002 6 1 3 O Complexo da Castra o como Efeito da Percep o da Diferen a Dois sexos anat micos mas um s princ pio do sexo no inconsciente o falo que o sujeito por outra parte pode recha ar uma puls o cega que exige constantemente uma satisfa o Em efeito ao contr rio da abstin ncia sexual a abstin ncia pulsional n o existe Para Freud o desenvolvimento sexual da libido disposto em fases e Lacan vai mais al m ao demonstrar que o falo n o designa uma das fases mas o ponto de articula o das organiza es pr genitais ao n vel de um significante ordenador o Falo que permite ao sujeito o acesso a um ponto para o qual n o h significante algum em que o sexual como tal n o se faz representar no inconsciente e Freud chamou de castra o o ponto no qual o pr prio falo como significante incide como faltoso ELIA 2004 p 66 O Falo ent o o s mbolo do non sens do desejo e portanto o Nome do Pai o nome deste non sens
304. go eu prefiro morrer Estou cheio prefiro me suicidar Quando as coisas n o saem do seu modo ou voc quebra tudo ou amea a morrer Eu sou desequilibrado mesmo Como o seu pai que quebrava tudo quando chegava em casa identifica o com o pai Se eu morresse eu me livraria de tudo isso Seria mais feliz Como sua m e que tomava rem dios para depress o ao inv s de enfrentar seu pai O contato com os pais Seus pais ao saberem que J ferson estava fregiientando sess es de psicologia no hospital pedem uma consulta Autorizada pelo filho ele se sente aliviado com a possibilidade de que eu possa ajud lo a falar de sua feminilidade com os pais Na entrevista com os 205 mesmos houve uma tentativa inicial em buscar as causas que eles supunham estar em si mesmos no modo como criaram o filho A m e mostrou se pouco surpresa com o fato lembrando se de situa es em que percebia como o filho era diferente dos outros meninos Preocupava se mais com a rea o do marido pois seria dif cil convenc lo disso A m e reconheceu uma aus ncia em sua fun o materna lamentando o fato da av ter falecido pois talvez tivesse algo a dizer sobre o que J ferson afirmava a av sabia de sua feminilidade Chorou ao dizer que sempre imaginou esta possibilidade sentindo se culpada ao acreditar que sua forte liga o com ele e a viol ncia do pai eram as fontes da identifica o do filho com o feminino Aos poucos
305. hes retorna inaceit vel Algo do corpo real que atravessa a imagem corporal Querem retirar a qualquer pre o a carne que sobra o tra o que as definem no masculino Muitas dessas pacientes ao se inscreverem em uma comiss o que tem como fim a realiza o de uma cirurgia de transgenitaliza o pedem para extirpar no real do seu corpo o que j o fez psiquicamente ex sistir em si o recalcado inconsciente que Freud considerou como terra estranha Estranho portanto esse lugar da Outra Coisa das Ding que habita o sujeito e permanece inating vel FREUD 1980 1895 atestando para o sujeito que s h verdade parcial e segundo Lacan 149 o real do qual o significante padece De acordo com Kaufmann 1996 p 85 a Coisa recobre um lugar que seria vizinho do real o Outro real nesse sentido o desejo vem do lado do Outro mas o gozo est do lado da Coisa ela se tornar a coisa essa Coisa de que a de certo modo o resto e o nico ndice Lacan 1998 e 1966 em seu semin rio sobre a Ci ncia e a Verdade vai diferenciar o objeto como Das Ding do objeto como Coisa em que no primeiro caso seria a rela o com um interior exclu do onde o sujeito estaria em uma exclus o interna ao seu objeto Nessa l gica o sujeito est aprisionado a esse objeto que serve de suporte ao que resta de uma significa o inalcan vel que nunca se completar Um corpo foi feito para gozar gozar de si mesmo
306. i a incoer ncia diagn stica pois se convic o a necessidade de dois anos para que Nossa dificuldade era de uma integra o maior com a endocrinologia sendo a rea que n o consegu amos a efetiva o de um profissional pois diante de uma elevada demanda no hospital para um n mero reduzido de endocrinologistas a transexualidade n o era considerada como priorit ria afinal para eles tratava se de uma escolha e n o uma quest o de vida e morte Acredit vamos que desconsiderar o problema dessas pessoas implicava em ser conivente com as conseqii ncias f sicas e ps quicas de atos como a autoprescri o ou a submiss o a cirurgias clandestinas tratando se portanto tamb m de quest es vitais A psicologia como uma das reas que acompanharia a paciente semanalmente suscitava em mim algumas quest es O que eu poderia fazer por essa paciente Como avaliar uma pessoa e garantir que ela n o iria mudar de id ia O que seria um verdadeiro transexual Como um saber se outorga o direito de definir objetivamente a verdade sexual do sujeito A verdade e a mentira dos sujeitos est o referenciadas no corpo no rg o sexual ou antes na identidade Por que a psican lise deveria se colocar nesse lugar de junto com outras reas dar garantias Garantia do que e para quem Deveria a psicologia tomar uma posi o de con vencer essas pessoas a n o mudarem de sexo ou
307. ia remorso nem vergonha O pensamento crist o aos poucos foi sendo instaurado como o texto da verdade absoluta que passou a reger os comportamentos do ser humano considerando o ato sexual com fins de prazer um pecado e um crime devendo ser punido assim como o onanismo e a homofilia pois n o tinham a finalidade de procria o 3 3 AS SEXUALIDADES ENQUANTO OBJETO DA MEDICINA E DO DIREITO NO OCIDENTE 3 3 1 A Vontade de Saber No final do s culo XVIII e in cio do XIX passou a vigorar o que Foucault 1976 denominou de hip tese repressiva configurada por uma verdadeira vontade de saber Passou se a problematizar tudo o que estava ligado vida sexual seja no discurso m dico seja no confession rio que se tornou uma esp cie de interrogat rio A sexualidade foi rigorosamente controlada e reprimida no campo pedag gico do sexo socializando se as condutas de procria o No campo jur dico ela foi perseguida quando associada busca do prazer perverso e fora das normas institu das No campo psiqui trico era tratada buscando se a cura das pr ticas sexuais homof licas e a histeriza o do corpo da mulher Portanto somente a heterofilia era autorizada como pr tica ou sentimento de uma mente s Na anatomia encontrava se o destino da pessoa Surgiu a fam lia nuclear organizada em torno das figuras do homem e da mulher em suas correspondentes fun es de pai e m e A divis o dos humanos em
308. ia se seu pai realmente pensa assim mas n o tem coragem de perguntar Fala da aus ncia paterna enquanto fun o de interditar a rela o tanto com a m e quanto com o tio e o irm o em suas fantasias incestuosas e homossexuais Na posi o feminina livra se de seu desejo homossexual e retirar o p nis o rg o representante do desejo sexual impede no real do corpo qualquer possibilidade de concretizar suas fantasias er ticas Possui uma irm com quem n o se relaciona bem Sempre brigavam muito e alimentava por ela um profundo desprezo embora a considerasse muito bonita e a que se dava melhor com seu pai Em uma sess o estes sentimentos parecem se clarificar Ela conta N o sei me d um nervoso quando estou perto de minha m e de minha irm Acho que n o vai dar para voltar pra casa N o sei elas s o muito diferentes Perto delas parece que eu mudo Eu n o consigo ser t o d cil t o feminina Perto das mulheres de sua casa voc n o t o feminina questiono e ela diz N o n o bem isso Sei l Eu fico estranha como se elas matassem meu eu o feminino Me deu um estalo aqui agora Elas me incomodam parece que s aparece minha masculinidade N o de todas as mulheres Aqui com voc eu sinto que posso ser quem eu quero Ser quem voc quer Pergunto e ela responde que est um pouco confuso Talvez aqui esteja um dos motivos por que prefere os homens m scul
309. iam nas fronteiras entre a neurose e a psicose Segundo ele este estado permaneceria em uma situa o disposta mas n o estruturalmente fixada e poderia ser considerada uma doen a do narcisismo que por n o se enquadrar satisfatoriamente nos crit rios cl ssicos edipianos da neurose s o descritos como 66 i 29 66 29 a personalidades ou carateres Sua interpreta o se baseia na concep o das rela es entre psicose e Edipo Trata se de uma sa da psic tica ao conflito ps quico que nesse momento toma a forma de uma oposi o entre realidade sexual e a realidade ps quica A realidade sexual a do sexo determinado e fixado antes do terceiro ano e a realidade ps quica a dos fantasmas convergentes ou divergentes com a realidade sexual GREEN 1988 p 212 Nessa linha de pensamento a sa da transexual consistiria em denegar a realidade sexual a favor da ps quica que na pervers o elas est o cindidas e na neurose o eu reprime a parte da realidade ps quica que contradiz a realidade sexual encontrando sua origem na fantasia do g nero neutro modificada no momento do complexo de dipo A transexual anularia a import ncia do gozo sexual a tal ponto que o sacrificaria medida que outorga um valor sexual particular sua fantasia Mc Dougaull 1999 faz uma considera o sobre as crian as que est o destinadas a buscar a transexualiza o na vida adulta Seria o desejo comum a todas
310. ias corporais que alteram a imagem revelando que a identidade pessoal subjetiva ainda se mostra presa ao biol gico Foi tamb m a partir da cirurgia no nariz de uma de suas pacientes Emma que Freud fez o caminho inverso e passou a se ocupar mais com as almas psyqu do que com os corpos de seus pacientes Assim o corpo deixou de ser visto como um corpo m quina de rela es causais e a partir da articula o com o saber psicanal tico pode tamb m ser visto como um corpo pulsional mediado pela linguagem A visibilidade da transexualidade A constru o do sentimento de pertencer a um sexo e ou identidade sexual em oposi o configura o anat mica n o um fen meno apresentado somente em nossa poca e em nossa cultura Por m o modo de se lidar com o referido fen meno tal qual o conhecemos hoje pode ser considerado um reflexo das possibilidades de altera o do sexo anat mico que as t cnicas cir rgicas e a administra o de horm nios oferecem agora oficialmente em institui es p blicas e universit rias Para a Psican lise tal sentimento trata se de uma experi ncia individual n o pertencendo naturalmente ao meio m dico enquanto doen a ou social enquanto estigma e portanto gerando interpreta es singulares A transexualidade apontada aqui como um fen meno contempor neo que aparece no cotidiano dos ambulat rios de alguns hospitais pode ter ainda um embasamento em dados estat st
311. ico Ap s a interven o cir rgica mant m se firme em seu prop sito de mudan a de sexo agora nos documentos pessoais para n o ter mais que se submeter a situa es que exponham sua condi o por sentir se alvo de questionamentos e humilha es Revelou que assim que obter sua nova identidade pensa em mudar se para outro pa s onde come ar vida nova com a expectativa de que assim ser mais f cil conseguir emprego Foi orientada pela equipe cir rgica a manter rela es sexuais frequentes alternando com o molde peniano al m dos exerc cios fisioter picos para n o fechar o canal O marido n o interessa pelas rela es vaginais insistindo nas rela es anais Isso fez com que o desprezasse e pensasse em separa o mas tem d ele n o tem para onde ir O fato de o companheiro insistir em manter os atos sexuais como antes sem vagina exacerba seu sentimento negativo em rela o ao marido levando a a rever essa rela o situa o que dizia que iria decidir somente ap s a cirurgia N o sabe como p de ficar com ele at hoje se permitindo falar do desejo em buscar um homem para viver ao seu lado e n o um moleque diferencia o entre transexuais travestis etc e se identificam como homem os que se reconhecem como travestis e procuram os iguais para se ligar afetiva e ou sexualmente e o grupo residual que seriam homens hiper masculinos procurados pelas travestis e
312. icos Os primeiros estudos de preval ncia da transexualidade no adulto segundo Emma Eckstein 1865 1924 ficou conhecida por ser uma das primeiras pacientes de Sigmund Freud Aos 17 anos procurou Freud para tratar seus sintomas que inclu am al m da depress o um mal estar relacionado com sua menstrua o Freud diagnosticou um trauma psicol gico originado por um suposto abuso sexual durante a inf ncia e uma neurose nasal condi o esta popularizada por Fliess que postulava uma conex o entre o nariz e os genitais Tal neurose segundo Fliess deveria ser tratada por meio de um m todo de intervenc o cir rgica para suprimir supostos nervos sexuais no nariz a fim de evitar a depress o A cirurgia de Emma foi um desastre gerando infec es e hemorragias pois Fliess esqueceu restos de gaze em suas fossas nasais a ponto de desfigurar o seu rosto Embora seja mais comum o termo transexualismo principalmente no meio m dico associado s patologias ser usado aqui o termo transexualidade para extra lo desse campo Transexualismo a nomenclatura m dica oficial introduzida em 1953 por Benjamin para definir um transtorno puramente ps quico da identidade sexual caracterizado pela convic o inabal vel que tem um sujeito de pertencer ao sexo biol gico oposto Fora da esfera patologizante no entanto o termo substitu do por transexualidade e refere se segundo Bento 2003 s pessoas que vivem uma c
313. icul los novamente Embora seja no corpo em descompasso com suas mensura es que ocorrer o as modifica es corporais a Medicina levar em conta no diagn stico a exist ncia de uma convic o e de um desejo fazendo com que ele tenha que ser escutado por um outro campo de saber que diz respeito Psican lise A transexualidade nos leva a questionar o corpo que se quer modificar e o que se quer modificar nesse corpo Para que e para quem Considero um exerc cio necess rio pois a falta 137 de clareza sobre os conceitos que circunscrevem a cl nica psicanal tica do corpo permite uma s rie de mal entendidos que ir o comprometer nossa escuta 7 2 O CORPO PARA A PSICAN LISE A ANATOMIA N O O DESTINO A Psican lise tamb m surge a partir de um problema no corpo sua preocupa o inicial n o era a psiqu mas o corpo hist rico o qual instaurou um furo no saber da ci ncia quando Freud neurologista se deu conta de que n o se tratava de um corpo organismo mas de um outro corpo o corpo traumatizado Em 1900 quando se ocupou da interpreta o dos sonhos tamb m teve necessidade de opor se id ia de que os sonhos eram produto exclusivo de uma atividade neuronal As marcas dessa ruptura se deram quando Freud introduz uma modifica o na terap utica revelando que o m todo experimental inadequado para se ocupar desse outro corpo Esse sujeito desvelado por ele determinado pelo inconsciente que
314. iculado com a anatomia e sim com o desejo que estrutura a identidade sexual sem privilegiar um g nero em detrimento a outro Ele enunciou quatro proposi es l gicas de sexua o duas do lado do homem e duas do lado da mulher para explicar a posi o sexual ou seja quatro maneiras de se relacionar com uma nica fun o a fun o f lica As duas primeiras seriam proposi es universais uma afirmativa todos os homens t m um falo e uma negativa nenhuma mulher tem o falo Essas duas proposi es resumiriam a posi o freudiana da libido masculina nica sendo o falo assimilado ao rg o sexual masculino Segundo Lacan essa posi o inaceit vel pois avaliza a fantasia de uma complementaridade entre homens e mulheres e desemboca numa concep o do Um como nega o da diferen a e exclus o da castra o Como quando se diz humanidade por exemplo S o pai escapa a essa castra o que tem como fun o aplic la pelo menos um que n o castrado As outras duas f rmulas da sexua o de Lacan seriam a negativa Todos os homens menos um est o submetidos castra o Todos s existe logicamente se existir outro elemento distintivo do conjunto No caso o pai origin rio da horda primitiva que pode possuir todas as mulheres encarnando o gozo absoluto Explicado de outra forma o Todo para se constituir tem necessidade da exce o ou seja de um termo que coloque a exist ncia
315. idente nas narrativas O adolescente ent o levado a introduzir se em um jogo de identifica es com o outro semelhante e tamb m com o Outro que n o mais se restringe filia o ampliando se para o Outro social quando a internet em tempos de globaliza o funciona como um facilitador na busca das identifica es que venham amenizar o desamparo como J ferson revelou ao ser convocado a se posicionar diante da emerg ncia de um corpo representante maior do efeito das identifica es simb licas Diante desse cen rio novo propiciado pela adolesc ncia estranho e ao mesmo tempo familiar opera se no psiquismo uma mudan a de posi o que funciona como uma nova representa o discursiva sexuada pautada em uma ordem sexual que dever dirigir seu novo circuito pulsional e social tendo o corpo como o lugar do gozo As diferentes respostas a esses interrogantes ter o repercuss es n o s no meio familiar mas tamb m no social produzindo ou n o novos la os sociais Essa experi ncia fonte de ang stia medida que promove o desamparo principalmente se a pessoa n o se enquadra nos modelos sociais de uma l gica sexual bin ria e heterossexual O encontro com o grupo de transexuais a sa da que a livrar desse curto circuito 267 O modelo oferecido pelo diagn stico de transexualidade para a interpreta o do discurso de um corpo biol gico em contradi o com o sentimento de identidade sexuada forn
316. ido est morto pela linguagem Para outras tem um peso insuport vel o peso do significante que incide diretamente no corpo corpo este situado na hist ria libidinal do sujeito Mara dizia esse p nis precisa ser retirado porque ele s um peda o de carne ele n o faz parte de meu corpo enquanto Alice pretendia retir lo pois era o tra o que a reconhecia como homossexual justamente por isso que h sempre no corpo alguma coisa de separado inerte a carne que nunca foi posta em jogo tem fun o de resto o qual se pode articular com a id ia de algo que ainda sobrevive Um resto que sempre voltar mesmo que em sua aus ncia mesmo que transformado em uma neovagina Tem algo que permanecer ali COSTA e JARDIM 2004 Algo que o sujeito percebe mas recusa por encontrar se dissociado de sua imagem corporal Para Fernandes 2003 explorar as rela es entre o corpo e o inconsciente implica n o restringir nossas reflex es ao registro da representa o ampliando nossas possibilidades para al m da l gica do recalcamento explorando os desdobramentos te rico cl nicos aos mecanismos da dissocia o e da recusa Para a autora o corpo biol gico funciona como palco 140 onde se encenam as rela es entre o ps quico e o som tico articulado pelo desejo inconsciente Apesar de Lacan n o discutir a corporeidade de forma espec fica ele se refere a essa tem tica ao longo de seu ensino articulando a aos c
317. ido n o haveria uma identidade de g nero j que identidade performatividade constitu da por uma cadeia de significantes Ainda segundo essa autora existe uma gama de possibilidades de constitui o de g neros dentro do espectro polarizado pelas identidades de homem mulher ou ainda de homo heterossexual Explicita o paradoxo do assujeitamento de um lado resiste ao seu corpo biol gico que n o acompanha o desejo homossexual por outro lado cai no assujeitamento ao regramento normativo quando reivindica o reconhecimento em um corpo de mulher uma vez que o apego apaixonado ao assujeitamento condi o de exist ncia A quest o do assujeitamento fruto da necessidade de reconhecimento pela normatiza o dos g neros Entretanto como foi negado o reconhecimento da Igreja ao seu novo g nero este sujeito entra nos jogos de poder atrav s de uma resist ncia Ao se deparar com a impossibilidade de reconhecimento na norma ele a instaura um movimento de ruptura nos discursos dominantes H um engajamento no movimento coletivo na milit ncia pelos direitos das travestis e transexuais a busca de um pertencimento a uma outra l gica na qual lhe poss vel ocupar um lugar questionador NARDI et all 2003 De acordo com Butler 2003 p 39 alguns tipos de identidades de g nero parecem ser meras falhas do desenvolvimento ou impossibilidades l gicas precisamente porque n o se conformam s normas de inteligibilidade cultural
318. iferen a entre os sexos em sua inst ncia biol gica ou gen tica nada diz sobre a determina o de uma identidade sexual e n o necessariamente refletir as modalidades inconscientes pelas quais o sujeito assume sua posi o subjetiva como ser sexuado que mant m uma rela o com outro ser sexuado Fica claro portanto que sem deixar de reconhecer que um dia possa ser poss vel encontrar as ra zes org nicas da transexualidade seja endocrinol gica neurol gica etc o que hoje destinado medicina e aos tribunais diz respeito a uma posi o subjetiva sexuada a qual leva o sujeito a reconhecer se homem ou mulher Esta envolve fundamentalmente a experi ncia do dipo e as vias e os impasses da castra o simb lica As respostas que a sociedade essa sim perversa lan a sobre os seres humanos em rela o s suas inven es imp em sa das na maioria das vezes acompanhadas de muito sofrimento levando a ci ncia a produ es a servi o desses mal estares onde a transexualidade apenas uma entre tantas outras Refiro me ao mal estar como sin nimo do que Freud prop s em v rios momentos como prova de uma perturba o do eu sob o excesso de uma estimula o libidinal ou como tra o de uma intoler ncia pelo eu da press o da culpa KAUFMANN 1996 p 317 6 1 7 O Sentimento de Identidade Pelo que vimos at aqui poss vel entender a identidade sexual como a no o constru da subjetivamente pela pe
319. ificuldade deste per odo devida principalmente bissexualidade constitucional de cada sujeito e ao car ter triangular da rela o edipiana Para Lacan o que se realiza no complexo de dipo conceb vel como uma opera o significante que consiste na substitui o de um significante por outro ou seja em uma met fora A crian a na tentativa de decifrar o enigma do desejo da m e para assegurar a sua presen a substitui pelo Nome do pai dando sentido a esse enigma cujo representante o falo significante da falta que a crian a sup e na m e que por sentir se incompleta vai a busca do objeto de desejo no caso o Pai portador do falo Pai n o tem o mesmo aspecto da acep o comum tratando se menos de um ser encarnado do que uma entidade simb lica que ordena uma fun o o representante da Lei o agente da castra o o que separa o corpo da crian a do corpo da m e e interdita o gozo absoluto para que se possa ter acesso ao desejo sexualidade normatiza o introduzindo o no campo da cultura e do simb lico Antes de uma crian a ter chegado ao conhecimento definitivo da diferen a entre os sexos ela n o faz distin o de valor entre pai e m e Assim a identifica o trar com ela potencialmente os elementos que permitir o crian a se posicionar subjetivamente do lado dos meninos ou das meninas Esta tomada de posi o ser refor ada pelas identifica es oriundas das escolhas de objeto identi
320. ig ncia dirigida a um m dico considerada como n o barrado onipotente rejei o que aponta a produzir o franqueamento do fantasma do falo beleza levando o penduricalho sem sentido assint tico at a Mulher que um dos Nomes do Pai e cuja tradu o delirante um colapso do corpo nas vestimentas aut ntico del rio de envolt rio Czermak 2004 considera ainda que em nossa cultura em sua exig ncia de que cada um produza o seu mais plus empurra pervers o inclusive na forma eu mais mulher ou eu n o mais homem e lembra o que disse Lacan na neurose o Outro o que tem toda import ncia na pervers o o falo e na psicose o corpo p 45 Constata ent o que a pervers o social empurra psicose pela indiferencia o dos lugares do unissex 5 7 3 O Extra Sexo Millot 1992 apresenta sua experi ncia cl nica com transexuais femininos e masculinos Para ela as alucina es leitura do pensamento sensa es de transforma o corporal est o longe de ser regra entre transexuais A presen a ou aus ncia de sintomas situados em um quadro de psicose n o deve ser decisiva pois n o exclui a exist ncia de uma 1037 acan 1995 1956 1957 Semin rio Livro 4 A Rela o de Objeto 1040 Outro com O mai sculo diz respeito alteridade que est aqui em quest o e que ordena a subjetividade a alteridade do simb lico e do significante e n o a alteridade eg
321. imagem de seu ideal narc sico de ser A Mulher aquela que nem sua m e nem sua irm eram pois s o apenas mulheres N o havia portanto simbiose com a m e como Stoller prop s em seu trabalho sobre A Experi ncia Transexual j que esse ideal com que se identificava emergia justamente da constitui o de uma alteridade Maria n o teve acesso socializa o de uma menina porque biologicamente n o era e nem de um menino pois o recusava Ao reconhecer se transexual passou a se deparar com a possibilidade de vestir comportar e falar do modo como imaginava estar coerente com o que sentia ou seja sua vida seguiu um caminho para adequar se ao g nero que acreditava pertencer Nesse aspecto se parecia com uma adolescente desajeitada ainda em transforma o dentro do esteri tipo do que idealizava ser seja na forma como lidava com sua apar ncia seja no modo como lidava com sua sexualidade E nesse movimento de incorpora o do feminino que Maria se depara com o paradoxo entre a verdade e mentira o real e o imagin rio Um real ditado pelos imperativos do corpo ante a verdade mas o que 198 ser uma mulher de verdade E quais os medos de Maria de vir a ser uma mulher de verdade j que preferia ser menina Ao negar o nome que a referenciava enquanto do sexo masculino mesmo informalmente necessitava de uma nomea o que a fizesse sair do lugar recusado ser homem N o foi f cil pois nem todos os
322. imagem de si Correspondendo foraclus o do significante f lico temos no seu lugar uma imagem de si p 59 restaurando a vida do sujeito e suas rela es sociais Outra quest o relevante que percebemos nos casos analisados trata se da fun o paterna A maioria das constru es te ricas mas tamb m as constru es subjetivas da hist ria de transexualiza o das participantes desta pesquisa Falavam de uma aus ncia paterna seja de uma frustra o de amor e de identifica o pela aus ncia do Pai Real que lhe causou danos imagin rios como nos conta J ferson seja de uma priva o por uma aus ncia no Real de um Pai Simb lico que representasse a Lei o reconhecimento f lico que demandasse algo diferente do Outro materno como trazido por Iemanj seja de uma castra o como efeito do Simb lico no caso de Maria ao perceber Ter e n o Ser o falo embora recusasse Mas ent o dever amos tratar o Pai seguindo a l gica de Stoller de que dever amos tratar a m e para assim evitar a transexualidade O que um pai hoje Que fun es esses homens exercem em nosso tempo e em nossa cultura imposs vel pensar a posi o do homem sem pens la em sua rela o com as novas configura es do masculino e do feminino 269 pois talvez estas sejam as mudan as mais profundas pelas quais t m passado nossa sociedade ocidental desde os efeitos produzidos no s culo passado pelo feminismo
323. indo ap s a realiza o da cirurgia Os crit rios para a contra indica o eram diagn stico de algum dist rbio psiqui trico principalmente esquizofrenia alcoolismo toxicomanias em que o grau de depend ncia revelava descontrole emocional ou pacientes que usavam o p nis nas rela es sexuais Ou seja riscos em que a aus ncia de capacidade de decidir por si mesmas ou um investimento er tico no rg o fizesse com que a cirurgia pudesse ser um equ voco de quem a solicitou e de quem a indicou Casos em que a pessoa apresentou del rios ou alucina es a certeza estrutural tornou se mais evidente fazendo com que n o fossem inclu das na comiss o de estudos nem mesmo para as entrevistas iniciais Nesses casos se encontravam em um grau de confus o em que foram encaminhadas diretamente ao servi o de psiquiatria do hospital ou institui o da cidade de origem Nesses casos n o conseguiram nem mesmo formular sua demanda Muitas que ficaram sabendo da exist ncia da comiss o no hospital e fizeram a primeira entrevista relataram sentirem uma mistura de esperan a por um lado j que viam como a sa da para se livrarem das partes do corpo que rejeitavam em si mesmas e por outro medo de n o serem aceitas pela equipe No final do acompanhamento antes da cirurgia a equipe que acompanhou a paciente deveria emitir um parecer definitivo para a recomenda o ou n o da opera o Apenas duas cirurgias foram realizad
324. ino ocasi o em que come ou a vestir se como mulher Mas agora se d muito bem com eles que n o se op em sua vida sexual dif cil imaginar que essa mocinha risonha foi em certo momento um cavalheiro Mas foi e ainda o em parte segundo me conta com muita gra a e sem um m nimo de vulgaridade Passou pelos bisturis de um cirurgi o que lhe arrebitou o nariz e lhe implantaram os seios eretos que exibe mas ainda n o mandou trocar o falo e os test culos por uma vagina Refere se aos rochedos que ficam na beira das guas podendo significar tamb m obst culos 55 artificial pois a opera o muito cara Est economizando e logo o far Acaba de voltar de Paris onde conseguiu bons contratos como modelo mas a viol ncia naquela cidade onde certa noite um rabe a amea ou com uma faca e o frio a devolveram morna e pac fica Polin sia Quando ela se despede de n s os rapazes do piano bar caem sobre Anne como moscas convidando a para dan ar Dela escutei esta frase patri tica a mais surpreendente da noite e talvez de toda a minha visita ao Taiti mil vezes melhor ser prostituta em Papeete do que modelo em Paris A cultura dos maoris do Pac fico traz importantes contribui es para pensarmos o corpo e a transexualidade na sociedade contempor nea Isso n o implica simplesmente em mostrar que h s culos existem homens ou mulheres que se vestem conforme o outro sexo ou que se sentem
325. irurgiado de algu m que teria um p nis arrancado de seu corpo e que conviveria com a aus ncia dele presentificada em uma fenda denominada cientificamente neo vagina justamente porque n o se trataria de um rg o igual ao feminino Ao construir a vagina com o pr prio p nis este permaneceria ali como o resto como o rg o fantasma ainda presente em seu corpo Pensar sobre isso n o tinha a fun o de impossibilitar o ato mas de evitar um equ voco percebido no depois No entanto por mais que se almejasse a garantia do s depois ela n o era poss vel sendo necess rio levar cada candidata a se responsabilizar justamente pela falta de garantia quando escutamos quero essa cirurgia nem se nunca mais gozar se morrer terei ido para o c u realizada como mulher sei que mesmo com essa cirurgia nunca serei uma mulher de verdade ou ent o j n o tenho tanta pressa em realiz la Essa oferta cir rgica embora tivesse o efeito de uma promessa de felicidade de resolu o de conflitos tamb m no mbito social onde sofrem o preconceito e a homofobia como narrado por J era 274 preciso pensar que n o seria suficiente para cumprir as expectativas ligadas a ela acompanhando as nesse processo no antes e no depois Lacan 1959 60 diz que a tica da psican lise est para al m do certo ou errado do que o bem e do que o mal colocando em jogo o sujeito e seu desejo e a psican lise da or
326. is porque n o existiam tais conceitos de sexualidade Assim para entendermos como isso acontece em nossa poca e em nossa cultura necess rio retornarmos alguns s culos quando a transexualidade inclu a se nas outras express es sexuais 56 Foucault 1984 comentou o quanto as sociedades ocidentais se equivocaram ao nos identificar n o como sujeitos e sim como modelos fixos de identidades sexuais O referido autor utilizava o termo sexualidades divergentes ou sexualidades polimorfas ao se referir sexualidade inventada pela ordem m dica e respons vel pela repress o sexual Segundo ele a sexualidade seria o resultado de uma articula o hist rica de dispositivos de saber e poder os quais colocam o sexo em discurso produzindo efeitos sobre os corpos e as subjetividades como nova inst ncia de verdade do sujeito Entre a natureza e a cultura entre o sexo biol gico e os intermin veis marcos da diferen a social e pol tica n s nos mantemos em suspenso entre o corpo como uma massa de carne sens vel e passageira e o corpo t o profundamente ligado aos significados culturais que n o acess vel sem media o LAQUEUR 2001 p 23 3 2 1 A Inven o do Sexo Corpo e G nero Atrav s da hist ria Laqueur 2001 mostrou que a diferen a entre os sexos era uma inven o Para ele foram as rela es de g nero que institu ram o sexo quase tudo que se queira dizer sobre sexo de qualquer
327. ismo criado em 1860 por um m dico e jurista chamado Ulrich que ao analisar o seu pr prio sentimento homossexual estabeleceu uma tipologia dos comportamentos sexuais na qual se enquadrou Esse termo segundo Spencer 1995 fazia alus o a Urano no Symposium de Plat o Argumentou que os uranistas tinham congenitamente alma de mulher em um corpo de homem e s podiam Entre muitos exemplos Mercader 1997 cita Tardieu A La Pederastie Paris 1857 l Conforme KENNEDY H The third sexe theory of Karl Heinrich Ulrich Journal of homosexuality vol 6 1 2 New York Fall Winter 1980 p 103 111 Essa obra de Plat o explorava a tica do comportamento sexual grego para a qual o amor pelos rapazes era um meio de adquirir sabedoria No discurso Paus nias descreveu dois tipos de amor o primeiro inspirado em Afrodite em que o amor comum levava homens de pequeno valor a dedicar suas afei es sem distinguir mulheres e meninos sendo movidos mais pelo amor ao corpo que alma O segundo inspirado por Afrodite Ur nia era o amor celestial por meninos exibido pelos homens not veis e nobres que escolhiam seus amados dedicando se sua educa o e bem estar SPENCER 1995 64 amar ou desejar homens viris Tratava se de um fen meno natural seria absurdo castig los e ilus rio querer trat los Acrescentava que no in cio do desenvolvimento fetal todos os embri es eram iguais depois se dividiam em tr s masc
328. isso associando ao fato de que o sangramento poderia estar associado a uma forma de pagar pelos pecados Lembra que seu sofrimento come ou ao perceber que na escola s tinha olhos para os homens mas sabia que isso era errado N o podia ser reconhecida como mulher e ser guei era pecado Por isso passava os dias rezando como forma de se redimir perante Deus assim como sua m e Era essa a imagem que tinha da m e algu m que rezava muito que n o queria saber de sexo e que havia se arrependido de abandonar o h bito para casar se com o pai Por que rezava tanto Havia a uma id ia de que tamb m a m e teria pecado e J poderia estar pagando pelos pecados de outras vidas no caso a vida do pai e da m e e tal qual o sacrif cio de Cristo J ent o pensa que sua transexualidade talvez f sse uma forma de pagar por algo que aconteceu nesta vida Sua m e j havia indicado ser este o caminho afinal ao deixar o cabelo de J crescer ela sacrificara tamb m a apar ncia masculina do filho sem proteg la de ser con fundida com menina fus o do masculino com o feminino como a fus o de seu nome com o dos pais Seu nico amigo era um aluno do semin rio que estava se preparando para ser padre Eu gostava dele e acho que ele tamb m de mim mas nunca tive coragem de falar sobre esse amor Ele sabia de meu sentimento homossexual e me aconselhava a rezar muito para me livrar dos maus pensamentos
329. isso lhe despertava Como se o sujeito j n o tivesse defesas suficientes para separar se desse olhar invasor Havia agress o mas n o havia lei que amenizasse a fr gil ordem inventada por ele o que em alguns momentos propiciava o aparecimento de fantasias suicidas A lei simb lico e a anatomia imagin rio estabeleciam uma rela o que funcionava como a possibilidade de operar no Real a sexua o insuficiente para que pudesse se posicionar de acordo com a norma bin ria Um ponto em que se constata certa altera o do simb lico concerne ao pai e a lei Associou se ao pai o poder de determina o do sexo percept vel por meio de suas palavras mulherzinha bicha vai acabar dando para os homens e alimentada tamb m pelas constantes compara es irm que era mais forte mais respons vel melhor em tudo e pelo olhar das tias que relacionavam o tamanho de seu p nis sua insufici ncia viril H ent o paralelamente um encadeamento significante que vai para o oposto Ser homem como o pai ser agressivo violento destruir o outro Ser mais forte que o pai saber lutar melhor que o pai no caso de J ferson alimentado por um dio que tentava n o mostrar era a amea a de destru lo aniquil lo diante de um simb lico da lei e um real do corpo a que se reduziria a sua anatomia O problema de identidade pode ser evidenciado na recusa de seu sexo e principalmente na modifica o
330. ist ria contada por Niels Hoyer em Man into Woman Londres Jarrolds 1933 Seu nome aparece com v rios pseud nimos para preservar sua verdadeira identidade 71 2 Quanto pr tica de mudan a de sexo enquanto tratamento podemos identificar ent o duas tend ncias Do lado da medicina tratar a homossexualidade suprimindo sua causa O test culo como representante do desejo sexual da pot ncia viril fazendo existir no real a feminilidade do desejo homossexual Do lado dos invertidos entre eles alguns m dicos como Hirschfeld a solu o para n o serem mais acusados de homossexuais a despenaliza o pela qual lutavam indo de encontro ao discurso m dico Em um caso ou em outro a meu ver h um ideal heterossexual que mant m a ordem sexual bin ria remetendo nos ao ideal cient fico contempor neo que segue essa linha de pensamento lido nas entrelinhas 3 4 O MOVIMENTO DE DES PATOLOGIZA O DAS HOMOSSEXUALIDADES 3 4 1 As Contribui es de Freud Freud 1980p 1905 apoiou o movimento para a descriminaliza o das homossexualidades dedicando parte de seu cap tulo As Aberra es Sexuais em sua obra Tr s Ensaios sobre a teoria da sexualidade para demonstrar que a invers o devia ser classificada como um desvio relacionado ao objeto sexual Essa classifica o se integrou na elabora o geral de uma teoria da libido e da puls o e o texto mostrava que a disposi o pervers o n
331. iste no plano especular imagin rio projetado alienado no outro Mas h um momento l gico que Lacan chama de b scula na medida em que a assun o do dom nio da imagem corporal produzida na crian a por interm dio de um outro O eu nasce em refer ncia ao tu o homem se sabe como corpo quando n o h afinal de contas nenhuma raz o para que se saiba por que ele est dentro num movimento de b scula de troca com o outro que o homem se apreende como corpo forma vazia do corpo Da mesma forma tudo o que est ent o nele no estado de puro desejo desejo origin rio inconstitu do e confuso invertido no outro que ele aprender a reconhec lo LACAN 1975 1954 p 197 Nesse sentido atrav s do Outro que a crian a aprende a se reconhecer Isto implica em pensar que seu desejo tal como seu corpo n o inicialmente vivido como seu mas projetado e alienado no Outro A crian a inicialmente o desejo da m e Assim o grande Na teoria lacaniana designa se pelo nome de t pica a trilogia do Simb lico Imagin rio e Real Todavia como afirmam Roudinesco e Plon 1998 p 755 essa t pica se transforma ao longo do ensino de Lacan tendo passado por duas organiza es sucessivas na primeira 1953 1970 o simb lico exerceu a primazia sobre as 144 impasse da rela o dual imagin ria de que n o h o reconhecimento de dois desejos dois sujeitos mas de um desejo alienado no desejo do ou
332. istiu em encontros sistem ticos semanais com hor rios previamente agendados As sess es cl nicas n o foram gravadas e ap s cada uma foram transcritas considerando as associa es decorrentes do inconsciente e da situa o transferencial Alguns casos narrados restringiram se a entrevistas preliminares pois por alguma raz o que justifico o acompanhamento foi encerrado Apesar de a narrativa apresentar se como fragmento de um caso uma tentativa de expressar o material cl nico que foi previamente selecionado na escrita e na mente do analista Nesse sentido n o se tornou relevante se esse acompanhamento restringiu se a entrevistas preliminares ou se passou an lise propriamente dita pois tanto um processo quanto outro se baseou na associa o livre guardando a mesma estrutura discursiva no que se refere preval ncia da palavra e a posi o do analista 2 3 3 A tica na Pesquisa Essas pacientes tiveram a op o de assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para o prosseguimento do acompanhamento interdisciplinar Por se tratar de uma comiss o de estudos vinculada a uma institui o de ensino e pesquisa os dados obtidos podem ser transformados em artigos bem como utilizados em discuss es cient ficas incluindo se aqui n o o caso da psicologia filmes e materiais fotogr ficos Para os casos 34 A nom 3 A e DS Ei a Sa Tais como sexo biol gico idade demanda espont nea de interven
333. itais Haveria um superinvestimento da sexualidade pulsional onde o masoquismo teria papel dominante Insiste em fazer se reconhecer pelo sexo que reivindica e a formar um casal onde a pessoa s pode investir um rg o mutilado que por isso mais se assemelha a uma zona er gena criada artificialmente na pele segundo o modelo masoquista Maldavsky 1998 analisa casos de transexualidade em contraposi o aos casos considerados tipicamente transexuais em refer ncia a Millot 1992 e Stoller 1982 levando se em conta as m ltiplas liga es entre as estruturas narcisistas e as manifesta es cl nicas que se d no corpo Considera a transexualidade no marco da teoria das psicoses fixa o defesa forma o substitutiva todas elas em rela o ao del rio megaloman aco sentir se com ambos os sexos que se acompanha de uma fixa o da libido no pr prio eu Centralizou sua discuss o sobretudo no problema da psicose e sua combina o entre tra os paran icos sentimentos de ser v tima de injusti as narcisismo retra o narcisista altera o som tica realidade deteriorada e tamb m ao aspecto da puls o de morte em refer ncia nega o da propaga o da esp cie Suas constru es se apoiaram mais na teoria do que nas cenas relatadas colocando a dificuldade desses pacientes em recordar a inf ncia o que dificultou construir conjecturas sobre a hist ria infantil e os determinantes destas manifesta es cl
334. italiza o enquanto uma marca que se inscreve no corpo poderia como no entalhe assumir a fun o de ser para o Outro de l situar o sujeito marcando seu lugar no campo das rela es do grupo entre cada um e todos os outros Ao dar se a ver Maria se coloca no lugar de objeto do gozo do Outro Essa marca teria aqui uma dupla fun o tanto de coletivizar como de singularizar Embora a rejei o da fun o paterna se mostre maci a goza em ser o falo imagin rio positivado confundido com o objeto olhar N o h problem tica de identidade mas a castra o simb lica rejeitada Do ponto de vista da sexua o mostra inicialmente uma indetermina o que foi durante muito tempo o ponto exclusivo de gozo do qual n o consegue se desvencilhar A verdade de seu sexo tem na vagina seu maior representante Mantendo se no corpo masculino estaria condenada a viver uma mentira um eu feminino em um corpo masculino travestido de mulher Aqui se encontra a ang stia de ser descoberta pelos homens Essa rela o no plano da verdade e do amor s ser poss vel atrav s da cirurgia separado do gozo sexual no qual o homem faz com que ela sinta que a aus ncia do p nis que a caracterizar enquanto mulher Maria toma ao p da letra o sentido de que a mulher n o tem o p nis mas n o articula com a castra o simb lica nem a sua nem a do outro A imagem do pai urinando em p e da irm que tem o p nis escondido o veto
335. ite do dia do tratamento e se fixa t o estritamente quanto poss vel minha recorda o das palavras do paciente Sinto me obrigado a apresentar um alerta quanto pr tica de anotar o que o paciente diz durante o tempo real do tratamento A conseq ente retirada de aten o do m dico prejudica mais o paciente do que um acr scimo de exatid o que se pode conseguir na reprodu o de seu caso cl nico p 164 Para conhecer um fen meno preciso interpret lo rompendo a ordem da l gica e do sentido em que os dados nos s o oferecidos e esse processo ocorre na rela o entre o que se fala e o que se escuta Em seu artigo Constru es em An lise 1980j 1937 Freud mostra que a partir de id ias aparentemente desconexas sem aparente sentido comum pode se construir uma hist ria plena de significados em rela o ao seu autor fundando assim o m todo interpretativo A interpreta o psicanal tica na pesquisa cient fica s tem valor segundo Mezan 1993 se n o resultar da aplica o mec nica da teoria mas do encontro de dois inconscientes em presen a Citando Herrman 2004 preciso p r de lado as teorias aprendidas para fazer com que da originalidade do objeto ao qual se est se dirigindo salte o sentido psicanal tico que ele pode ocultar p 135 2 3 2 Contextualizando o Percurso Considerando o que apresentei neste cap tulo torna se pertinente especificar o contexto em que esse caminho foi percorrido
336. ito se deve ao lugar ocupado por quem exerceu essa fun o paterna e por quem apontou sobre o valor m ximo ou m nimo deste tamb m observado na constru o narrativa de Iemanj As transforma es por que v m passando a humanidade se refletem nos valores cren as e representa es sobre a filia o como tamb m uma reviravolta na representa o da rela o entre natureza e cultura fazendo com que tenhamos que repensar o sujeito de hoje como fruto de outra poca sendo que a psican lise est longe de ser pensada como normativa A fun o f lica ou o outro da m e o organizador e o que separa a c lula narc sica m e filho cada vez menos exercida pelo homem o que pode provocar profundas crises de ang stia pois esta a condi o fundamental para que o sujeito se constitua em nossa cultura ocidental Entretanto segundo Ceccarelli 2002 o que vem ocorrendo que a necessidade imagin ria desse lugar ter que passar pelo homem detentor do rg o vem mudando Nesta perspectiva a crise da masculinidade no fundo uma crise dos homens na medida em que estes ltimos s o cada vez menos convocados para ocupar essa fun o O homem que tradicionalmente acreditava ter o poder sobretudo econ mico sempre confundiu este poder com o ter e at com o ser o falo A fun o paterna pautada pelas leis do mercado e n o dos cuidados n o tem seu lugar assegurado pela impossibilidade muitas vezes
337. iza o voltada aos atributos femininos pela qual vai constituindo seu sentimento de identidade transexual Ao contr rio do que alguns te ricos afirmam n o se trata de uma ess ncia transexual nem mesmo de uma ess ncia feminina mas de uma constru o que se d nesse jogo de identifica es nas quais cria fronteiras simb licas que permitem a distin o entre o eu e o outro Nada dizia sobre sua vida sexual exceto o que fazia quest o de afirmar nunca havia se masturbado ou tido orgasmo Aos poucos come ou a dizer que sentia tes o mas n o tinha ere o por causa dos horm nios considerando um avan o em seu tratamento As experi ncias sexuais Seu discurso oscilava entre querer ser e ser mulher ligada ao fato de que o p nis acusava a masculinidade n o aceita Sua convic o quanto ser mulher em corpo de homem n o pareceu ter acontecido desde a inf ncia Uma imagem preponderante em suas raras lembran as relacionava se ao sentimento de estranheza com o pr prio corpo na adolesc ncia e um mal estar associado ao fato de ser homem Supunha que a raiz de sua decis o de mudar de sexo ligava se ao desejo por um primo com quem manteve sua primeira experi ncia sexual aos dez anos de idade por quem se apaixonou Assustada com tal experi ncia ao identificar um desejo e um gozo homossexual pensou que deveria ser uma mulher pois achava um absurdo um homem desejando outro homem Essa inter
338. jo da m e permitindo lhe realizar sua assun o a uma posi o sexuada feminina e a elei o de um objeto homos sexual J ferson dizia que ainda n o sabia sobre sua elei o de objeto n o conclu ra o processo de sexua o e n o sabia se desejava ter um homem ou uma mulher para amar ou ambos A quest o era anterior tratava se de uma identidade ser homem ou ser mulher dentro dos moldes do que a sociedade define em termos de g nero masculino e feminino Ou ent o como Alice ao se deparar com um desejo homossexual que n o aceitava precisava operar na anatomia a modifica o que tornaria poss vel a emerg ncia do seu desejo reproduzindo se aqui o que pudemos observar nos s culos passados como finalidades terap uticas normatizadoras A aus ncia do reconhecimento f lico para Iemanj impediu o estabelecimento da sua identidade sexual masculina e em Jac o Falo foi reconhecido permitiu a instaura o de uma identidade Entretanto na sexua o ela n o p de ou n o aceitou alinhar se no que diz respeito ao seu gozo Assim a cirurgia foi a solu o encontrada ao reivindicar ser o outro que habitava seu corpo e tentando buscar por essa via a garantia de um gozo ainda indeterminado Ao recusarem uma escolha governada pelo simb lico essas pessoas se entregaram ao imagin rio apar ncia Incapazes de assumir o conflito existente entre a identidade sexual e a escolha sexuada cujas consequ ncias recusavam no que diz
339. junto com o significante f lico dever ser abolido em benef cio de outro Como pude observar a l gica na inven o de outro nome representou muitas vezes a troca no g nero gramatical do nome original como no caso de Maria ou na perman ncia da primeira s laba no caso de Jac e de J apontando a ambigiiidade ou indefini o e nesse ltimo sua com fus o Alice e Mara trocaram o nome mas mantiveram a primeira letra mantendo se hom fono com o primeiro apontando que algo ainda permanecia a letra que se desprendeu do significante e permaneceu no real Essa l gica parecia mostrar a manuten o de um designador fixo de sua refer ncia simb lica sem que importasse o pouco sentido que se poderia ter Iemanj tamb m manteve a primeira letra do seu nome original mas a singularidade dessa nomea o se apresentou na forma como seu nome foi escolhido Na aus ncia de um pai que a nomeasse no ato do nascimento reconhecendo sua filia o buscou nos Deuses representante do Nome do Pai a sua nomea o Ap s a cirurgia foi buscar o reconhecimento jur dico para realizar a opera o simb lica falida J ferson apresentou nas escolhas de seu nome as suas identifica es insuficientes com o masculino e com o feminino Primeiro escolheu um nome que demonstrava a oscila o entre os g neros mas tamb m a sua virgindade Angel ica Sentindo a insufici ncia desse nome pediu opini o aos interlocutores virtu
340. l como nos diz Freud 1980y 1923 p 40 n o t o s um ser de superf cie mas a proje o de uma superf cie Pode ser considerado a proje o mental de uma superf cie corporal Lacan vai mais al m ao mostrar que o corpo o lugar do desejo do Outro A figura materna vai possibilitar o acesso ao desejo transformando o corpo biol gico em corpo er geno habitado pela linguagem Esse processo fundamental para a constitui o do sujeito para que se estruture como algo distinto do Real algo al m de alguns quilos de carne A crian a descobre no espelho a unidade imagin ria de um corpo que na realidade s o apenas sensa es m ltiplas e dispersas Nesse processo de constitui o do eu esse corpo falado n o investido em sua totalidade e nem recoberto completamente pela linguagem por isso denominado de corpo parcial A parte n o investida a parte perdida vai ser chamada de objeto a objeto perdido que permanentemente buscado mas nunca reencontrado pois nunca 146 encontramos no espelho o objeto apenas nossa imagem especular A constru o do corpo se d em conjun o aquisi o da linguagem A necessidade de uma nova a o ps quica passagem do auto erotismo ao narcisismo que Freud se refere Lacan reitera ao dizer que preciso a opera o da met fora paterna para que o sujeito entre na ordem do simb lico Lacan ent o submete o est dio do espelho ordem simb lica A aliena
341. l da humanidade Freud prev ent o nesse artigo que as pocas futuras trar o com elas novos e provavelmente inimagin veis grandes avan os nesse campo da civiliza o e aumentar o ainda mais a semelhan a do homem com Deus No interesse de nossa investiga o contudo ele conclui n o esqueceremos que atualmente o homem n o se sente feliz em seu papel de semelhante a Deus 1980r 1929 p 112 N o se trata de culpabilizar os avan os tecnol gicos tal como Freud 1929 nos adverte em Mal estar na civiliza o e seus benef cios conquistados pois o que havia antes n o era melhor do que o que encontramos na cena contempor nea Trata se no entanto de nos colocar no interior desses questionamentos para circunscrev lo dentro do pr prio campo em que a demanda de altera o corporal surge Retomemos ent o a quest o que n o cessa de se inscrever na cl nica em n s muito mais do que nessas pacientes Por que a pessoa demanda a altera o corporal Por que eu me sinto pertencente ao sexo feminino em um corpo masculino Qual a causa disto E na cl nica m dica para toda quest o h um diagn stico que acompanha uma prescri o De acordo com Costa e Jardim 2004 citando Lacan a causa sempre surge em correla o com o fato de que algo omitido na considera o do conhecimento algo que precisamente o desejo que anima esta fun o Cada vez que se invoca a causa ela de certo modo a sombra
342. la completa que como nas hist rias infantis eles n o fazem sexo Nas hist rias infantis n o Ela ent o percebe que n o se trata de um faz de conta de um fazer de conta que mulher de um fazer de conta que uma menininha ing nua que seduz mas n o sabe o que fazer com o resultado disso 190 Eu corro o risco do jeito que fa ol Quando eu tiver uma vagina vai ser diferente Da eu quero uma rela o completa Mas sem ele mostrar o p nis pergunto Isso assim hoje n o vai ser sempre assim me diz Por que acha que mudaria Eu n o gosto do p nis porque lembra o meu E vai esquecer quando retir lo N o ser o dois p nis mas apenas um responde Lembrei me de seu irm o g meo e das fantasias er ticas com ele N o gosto de falar disso mas eu gostava de me masturbar Hoje n o aceito mais isso Quando isso acontecia perguntei Quando eu era crian a E voc tinha fantasias sexuais com seu irm o Sim a gente se esfregava e era muito bom Ser que isso n o vai mudar me perguntou O que perguntei Eu quero ser diferente Quer ser diferente para n o pensar nas fantasias sexuais infantis enquanto homossexuais Sempre me senti diferente de um menino acrescenta Identifica se com o outro pela diferen a Por isso prefere homens m sculos viris barba grossa que faz sua pele ser muito macia um corpo forte em oposi o
343. lher Segundo a f rmula de Freud existiria uma nica libido de ess ncia masculina No masculino o sujeito vai ser sustentado por uma rela o com o Falo na ordem do Ter e no feminino ele o ser por um v nculo com este mesmo Falo na ordem do Ser Para Lacan toda rela o com o outro sexo poder se articular de duas maneiras 1 para o sujeito homem ou mulher que fez a escolha de um gozo masculino ela se estabelecer em sua rela o com o objeto quele que se tornar causa de seu desejo que poderia vir a representar para ele o Falo mulher mais comum ou homem a t tulo do Ser 2 se o sujeito tamb m homem ou mulher fez a escolha de um gozo feminino ele ser tribut rio da rela o que ele estabelece com o Falo apresentado por aquele que o Tem isto aquele que inscreveu seu pr prio gozo do lado masculino Se houver uma confus o entre o objeto e o Falo o sujeito tender a recusar o gozo e a ir buscar no andar anterior o da identidade sexual a solu o para os seus males FRIGNET 2002 No contexto de sua ltima reformula o l gica na qual aparece a id ia do n borromeano Lacan 1996 1972 1973 em seu Semin rio Mais Ainda construiu um 118 matema da identidade sexual ao propor uma l gica que explica a identifica o sexual tentando superar o falicismo freudiano e estabelecer sua pr pria concep o da sexualidade feminina e da diferen a sexual O poder f lico n o estaria art
344. lica Imago Revista de Psicoan lisis Psiquiatria y Psicologia Buenos Aires n 18 oct 2004 ANZIEU D O Eu pele S o Paulo Casa do Psic logo 2000 ARA JO M F Diferen a e igualdade nas rela es de g nero revisitando o debate Psicologia Cl nica V 17 n 2 rio de janeiro 2005 ASSOCIA O PSIQUI TRICA AMERICANA Crit rios Diagn sticos do D S M IV refer ncia r pida Porto Alegre Artes M dicas 1995 AULAGNIER P A Viol ncia da Interpreta o S o Paulo Escuta 1975 BADINTER E Um o Outro rela es entre homens e mulheres Trad Carlota Gomes Rio de Janeiro Nova Fronteira 1986 XY Sobre a Identidade Masculina Trad Maria Ignez Duque Estrada Rio de Janeiro Nova Fronteira 1993 BALANDIER G O contorno Poder e Modernidade Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1997 BEAUVOIR S O Segundo Sexo 1949 Rio de Janeiro Nova Fronteira 1980 BENJAMIN Harry Transvestism and transsexualism In Internacional Journal of Sexology v 7 n 1 1953 The Transsexual Phenomenon New York Julian Press 1966 BENTO B A re inven o do corpo g nero e sexualidade na experi ncia transexual Tese de doutorado Departamento de Sociologia UnB Bras lia 2003 Da transexualidade oficial s transexualidades In PISCITELLI A GREGORI M e CARRARA S In Sexualidade e Saberes Conven es e Fronteiras Rio de Janeiro Garamond 2004 BERRY N O Sentimento de Identidade S o Paulo E
345. lo XX essa palavra apareceu nos escritos de sex logos e psiquiatras entre outros nos de Freud HABOURY F Dictionnaire des cultures Gays e Lesbiannes Paris Larousse 2003 p 256 Como a palavra heterossexualidade foi criada em 1888 podemos dizer que os termos existiram porque Kraft Ebing e Ellis necessitaram deles para seus trabalhos sobre a compreens o da sexualidade SPENCER 1995 p 12 68 quantia para quem conseguisse construir uma vagina Para os padr es romanos da poca isso era uma afronta masculinidade pois ser mulher era uma degrada o sin nimo de inferioridade Por esse motivo aos 18 anos de idade Heliog balo foi assassinado e seu corpo Jogado no rio Tigre Nero outro imperador romano durante um acesso de raiva matou com um pontap sua mulher que estava gr vida Diante do remorso ao se deparar com um jovem escravo parecido com a esposa exigiu que este se submetesse a uma castra o casando se com ele em seguida V rios outros casos s o contados pelos historiadores sobre homens biol gicos que amputaram a pr pria genit lia externa para se aproximar f sicamente da anatomia da mulher PINTO BRUNS 2004 Portanto o ato mutilat rio do rg o genital com fins de mudan a de sexo j existiu em muitos momentos da hist ria mas foi no s culo XIX que ele entrou no campo da medicina enquanto um tratamento Neste subcap tulo poderemos observar como a pr tica da castra o enquanto um trata
346. lo que surge a id ia da beleza como referente mulher e sua vestimenta Mulher remetida ao envolt rio vazio fora de sexo e fora de desejo morta para todo gozo sexual 3 Neste campo de precariedade imagin ria de tentativa de cura ou de estabiliza o aparece a met fora delirante de ter por nome A mulher 4 Ante a esta exig ncia de ser chamada mulher de dar a si mesma um nome trata se de fazer se um sintoma que permita ao sujeito 101 a poNA A A Enio ado a Essa express o foi inventada por Lacan pousse la femme designa um empurr o um impulso em dire o mulher no sentido de uma incita o a tornar se mulher 94 se sustentar 5 Imp e se ent o o diagn stico de psicose diante da forclus o do Outro recha ado do circuito pois j n o h lugar da palavra ao que o sujeito se dirige porque ele deixou esse lugar O sujeito transexual nesta perspectiva ditaria sua cl nica e sua terap utica ser nomeado em O lugar que n o existe seguindo a l gica de Lacan de que a transexual feminina quer encarnar A Mulher aquela que ele disse n o existir n o existe a n o ser logicamente pois ela pode existir paradoxalmente ao lado do homem ao n vel do mito existe Um submetido castra o Essa mulher s existe como mito uma das figuras do ser nico que n o estaria submetida castra o ou tamb m como um dos Nomes do Pai no sentido em que este significante se constitui como a chav
347. lugares aceitavam simplesmente isso levando a a situa es humilhantes ao ser identificada pelo que n o sentia nem aparentava que era em lugares p blicos como faculdade trabalho cinema supermercado etc Algumas forjam seus documentos para se adequarem ao social que n o aceita sua ambigiiidade diante da vis o bin ria pautada no sexo biol gico entrando aqui mais uma situa o em que se sentia impostora A aboli o do seu nome pr prio informalmente pois o jur dico s iria aceitar modificar seus documentos ap s sua modifica o do sexo via cir rgica foi referenciada por si mesma por um nome que significava a femilidade e a singeleza que tentava transparecer em oposi o radical com a extrema masculinidade sic que sentia em seu nome de nascimento Mas as pessoas de seu trabalho a nominaram de modo a feminilizarem o que j tinha talvez como uma forma de mostrar a feminilidade que percebiam em seu ser mas que n o era suficiente para se pensar em uma mudan a radical Maria hoje chamada por nomes diferentes de acordo com o contexto A sua demanda enquanto um ser transexual ao partir de uma retifica o no corpo biol gico daquilo que contradiz a normatividade heterossexual sup e a id ia de que a altera o corporal trar de volta o ideal da alma feminina em corpo feminino Ao optar por se sentir inserida na cultura v no discurso m dico a possibilidade de corre o do erro
348. m e desde o 113 nascimento funda o sujeito e permite que se instale a falta em sua dimens o de realidade O conceito de falta de objeto articulado por Lacan 1995 1956 1957 p 36 nos registros Real Simb lico Imagin rio sendo que em cada um desses registros a falta ser marcada de forma diferente 1 Quando a falta do objeto real enquanto o que pode ou n o atender ao apelo acontece no Imagin rio diz respeito frustra o e que por ess ncia do dom nio da reivindica o relacionando a um dano imagin rio Dependendo da demanda de algo que desejado e n o obtido que a crian a dirige m e inst ncia na qual adquire o status de agente simb lico instalado no lugar do Outro simb lico primordial pode ser frustra o de gozo ao frustrar a crian a n o s da satisfa o da necessidade mas na satisfa o da puls o parcial do prazer oral ou frustra o de amor endere ada m e portadora do objeto simb lico ou seja do dom de amar O ser humano se estrutura pela frustra o de amor ponto fundamental para que ele tenha acesso realidade 2 Quando a falta do objeto simb lico ocorre no Real diz respeito priva o A priva o em sua natureza de falta essencialmente uma falta real um furo A priva o que n o pode ser concebida no real diz respeito a algu m submetido ao simb lico e acontece com a entrada do Pai agente imagin rio na rela o m e filho
349. m e em suas crises de depress o atribuidas aos conflitos conjugais e a depend ncia de rem dios para dormir e o pai que tratava o alcoolismo Embora sentisse que n o foi dif cil se livrar da sua depend ncia qu mica considerava as um elo com os outros garotos uma forma de se aproximarem nica coisa em comum com os meninos Sentiu se surpreso com o fato de eu apontar que tamb m era algo em comum com sua m e e com seu pai j que ambos eram dependentes qu micos a m e com rem dios e o pai com bebidas Sua fam lia mudou se de cidade como uma estrat gia de distanciar o filho das m s companhias e assim romper com o v cio do filho J ferson referia se a si mesmo como barra pesada Barr lo do que O que precisava ser barrado de forma pesada Por que fez muscula o se queria um corpo de mulher J ferson entende que isso o ajudava a suportar a imagem que podiam fazer de si mesmo Uma maneira de se travestir de homem Ser normal para a sociedade Muda de id ia quando pensa que ficar desse jeito indefinido ter vida dupla nem um homem nem uma mulher ir o aceit lo Sentia como se sua apar ncia masculina fosse sua m scara Os m sculos que adquiriu foram uma forma de esconder ainda mais seu lado masculino Nunca teve um lugar para falar disso ali comigo foi a primeira vez que se abriu Dizia me que contava os dias em sua espera pelos nossos encontros 202 O
350. m rica do Sul R A 46 existiram as amazonas tamb m chamadas tr bades Em 1998 milhares de estrangeiros ocidentais buscaram um hospital naquele pa s espera de uma convers o de sexo por apenas algumas centenas de d lares Ainda hoje no Brasil tem sido o destino de muitas pessoas transexuais que atravessam o continente em busca dessa cirurgia n o s pelo valor mas porque acreditam ser mais eficaz Historicamente o convertido em eunuco passa assim a uma nova condi o de g nero social exercendo fun es especiais sendo que em v rios imp rios aos cunucos eram destinados os cuidados s mulheres dos har ns ou rainhas Na It lia do s culo XVIII havia os castrattis cuja castra o acreditava se traria a perfei o vocal Essa cren a fez com que crian as de fam lias camponesas cuja expectativa de vida n o passava dos 30 anos fossem submetidas a essa opera o para se converterem em grandes cantores ou sacerdotes no coral de igrejas demanda cultural frente qual a igreja fechou oportunamente os olhos http www wikipedia laenciclopedialibre org Na ndia essa pr tica se mant m at hoje entre as hijras express o que significa nem homem nem mulher Castrados na inf ncia vestem se com trajes femininos usam maquiagem e adotam nome de mulher A sociedade despreza as sendo uma pr tica clandestina mas simultaneamente fiel a tradi es hindus que lhes atribui o poder de trazer sor
351. m sido constru dos gradativamente eles s o complementares e devem ser pensados como uma estrutura na leitura de uma corporeidade Conforme Cukiert e Priszkulnik 2002 Lacan avan a na conceitua o do corpo salientando a import ncia da imagem corporal na forma o do eu retomando os conceitos freudianos fundamentais tais como ego eu identifica o e narcisismo em articula o com a elabora o do registro do Imagin rio e do esquema conceitual proposto pelo est dio do espelho O corpo pulsional se situa no ponto de articula o entre o simb lico e o imagin rio na constitui o do eu Lacan utiliza o termo imagin rio para se referir ao registro ps quico correspondente ao eu do sujeito cujo investimento libidinal foi designado como narcisismo por Freud O imagin rio permite a organiza o de uma imagem do seu pr prio corpo e que vai sendo significado pela crian a por interm dio de um outro Outro Procurando especificar o inconsciente freudiano a outra cena Lacan introduz o outro em min sculo como semelhante com o qual estabelece identifica o imagin ria e o Outro mai sculo como determina o pelo inconsciente Para Lacan 1975 1954 o sujeito n o se reduz a um personagem apreendido na imagem antecipada dele mesmo e sua condi o de depend ncia o faz fruto do desamparo em que est submetido Antes que o desejo aprenda a se reconhecer pelo s mbolo ele s visto no outro Na origem o desejo s ex
352. ma identifica o imagin ria exigem uma san o real quando solicitados em sua fun o de homem CZERMAK 1991 p 88 96 Czermak 1991 tamb m observa a quest o da vestimenta que para a transexual n o teria o efeito de uma pele dupla que tem um prazer envolvente no caso dos fetichistas ou das travestis O sujeito n o se sustenta atr s de algo mas na pr pria vestimenta e em seu efeito cut neo o de colocar pele que ele classifica como del rio de envolt rio O essencial o que reside atr s do v u do que querem se des identificar rejeitando o como uma forma de neutralizar eliminar de cena o objeto suprimindo ent o o horror invis vel e sem nome CZERMAK 1991 p 87 Seria a possibilidade de conten o de uma presen a intoler vel tal qual a sombra interior inacess vel que a vestimenta normalizaria Para algumas transexuais no entanto a vestimenta seria insuficiente enquanto a efic cia do envolt rio e portanto a cirurgia se faz imprescind vel e para a qual n o estar disposta a ceder s exig ncias para manter as prote es de que eventualmente se beneficiaria Czermak 2004 p 39 acrescenta que Na tentativa de rejeitar o significante f lico surge o dever de ser mulher para si mesma dever que toma o caminho de uma demanda sem mais al m exig ncia petrificada e segundo o erro comum de uma mudan a morfol gica referida aos rg os ex
353. ma nova alternativa devido impossibilidade de afastar definitivamente a falta de seu universo Articulando em dire o ao Outro sua demanda a crian a encontra nesse Outro materno um desejo Ela ir como sujeito em um primeiro momento se identificar com o objeto desse desejo Na resposta do Outro em sua mensagem que retorna para o sujeito o desejo que lhe significado com esse desejo do Outro que o sujeito vai identificar o seu desejo Em outras palavras como os significantes v m do Outro a demanda necessita em sentido inverso uma demanda do Outro endere ado ao sujeito necess ria a entrada de um terceiro nessa rela o essencial para que ocorra essa opera o situando se aqui a interven o paterna onde a m e possibilita que se exer a sua fun o assegurando a crian a sair da etapa de constitui o eg ica e ter acesso ao terceiro tempo o que lhe assegurar a subjetividade O terceiro tempo se caracteriza pela viv ncia de uma perda que a interven o paterna vai acarretar para que o ser humano se torne um sujeito de algo relacionado sua completude narc sica eg ica e que chamado de objeto a instala o dessa perda de objeto e portanto de uma falta negativa que permitir ao sujeito o acesso ao desejo Essa conceitua o de objeto e sua liga o com o real Lacan vai designar pela letra a A separa o do objeto a da completude narc sica em que a crian a se encontrava em rela o sua
354. ma nova palavra para designar aqueles que se interessavam pelo mesmo sexo biol gico alterou se a id ia que se fazia deles A cria o nesse caso correspondeu cria o de uma doen a ps quica e de uma mal social refor ando a homofobia SPENCER 1995 3 3 2 As Sexualidades Submetidas ao Saber e ao Poder M dico Jur dico No in cio do s culo XIX na Europa houve uma redefini o no Direito Penal do que era l cito e do que era proibido incluindo os atos sexuais A Fran a nessa poca s castigava o ultraje p blico dos bons costumes e o atentado ao pudor se um dos participantes fosse menor ou n o consciente do ato e considerava que qualquer outro comportamento sexual pertencia ao dom nio privado J em 1857 os m dicos e os policiais realizaram uma ca a aos pederastas que eram vistos como um problema m dico legal Os m dicos e os psiquiatras em sua fun o de peritos do poder judicial foram chamados para interpretar as variantes singulares do comportamento sexual O interesse espec fico nessas quest es estava vinculado pergunta que se realizava ao perito deve se castigar ou tratar A severidade da legisla o alem III Reich foi motivo de debate p blico durante muitos anos influenciando o discurso m dico sobre a homossexualidade naquele pa s A interpreta o m dica tinha a fun o dentro do discurso psiqui trico tanto de considerar os atos em si mesmos desvinculados das pessoas que os com
355. manda endere ada ao ps quico Embora identifiquem todo um mal estar diante de sua experi ncia transexual apresentam se j atravessadas pela imposi o de necessariamente passar pela psicologia como uma das exig ncias para alcan arem o que v m buscar no hospital a altera o hormono cir rgica Desse modo a quest o transferencial fica inicialmente complicada iniciando se o que em psican lise chamamos de retifica o subjetiva Diferente do pensamento cartesiano de que estamos ali dispon veis para com vencer a pessoa se deve ou n o deve realizar a cirurgia de acordo com o que se imagina ser o bem a psican lise oferece outra possibilidade Mas como levar essa pessoa a falar de seus medos de seus desejos de suas hist rias mais secretas se o que a levou at mim foi a imposi o de que realizasse um acompanhamento para desvendar suas verdades e suas mentiras e para que eu me pronunciasse se ela pode ou n o pode se livrar do que a incomoda tanto Mesmo que a equipe n o tenha dito dessa forma a pr pria orienta o para um acompanhamento psicol gico durante dois anos sem op o de recus lo remete a paciente a essa id ia Portanto o discurso que apresentam de acordo com seus fantasmas igual defini o convencionada para a verdadeira transexual levando um tempo at que este seja refeito e tome a forma de quem o enuncia Na maioria dos casos essas p
356. mb m n o se encaixam no modelo da mulher que conhecem Diante da falta de um ancoramento significante que funcionaria como refer ncia para os sentimentos de identidade se v em imersas na d vida ao perder a condi o de integridade protegida pela inf ncia e suscitada pela transforma o corporal da adolesc ncia na qual o aumento dos p los a mudan a da voz e o aumento do p nis ou dos seios v o acusar sua entrada no mundo da sexualidade adulta onde s caber ser homem ou mulher Surge ent o a quest o quem sou eu dentro desse corpo no qual n o me reconhe o Quebrando assim as certezas e ilus es que a sustentavam Essa perda de refer ncia vivida com ang stia e a pessoa tem que lidar com o luto pelo eu ideal e ao mesmo tempo lutar para se aproximar do ideal poss vel Mas com quem falar sobre isso para quem destinar essas d vidas e essa ang stia que a acompanha A identifica o com o n o se sentir bem com o pr prio corpo e que se traduz por transexualidade parece ser a sa da para livrar se deste mal estar passa a ser um sinal uma luz no fim do t nel A oferta do tratamento hormonocir rgico responde a tudo o que caberia nessa simples explica o que em um processo de afunilamento transforma o destino dessas pessoas que assim se sentem em um ato m dico cir rgico Geralmente nesse momento que elas saem do casulo em que se encontram e v o busca do que parece ser a salva o de todos
357. mente subjetivo e portador de uma verdade que precisa ser revelada Mas retomemos a quest o do sintoma pois importante esclarecer do que se trata O sintoma na cl nica m dica um dist rbio que causa sofrimento remetendo a um estado doentio que constitui a sua express o Mas em psican lise ele acima de tudo um mal estar que descrevemos com palavras singulares e met foras inesperadas Quer seja um sofrimento quer seja um mal estar que se imp e a n s al m de n s e nos interpela um ato involunt rio produzido al m de qualquer intencionalidade e de qualquer saber consciente e portanto inconsciente N SIO 1993 p 13 N sio 1993 diz que o sintoma reveste se de tr s caracter sticas importantes para serem identificadas na an lise 1 A maneira como o paciente enuncia seu sofrimento os detalhes inesperados de seu relato e em particular suas palavras ditas de improviso 2 A teoria que o paciente formula para compreender seu mal estar ou seja sua constru o subjetiva relacionada interpreta o que d para as causas de seu mal estar se ainda n o houver o analista o interroga favorecendo a constru o desse saber sobre si mesmo 3 e por conta dessa interpreta o sobre si mesmo vai se instalar um fen meno essencial no qual o analista transforma se no destinat rio do sintoma Quanto mais explica a causa de seu sofrimento mais aquele que escuta torna se o Outro de seu sintoma O sintoma co
358. mento passou a se impor s pessoas que se sentiam com uma alma feminina em um corpo masculino ou o inverso O que foi se modificando nesse procedimento foi a finalidade a ele associado e que est estritamente relacionada ao pensamento de cada poca que de algum modo se misturam aos ideais contempor neos nem sempre t o evidentes Inicialmente a castra o esteve vinculada repress o dos impulsos er ticos servindo para extinguir as puls es sexuais cortando se o mal pela raiz mas sem sucesso obviamente Para despenalizar a homossexualidade foi necess rio trat la como patologia e a invers o foi qualificada como desvio anormalidade degenera o Os v rios tratamentos usados nos casos da invers o foram com fregii ncia mutilantes Muitos homossexuais opuseram se a esses tratamentos mas paradoxalmente sem criticar o conceito de invers o pois apesar do car ter patol gico tal conceito situava a homossexualidade como algo natural que lhes permitia ocupar um lugar na sociedade que n o o de pecador ou criminoso Steinach pretendeu curar a homossexualidade masculina castrando a pessoa e enxertando test culos de um homem normal com o objetivo de estabelecer no homossexual as plenas fun es masculinas Essa t cnica forjou o terreno onde p de se desenvolver a id ia de uma mudan a cir rgica de sexo ainda que em uma perspectiva igualmente terap utica De acordo com Castel 2001
359. mento a Pacientes com Transtorno de Identidade Sexual recomenda que sejam realizadas entrevistas com elas por 2 Com a altera o segundo a advogada Vieira 1996 a transexual feminina pode se casar com homem no civil e no religioso tendo o direito partilha de bens No entanto nem sempre os ju zes autorizam 33 N n a a Nessa institui o apenas as cirurgias de constru o de neovagina s o realizadas portanto somente pessoas do sexo biol gico masculino foram acompanhadas at o momento A proposta inicial oferecer algumas entrevistas que visem escutar suas demandas bem como orientar sobre o funcionamento desse servi o 46 todos os profissionais da equipe separadamente com o objetivo de avaliar se atendem aos crit rios b sicos de inclus o Pela particularidade de tratar se de comiss o de estudos poucas pacientes foram aceitas pela equipe algumas aguardavam em lista de espera sem ter havido nenhum contato inicial A partir do primeiro contato da equipe foi oferecida a oportunidade de alguns encontros com a psicologia para as entrevistas preliminares sem com isso acelerar o processo de inclus o pois o mesmo envolvia outros profissionais da equipe As entrevistas preliminares realizadas constitu ram se no espa o que possibilitou pessoa uma retifica o subjetiva de sua demanda ou seja que ela pudesse ressignificar sua queixa para al m de uma demanda m dica O acompanhamento psicol gico cons
360. mesmo tempo em que havia o interesse pelas anomalias sexuais que estas se manifestam unicamente no real do sexo e ou em sua apar ncia Frignet 2002 p 118 chamou o fen meno transexual de eixo eg ico pois ele que concerne posi o da transexualidade em seu reconhecimento n o mais identit rio no sentido mais restrito do termo mas social e sabemos que nesse reconhecimento social o peso da imagem logo do imagin rio consider vel e tende daqui por diante em nossas culturas a se tornar preponderante Ele por m coloca que estes quatro p los que ele prop e e que s o determinados por esses dois eixos identit rio sexual individual e social n o s o independentes e se articulam um com os outros Para esse autor a conjuga o de dois particularismos vai diferenciar a transexualidade de outras express es da sexualidade o identit rio e o sexual A homossexualidade o fetichismo a travestilidade ao qual a transexualidade se ligava inicialmente e tudo o que tem a ver com as pervers es sexuais n o colocam em jogo a quest o da identidade os indiv duos envolvidos n o contestam seu pertencimento sexual de homem ou de mulher FRIGNET 2002 p 119 havendo inclusive um gozo ligado ambigiiidade no caso das travestis Mais que outros psicanalistas que referenciam sua cl nica nos preceitos de Lacan Frignet 2002 embora tenha uma experi ncia pautada somente em entrevistas avan a em seu
361. modo eu poderia escut la mais sobre o que ela sabia sobre si 20 mesma ou que ent o ela pudesse saber mais a partir desses encontros No entanto dar garantias descobrir sua verdade e decidir sobre um ato m dico dizendo se deveriam ou n o realizar a cirurgia tal garantia n o poderia ser dada mas me posicionaria dentro do que pudesse para que a decis o fosse tomada pela equipe Tive o respaldo desses profissionais que sempre respeitaram minha posi o possibilitando que nosso trabalho pautado em uma antinomia e nas singularidades de cada rea transitasse entre os discursos no enfrentamento de um enigma que interroga constantemente nosso saber te rico cl nico Diferen as necess rias pois se n o fosse assim qual seria o sentido para a cria o de uma equipe interdisciplinar 1 3 1 A Constru o de um Lugar Busquei interlocutores entre alguns profissionais de psican lise que conhecia Na maioria das vezes escutava que eu era corajosa e o assunto n o ia al m disso ou ent o que se tratava de psicose e portanto um profissional que autorizasse tal ato seria t o insano quanto Tais opini es deixavam me cada vez mais solit ria e a maioria das formaliza es te ricas n o me parecia convincente Eu carecia de escutar esses sujeitos e pensava que abandonar o lugar para outro profissional ou aplicar testes para com provar meu trabalho e me pautar concretamente em alguma coisa t
362. moradas de meu irm o n o s o muito vaidosas Minha m e n o liga para sua apar ncia De que homens voc est falando perguntei Acho que do meu pr ncipe De um faz de conta Ser que quando eu fizer a cirurgia eu vou me relacionar diferente com os homens Voc acha que minha quest o n o ter vagina O que voc acha Sei l n o sei se vou gostar de fazer sexo vaginal Novas Rela es Velhas Repeti es Maria vivia situa es nas quais seduzia os rapazes com quem se encontrava mas n o tinha coragem de contar seu segredo Dizia ser hermafrodita e que s poderia ter rela es 193 sexuais vaginais ap s a cirurgia Seu ltimo relacionamento foi com um rapaz de sua idade Ele dizia o quanto odiava as mulheres vulgares referindo se quelas que sa am com muitos parceiros Sua fantasia era casar se com uma menina virgem revelando sua agressividade com garotas que contaram suas aventuras amorosas Embora isso despertasse medo em Maria demonstrava sua fascina o pelo lado aut ntico e macho repetindo se mais uma vez a rela o na qual se colocava em risco mantendo a postura fr gil e indefesa que supunha ir de encontro com a mulher idealizada pelo namorado submissa ing nua virgem assexuada O que parecia diferente nessa rela o era que Maria sentia um forte v nculo por ele sentindo se correspondida Segundo a paciente o namorado dizia sentir por ela algo diferente do que
363. n a de sua subjetividade na qual se combina a identifica o da crian a com o pai em sua fun o paterna e sua identifica o pelo pai ou seja a marca de reconhecimento dada pelo pai a quem ele criou 116 Em alem o esse conceito um termo que vai designar a identifica o paterna em seu sentido objetivo e subjetivo 115 Esse processo de reconhecimento rec proco que se articula perda de objeto ser designado pelo Nome do pai Essa identifica o que Freud vai se referir como sendo o amor do pai o que ir permitir que a crian a apreenda n o s o imagin rio mas igualmente o real de seu corpo nodulados como tais por interm dio do simb lico estabelecendo em efeito a identidade sexual FRIGNET 2002 O falo interv m desde o in cio como terceiro elemento entre a crian a e a m e como s mbolo do desejo dessa m e e o Nome do pai como um quarto termo sendo o que d raz o ltima deste desejo a partir dessa incorpora o f lica que o sujeito vai inscrever sua identidade sexual real no inconsciente ao reconhecer o que o fez diferente no real de uma mulher para o homem e do homem para uma mulher Pela teoria psicanal tica a situa o ed pica a premissa universal do falo como modo estruturante do sujeito humano e constitui ao mesmo tempo rela o entre desejo e castra o O que central no dipo que o sujeito se d conta de que est exclu do de uma rela o A d
364. nalytical reading of clinical data collected privileged the reasons for the sex change seek and the subjectivity processes that acted in favor of the body adjustment plead It was possible to conclude that these subjective constructions depend on how the processes of identification and sexuation were lived The exist 1 e the solutions found in its pulsional dynamics reveal that while a phenomenon of our time beyond image fascination the seek for technology which assumes being able to dominate the Real in some cases traveled on double tracks horizontally in relation to his fellow so that the desire for another man wouldn t be homossexual but a result of his heterossexuality getting rid of homophobia and stigma vertically in relation to the Other of science created in his imaginary that it is the shape of his genital that defines his sexual identity and not the Phallus referring to the symbolic Law Far from being considered a specific clinic the transexuality is a medical social phenomenon which goes back to the singularities of he who expresses it making it possible to universalize it Key words psychoanalysis body sex psychology sexual identity transexualism gender SUM RIO INTRODUE NO raias a a ai 11 1 1 CONSIDERA ES INICIAIS nenien n n ae aa E aaue 11 1 2 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA sesiis erisia ea ara o EE np i a iais 14 1 3 MEU ENCONTRO COM AS TRANS SEXUALIDADES NO HOSPITAL 15 1 3 1 A Constr
365. narcisista nem da imagem de um corpo total mas do espelho enquanto o campo do Outro no qual deve aparecer pela primeira vez o objeto ou ao menos seu lugar Aparece n o como proje o mas como o que h do eu mesmo no exterior separado dele E o eu o que que Questiona Lacan em sua T pica do Imagin rio 1975 1954 p 126 que ele mesmo responde que n o s o inst ncias homog neas Umas s o realidades outras s o imagens fun es imagin rias O pr prio eu uma delas O est dio do espelho se articula ao registro do Real e introduz o olhar como objeto a no lugar do Outro Quinet 1994 esclarece Na experi ncia do espelho o olhar esse objeto que escapa do corpo do Outro materno que observa o sujeito diante do espelho em estado de jubila o Objeto fugaz e inapreens vel mas cuja presen a situa a experi ncia especular no mbito do espet culo dominado pela puls o esc pica p 47 Portanto a perspectiva imagin ria traz conseq ncias na conceitua o do eu Ela recoloca o fato de que a id ia de um eu racional consciente dono de si e agente do seu querer n o passam de mera ilus o Ao mesmo tempo questiona qualquer suposi o de unidade do eu sendo marcado pela divis o ele absolutamente diverso da no o psicol gica de um indiv duo uno harmonioso e completo Quando n o se pode enunciar um eu torna se imposs vel tamb m se apreender enquanto corpo O estatuto do ego sendo corpora
366. nat mica entre os sexos na teoria sexual infantil de J opera um deslizamento de significantes do feminino para o masculino mantendo se a ilus o de que n o haveria contornos para a constitui o de sua identidade 224 sexual A rela o de J com seu corpo passa a ter uma conota o de conflito no confronto com as modifica es corporais da puberdade onde o social lhe exigir um posicionamento de acordo com sua anatomia o que at ent o na inf ncia n o houve resist ncias A m e tal qual uma freira ou uma madre reparava se de seu erro casamento passando horas rezando O reflexo da proximidade da m e com Deus aos olhos de J era a promessa que garantiu a ela um aspecto a sexuado que ao n o parecer com o masculino restaria ser feminino marcado pelos cabelos longos e pelo apelido que con fundia o masculino e o feminino e interpretava o olhar dos outros como a confirma o desse lugar indeterminado N o houve um olhar paterno que investisse seu corpo e o nomeasse como menino ou menina O olhar das pessoas dirigido para ela o argumento imagin rio de sua assexua o j que diz de um n o saber sobre o seu sexo homem ou mulher pergunta que lhe chega n o subjetivada do outro O olhar invasor que nenhuma roupa pode deter e que atravessa a sua imagem apontando ao real segue sendo como o olhar paterno e materno que n o lhe assegura nem o reconhecimento nem a rejei o de seu ser margem
367. nclama e inclui a presen a do psicanalista N SIO 1993 p 15 esse terceiro tra o que abre as portas para o que chamamos de transfer ncia anal tica No caso do tratamento psicanal tico a pr pria no o de tratamento implica a id ia 20 de que h um Outro que sabe mais sobre o sofrimento de quem sofre Lacan 1998c 1958 denominou esta posi o de sujeito suposto saber Isto o sujeito que busca uma an lise sup e que o analista saiba sobre o sofrimento que lhe acomete 2 2 O LUGAR DA PSICAN LISE NA CL NICA COM TRANSEXUAIS Para formalizar tal fen meno Lacan 1998b 1964 prop s que se pensasse como refer ncia do desejo o desejo do Outro para diferenci lo do outro pequeno o objeto percebido e intencionado Nesse momento conceitual a enuncia o que aparece na rela o de fala comanda e produz os efeitos inconscientes os trope os na rela o de linguagem H a o pressuposto de que esse Outro como lugar dos significantes possa dar uma resposta investiga o anal tica A Psican lise estaria propondo uma investiga o do sentido da linguagem inconsciente Seria a recupera o da verdade subjetiva anteriormente investigada pela introspec o agora produzida pelo m todo da associa o livre e pelo manejo da transfer ncia NOGUEIRA 1999 30 O lugar que o psicanalista deve ocupar independente se no hospital ou em um consult rio particular o do semblante de s
368. ndo de um acompanhante que se dispusesse a cuidar dela nesse momento Lembra se do in cio dos atendimentos e percebe o quanto superou muita coisa Pensava que continuaria a precisar de mim pois n o sabia como seria sua vida ap s essa transforma o Foi poss vel falar da falta de certeza das coisas boas e de coisas nem t o boas assim decorrentes desse ato assim como dos riscos cir rgicos e da possibilidade de nunca ter orgasmo Sua decis o baseou se na escolha por arriscar se sabendo das consegii ncias pois o que prevalecia era n o ter mais este trambolho no meio das pernas independente se teria um companheiro ou n o Estou consciente que mulher mulher mesmo n o serei mas que quando um homem me procurar estiver comigo ou gostar de mim saber que n o tenho um p nis e isso n o mais me trar constrangimento pois por mais que eu goste ou que o outro n o me toque sempre sei o que que eu tenho entre as pernas e o medo da pessoa de repente toc lo ou me procurar por isso ainda me assusta me d medo Por isso eu digo se n o tiver mais ele o p nis vou ter a certeza de que a pessoa vai estar comigo aceitando o que eu tenho e n o procurando o que eu n o quero oferecer Mas tudo isso que estou procurando que estou querendo 236 simplesmente por mim Pra eu olhar diante de mim e sentir que l dentro de mim e por fora sou a mesma e vou estar bem comigo mesma No que conce
369. ndo sobre mim no trabalho pelo nome masculino e ningu m me chamou disseram que n o conhecia Minha m e ainda n o consegue chamar me pelo feminino mas me chama pela primeira s laba de meu nomel e ao perceber a aceita o das pessoas tem estado mais receptiva inclusive me levando para fazer compras em lojas femininas A preocupa o da m e segundo Maria era quanto aceita o das pessoas Sentia se mais fortalecida para enfrentar o preconceito refletindo se na rea o das pessoas no modo como se referiam a ela A experi ncia no trabalho foi muito diferente da que enfrentou na faculdade modificando tamb m sua rela o familiar Por estar mais pr xima da fam lia principalmente da irm Maria disse que caiu a ficha de que era mulher sendo tratada como tal Ela est se acostumando com o fato de ter uma irm e n o um irm o Parece que s agora tarde que come aram a entender a transexualidade N o queria deixar o tratamento mas sabia que seria dificultoso em termos financeiros tempo e dist ncia mas era para a vida dela Ela ent o adiou a cirurgia dizendo que trabalharia para manter se independente dos pais queria tamb m feminizar o rosto primeiro priorizou a cirurgia no nariz Contou me que em seu primeiro dia de trabalho seu chefe se desculpou ao n o conseguir esconder o seu espanto ao esperar algu m do sexo masculino e se deparar com ela Maria j esperava por isso e sua tranquilidade ao mos
370. nem mesmo pelo padrasto que nem mesmo emprestou o sobrenome Nunca o a considerou como filho a pois era fruto de uma rela o extraconjugal da m e A m e permaneceu casada com o padrasto considerado imprest vel durante pouco tempo e a abandonou deixando a com os filhos pequenos os quais Iemanj cuidava enquanto a m e trabalhava o dia todo Enquanto cuidava da casa e dos irm os imaginava se brincando de casinha onde era a m e e seus irm os os filhos Preocupa se com a m e residindo pr ximo a ela pois est novamente casada com um homem que como os anteriores imprest vel como tamb m se refere ao marido Os irm os se referem a ela como a verdadeira m e para eles Sonha em adotar uma crian a invejando as mulheres que podem ter filhos Essa sua maior m goa que tenta compensar cuidando dos sobrinhos sentindo se reconhecida nesse lugar minha sobrinha s para de chorar ou s dorme no meu colo Ao revelar seu sentimento de indentidade sexual para a av por quem Iemanj tinha muita estima ela lhe diz Se essa a sua escolha ent o seja uma mulher de verdade Palavras que n o s o meros sons mas atos representantes de um sujeito em busca de sua express o Ao ver a neta t o certa de sua decis o a av ajudou a no projeto de mudar de sexo enviando a para um terreiro de candombl Passou a cham la pelo nome feminino escolhido pelos guias espirituais mostrando coniv
371. nero deve estar em conformidade com o sexo biol gico Na aus ncia dessa coer ncia entre corpo e alma essas pessoas estariam posicionadas como transexuais Exemplo disso que para as transexuais femininas a parte do corpo que mais lhes causa problemas o p nis e para os transexuais masculinos s o os seios pois denunciam sua impostura A hist ria das homossexualidades assim como a das transexualidades em seu percurso na busca por um diagn stico nos aponta para o fato de que o limite entre o normal Famoso escritor e teatr logo ingl s que foi recha ado pela sociedade ao se envolver homossexualmente com jovens rapazes sendo perseguido e condenado por sodomia 77 e o patol gico sempre arbitr rio fundamentando se muito mais em ju zos morais do que em contribui es cient ficas acerca das sexualidades A psican lise desempenha papel fundamental nesse debate principalmente com Freud que sempre esteve s voltas de nos mostrar o quanto a identidade sexual uma constru o n o sendo uma mera determina o biol gica sujeita a produzir aberra es Em v rios momentos de sua obra Freud nos adverte como fez em Moral sexual civilizada e doen a nervosa moderna 1980q 1908 sobre o risco de se tentar normatizar a vida sexual defendendo as pessoas que s o discriminadas por sua orienta o sexual Essas hist rias evidenciam o quanto as identidades sexuais associadas ao sentimento de pertencer a
372. nicas 5 7 A PERSPECTIVA DE LACAN A teoria de Lacan fornece v rias formaliza es em tempos diferentes de sua elabora o te rica que permitem apreender o fen meno transexual A primeira seria a met fora paterna que ele apresenta em De uma quest o preliminar a todo tratamento poss vel da psicose 1998g 1955 1956 A segunda corresponde s f rmulas da sexua o e a terceira fornecida pelo n borromeano Suas formula es partem de uma an lise do caso Schreber refutando a interpreta o de Freud de uma homossexualidade recusada tal como apresentado anteriormente neste cap tulo e constr i sua teoria em cima de uma concep o antinatural dos sexos Ele distingue a quest o da diferen a anat mica dos sexos que uma quest o de fato da posi o sexual que concerne subjetividade Sua leitura sobre a transexualidade teve tamb m a contribui o de do caso 93 Henri paciente transexual atendido por Delay 1952 1954 que constatou uma dificuldade de realizar uma psicoterapia com esse paciente j que n o havia demanda endere ada psican lise nem parecia ter conflitos ps quicos CASTEL 2003 Lacan sustenta que na diferencia o sexual o que importa n o a anatomia o real da esp cie mas sim o fato de que os sexos se diferenciam em uma l gica discursiva e atrav s do desejo dos pais Em seu semin rio Ou pire 1971 1972 considera que o sujeito transexual encarna o falo e procura atrav s da
373. normatiza o heterossexual falhou pelas vias do dipo restaria normatiz la atrav s da cirurgia que imaginariamente produziria o efeito normalizante a nica solu o poss vel para resolver o impasse criado pela insufici ncia do processo de castra o simb lica Apesar da performance adquirida com horm nios ou cirurgias a pessoa transexual jamais ser a mulher que idealiza com uma ess ncia feminina Primeiro porque n o h uma ess ncia feminina trata se de uma constru o que n o universal e haver sempre um jeito singular de ser mulher no sentido da alteridade e n o da anormalidade ou inferioridade Essa a perspectiva poss vel a aceita o de um novo modo de ser diferente nem por isso anormal ou transtornado mas de uma posi o subjetiva que subverte as normas impostas pelo binarismo sexual e de g nero S assim a cirurgia n o se tornar uma compuls o a ser repetida Faz se necess rio ainda repensar as estrat gias estabelecidas para lidar com essa problem tica no que diz respeito s proposi es terap uticas S a escuta abre a possibilidade de ressignificar a transexualidade gerando novas formas de subjetiva o e de inscri o simb lica somente por meio de uma inclus o que a es transformadoras no mbito social e hospitalar se tornam poss veis A manuten o de lugares fixos e desiguais e a aus ncia de pol ticas p blicas eficazes para esses casos tendem a
374. nsa terapia viram sua masculinidade ressurgir por uma des identifica o com a m e A heterossexualidade seria o destino para a normalidade do paciente Caso se tratasse de um paciente adulto o objetivo seria faz lo abandonar a repulsa pelo rg o genital podendo com isso tornar se um homossexual um travesti ou um bissexual Nesses casos o tratamento seria considerado exitoso pois com isso sa ria da situa o de aberra o sexual para a de pervers o STOLLER 1982 p 80 98 x Er e Stoller 1982 toma emprestado este termo da etologia para dar uma id ia de como desde os primeiros instantes de vida estes meninos recebem impress es e sinais de suas m es que lhes sugerem sempre a ado o de comportamentos femininos embora n o se observem manifesta es de hostilidade da m e para com a crian a Em rela o libido a posi o de Freud varia Em um primeiro momento 1980p 1905 p 226 a libido masculina Mais tarde 1980 1933 p 161 ele sustenta que libido como tal n o podemos atribuir nenhum sexo 90 5 6 LEITURAS A PARTIR DO CONCEITO DE NARCISISMO Outra possibilidade te rica referida dentro do campo da psican lise dos psicanalistas que consideram a no o de identidade sexual no marco da bissexualidade ps quica originada essencialmente na identifica o do sujeito com seus pais e na teoria do narcisismo em Freud Chiland 1997 realizou uma pesquisa s
375. ntei E meio nublado Eu n o consigo saber e n o tenho coragem de perguntar ao meu irm o 191 Supunha que o irm o soubesse e que tivesse visto alguma coisa aparecendo mais uma vez a possibilidade do olhar do outro que sabia mais sobre ela Esse tio a que ela se remetia foi a primeira pessoa que a viu como uma menina Era muito bom encostar minha pele na dele me dizia A pele de um menino sem p los e agora tinha que fazer depila o a laser pois n o era mais uma crian a Freud em v rios momentos de sua obra cita as fantasias de sedu o infantis entendendo inicialmente que as hist rias contadas eram ver dicas encarando as como traumas causa das enfermidades Embora n o desconsiderasse essa possibilidade revelou posteriormente o seu ceticismo Mas o importante do fato era que essas lembran as aparentemente falsas constru am fantasias cheias de desejos e apontavam para o caminho do dipo referindo se s fantasias ou lembran as imagin rias que inicialmente se referiam m e nas atividades de higiene inevitavelmente despertando sensa es prazerosas nos genitais das crian as como na lembran a de Maria nutrindo desejo insaci vel de amor FREUD 1980p 1905 p 54 Os efeitos ulteriores dessas fantasias exerceriam influ ncia na sexualidade adulta Qu o intensamente o indiv duo luta contra a tenta o do incesto durante seu per odo de crescimento e qu o frequentemente a bar
376. ntende que Do ponto de vista do Imagin rio temos um corpo que a partir da imagem do Outro ganha consist ncia do ponto de vista do Simb lico temos um corpo da insist ncia que pelo significante insiste em representar o sujeito para outro significante e por fim do ponto de vista Real temos o corpo da ex sist ncia que barrado de gozo busca recuper lo atrav s das puls es e objetos parciais Transpondo para a quest o da transexualidade em seu processo de constru o subjetiva o corpo fruto de sua identifica o com o feminino mediado pelo Outro e o outro 150 semelhante enquanto refer ncias imagin rias que d o consist ncia sua imagem corporal Este se articula com o simb lico medida que fruto da incorpora o onde a palavra tem efeito sobre o corpo enquanto suporte da rela o do sujeito do Inconsciente com o 8 a 19 gt e mulher de verdade insistem em significante Palavras que como sal rio m nimo atravessar e incorporar se no corpo O Real sendo aquilo que escapa do corpo ao significante e imagem ex siste o resto que n o foi investido pela linguagem ou porque a palavra matou a coisa pelo negativo Lacan em Radiofonia 1970 disse haver se dado conta de que consistir queria dizer que necess rio falar de corpo h um corpo do Imagin rio um corpo do Simb lico e um corpo do Real do qual n o se sabe como ele surge concerne a algo que estaria no interior de ca
377. ntidade sexual In Quayle J org Adoecer As intera es do doente com sua doen a S o Paulo Ed Atheneu 2003 CHARCOT J M MAGNAN V Inversion Du Sens G nital et autres perversions sexuelles 1882 Paris Fr n sie 1987 CHEMAMA R Org Dicion rio de Psican lise Porto Alegre Artes M dicas 2002 CHILAND C Transvestism and transsexualism In International Journal of Psychoanalyse 1988 79 01 p 156 59 Mudan a de sexo Rio de Janeiro Ed Odile Jacob 1997 Le transexualisme Que sais je Paris PUF 2003 CHIOZZA L La concepci n psicoanalitica del cuerpo Psicosom tica o diretamente psicoan lisis In Revista de Psicoan lisis y Cultura Buenos Aires n 20 dez 2004 CORR A M Fantasias Corporais In PISCITELLI A GREGORI M e CARRARA S In Sexualidade e Saberes Conven es e Fronteiras Rio de Janeiro Garamond 2004 CORREIOWEB Cirurgia motivo de diverg ncia http www2 correioweb com br COSTA A Tatuagens e Marcas Corporais S o Paulo Casa do Psic logo 2003 COSTA A JARDIM L O corpo e a dire o da cura In Revista Psicoan lisis y Cultura Buenos Aires n 20 dez 2004 COUTO E S Transexualidade O corpo em muta o Salvador Editora Grupo Gay da Bahia 1999 CRUGLAK C Cl nica da Identifica o Rio de Janeiro Companhia de Freud 2001 CUKIERT M PRISZKULNIK L Considera es sobre o eu e o corpo em Lacan In Estudos de Psicologia Natal v 7 n
378. o Na medida em que nas suas rela es com o meio a crian a vai organizando uma id ia de m e de forma total n o mais apenas o meio que alimenta e frustra mas associando aos outros cuidados a m e outorga uma unidade ao corpo da crian a conferindo lhe um ego ao pre o da crian a identificar se com aquilo que seria o desejo dela o falo A crian a colocada diante do espelho necessita do olhar do outro para que reconhe a a sua imagem enquanto pr pria e ao identificar se a um tra o simb lico algo se perde o que Freud chamou de recalque origin rio Diante da ang stia que se instala resta ent o saber o que o outro quer de mim Ser ent o a partir da que ele vai ter acesso inicialmente atrav s da m e s refer ncias identificat rias de masculino e feminino Quando n o se consegue elaborar o luto por essa majestade perdida tamb m n o consegue desligar se completamente do outro o que o convoca na posi o de objeto N o se elabora quando n o conseguiu ter e n o elabora quando n o chegou a ser O grau de inser o da entrada da lei e do desejo na exist ncia do indiv duo vai determinar seus sintomas que podem variar dos diversos tipos de neuroses s pervers es e psicoses O sujeito ter que construir um objeto que lhe sirva de mediador entre ele e o desejo do outro Este o pre o que cada um tem que pagar para entrar na ordem da linguagem O objeto aquilo que constru do diante da falta e que Freud elabo
379. o Segundo Frignet 2002 um sujeito n o pode escapar a esse real que o fez nascer homem ou mulher O real n o indissoci vel do simb lico e do imagin rio com os quais ele constitui as tr s categorias inventadas por Lacan e que juntas condicionam a exist ncia do sujeito Quando essa articula o estrutural fracassou nas psicoses os sintomas que ocorrem manifestam o retorno no real daquilo que n o p de ser articulado no simb lico 100 inconsciente que Lacan chamou de sexua o Neste caso a sexua o interessa o desejo do sujeito e vai dar conta da maneira como inscreve seu gozo no masculino ou feminino A no o do gozo n o se refere ao prazer nem a uma satisfa o de necessidade ao contr rio em rela o a essa satisfa o a marca de que qualquer rela o com o objeto que o sujeito busca deve passar pelos significantes inconscientes do sujeito Lacan diferencia duas modalidades em rela o ao gozo a que se situa fora do corpo na qual o corpo n o est interessado enquanto tal que ele chama gozo f lico para marcar seu apego ao Falo simb lico e aquela que pelo contr rio diz respeito ao corpo essa subst ncia que faz limite e assegura uma consist ncia ao indiv duo Lacan chama essa segunda modalidade de gozo do Outro para marcar seu apego ao real o que est fora do simb lico a articula o dial tica desses dois gozos assumida pelo sujeito que vai constituir a sexua o A demand
380. o em um per odo de acompanhamento multidisciplinar de dois anos conforme a Resolu o do CFM A defini o de um m nimo de dois anos a que deve se submeter antes da cirurgia funciona como um rito de passagem para o ingresso em uma nova fase de vida Consiste inclusive em avaliar como a pessoa lida com seu corpo e com a nova identidade de g nero tornando se poss vel pensar em um novo corpo que possa amenizar os desconfortos que a anatomia anterior gerava Outros autores tais como Czermak 2004 p 47 fazem questionamentos sobre essa classifica o Segundo esse autor um dos tradutores do DSM confiou publicamente de onde vinha a retirada da categoria nosogr fica em uma reuni o na Association Freudienne linternational das companhias de seguros norte americanas que deveriam reembolsar os tratamentos na hip tese deles serem integrados nosografia 84 5 CONTRIBUI ES PSICANAL TICAS PARA UMA COMPREENS O CL NICA DAS TRANSEXUALIDADES O QUE J SABIDO Um dos temas de medita o nos monast rios budistas duvidar da exist ncia de Buda Trata se de uma das d vidas necess rias para se chegar verdade Jorge Luis Borges Sete noites 1980 5 1 NO QUE A PSICAN LISE CONTRIBUIU PARA A APREENS O DAS TRANSEXUALIDADES O que nos leva a acreditar que somos homens ou mulheres A resposta autom tica seria a refer ncia calcada na anatomia mas a hist ria e a antropologia como j apresentei concordam que e
381. o analista seja uma recomposi o do discurso narrativo fornecendo uma melhor representa o da hist ria do paciente reordenando seus acontecimentos ampliando seus temas dominantes e compreendendo a for a do desejo que fala dele e por meio dele tornando o trabalho anal tico um processo de constru o Freud 1980 1937 p 293 294 faz uma associa o entre o trabalho do psicanalista ao de constru o ou se preferir de re constru o assemelha se escava o feita por um arque logo embora o analista esteja em melhores condi es por ter mais material para ajud lo j que n o algo destru do mas vivo a partir dos fragmentos de lembran as das associa es e do comportamento do sujeito em an lise Para o arque logo por m a reconstru o objetivo e final de seus esfor os ao passo que para o analista a constru o constitui apenas um trabalho preliminar Em seu artigo Lembran as Encobridoras 1980k 1899 Freud nos mostra o quanto o inconsciente deixa suas pegadas suas passadas exigindo e impondo um trabalho sempre realizado a posteriori de constitui o do sentido Suas marcas mn micas pedem tradu o e mesmo na repeti o produz singularidades que o tornam original Aquilo que aconteceu no real nunca poder ser recuperado j n o o mesmo passado mas sim sua leitura ressignificada compreendendo o tempo de uma maneira n o linear afinal o inconsciente atemporal Um rela
382. o artigo Freud 1980 1924 p 211 coloca que a fim de provocar a puni o parental o masoquista deve agir contra seus pr prios interesses arruinar as perspectivas que se abrem para ele no mundo real e talvez destruir sua pr pria exist ncia real A destrutividade que retorna do mundo externo tamb m assumida pelo supereu sem qualquer transforma o desse tipo e aumenta seu sadismo contra o eu O sadismo do supereu e o masoquismo do eu suplementam se para produzir os mesmos efeitos E mais adiante ele diz que assim podemos compreender como a supress o de uma puls o pode resultar em um sentimento de culpa e como a consci ncia de uma pessoa se torna mais severa quanto mais se abst m da agress o contra os outros FREUD 1980 1924 p 212 No caso de J ferson pode decorrer da o que o levaria a tentar destruir a sua pr pria condi o ps quica como solu o para as puls es ancoradas no corpo ou seja seu psiquismo oferece uma solu o para os destinos de suas puls es O perigo do masoquismo moral segundo Freud reside no fato de originar se da puls o de morte e corresponder parte dessa puls o que escapou de ser voltada para fora como puls o de destrui o A aus ncia de p los mais que um significante feminino representaria um corpo infantil e a altera o corporal funcionaria como um anteparo ao olhar do Outro ou ainda uma de marca o de uma superf cie corporal Anzieu 2000 p 61 vai propor a no o d
383. o biol gico No entanto o que faz uma pessoa afirmar que pertence a outro g nero segundo Bento 2003 um sentimento e para algumas a transforma o do corpo pela hormonoterapia j suficiente para lhes garantir um sentido de identidade n o sendo portanto a reivindica o cir rgica o crit rio para tal defini o 12 P4 ER o P At o momento foram atendidas em nossa institui o somente transexuais femininas em um n mero ainda reduzido de 20 pessoas dentre as quais nem todas se submeteram ao acompanhamento interdisciplinar e cirurgia BO car ter experimental de tal pr tica dramatiza a situa o dessas pessoas transexuais pois estas ficam sujeitas a serem objeto de estudo tendo na maioria das vezes de se exporem para alunos Tal pr tica j instaurada na cultura hospitalar universit ria como necess ria ao ensino vivenciada com constrangimento pela a maioria das pacientes No entanto diante da aus ncia de alternativas essas pessoas se submetem a essa situa o 17 financeiros destinados pesquisa j que n o se trata de um procedimento custeado pelo Sistema nico de Sa de SUS Quando aceitei o convite para fazer parte dessa comiss o n o tinha muita clareza dos impasses com os quais iria me deparar Meu percurso pelo hospital iniciou se em 1992 e j era poss vel perceber um aumento de casos n o s de homens biol gicos que se sentiam mulheres e o oposto como de novas manifest
384. o convento para se casar com o pai de J mas arrependeu se dessa escolha Na inf ncia J adorava brincar de madre Colocava um len ol na cabe a e simulava um altar ou ia a uma capela onde passava horas rezando Questionada sobre o porqu disso respondeu que sempre sonhou ser freira tal como a m e mas sabe que nunca seria aceita como referindo se a transexualidade Com isso justifica o fato de n o sentir desejo sexual Com forma o cat lica foi coroinha e coordenou grupos de jovens Por m foi convidada a se afastar da igreja quando o padre de sua igreja foi substitu do por outro que n o aceitou sua homossexualidade alegando que ela n o poderia trabalhar com jovens sendo uma pessoa desse tipo J pensou Eu nunca seria um homossexual Eu n o concebo isso acho que Deus tamb m n o comenta em rela o rea o do padre Embora tenha se sentido mal com essa rejei o do padre aceitou o afastamento pois concordava que sua suposta homossexualidade aspecto feminilizado era algo que Deus n o aceitava Por m n o gostou de ser comparada a uma pessoa homossexual o que a fez afastar se da igreja e buscar um sentido para seu sentimento em outra religi o Sentiu se acolhida pelo espiritismo que compreende a transexualidade como um karma isto um castigo pelas vidas passadas em que usava o corpo de forma errada como prostituta agora eu devo pagar pelos os meus erros E
385. o da sua m e e da sua irm lugar privilegiado quando se percebe com o tio em cenas de sedu o Lugar privilegiado do lado do qual se sente protegida Protegida do que Talvez das fantasias homossexuais talvez das fantasias incestuosas Pergunta ao namorado O que v em mim E ele responde Vejo em voc um anjo Ela ent o me diz Bom seria se n o houvesse sexo passaria muito bem sem ele Sobre a fascina o contemplativa de uma identifica o imagin ria tal como n o desviava o olhar da irm Maria veste se de mulher e mostra seu desejo de ser sustentada pelo olhar do outro que se torna limitado pelo Real quando o corpo vivenciado como um obst culo realiza o de seu desejo quando a cirurgia est tica o laser o tratamento hormonal e a mudan a de sexo se tornam imperativas Sua exist ncia a partir da vetorizada por um gozo singular ser objeto do olhar do outro funciona como a nica via que encontra aberta para ocupar no desejo do outro Com a formatura Maria passou a morar com sua m e alegando que n o poderia separar se dela pois n o tinha como pagar as despesas Mudou se para uma cidade muito distante daqui e ficou dif cil vir s sess es De alguma forma o conselho da m e de primeiro 137 z E Por que ser que existem tantas autobiografias de transexuais Seria uma forma de transformar em palavras essa experi ncia afetiva j que muitas n o t m a oportunidade de uma an lise
386. o de aliena o mental implicando em hospitaliza o mais que em san o penal tratava se de uma afec o do entendimento falso Ju zo ou del rio parcial classificado como uma das monomanias A rela o entre o comportamento homossexual e a masculinidade ou a feminilidade da pessoa modificou se profundamente construindo se o conceito de invers o que passou a representar tudo que era considerado um desvio sexual 3 3 3 A Inven o do Terceiro Sexo A pr hist ria do conceito de transexualidade remete ao surgimento durante o s culo XIX de um novo discurso m dico sobre as pervers es e mais precisamente constru o do conceito de invers o Nessa poca o invertido encarnava a figura do que tinha uma alma de mulher em um corpo de homem ou o inverso e caracterizava se pelo desejo de vestir se tal qual o sexo oposto e escolher como objeto de amor algu m de seu pr prio sexo anat mico Esses tra os revelavam se como as manifesta es de uma id ia obsessiva cujo ponto de partida era uma anomalia sexual do c rebro Constru do tanto pelos m dicos quanto pelos indiv duos que se consideravam invertidos esse conceito corresponde a novas necessidades te ricas provocadas pelas modifica es sociais do per odo e especialmente pelo discurso da Ci ncia e pela redistribui o dos poderes religiosos e jur dicos FOUCAULT 1976 O conceito de invers o recebeu influ ncia do termo uran
387. o esse o ponto que diferencia o nosso trabalho Minha fun o partindo do referencial psicanal tico n o de me pronunciar se a pessoa deve se submeter interven o hormonocir rgica ou n o mas de acolhimento com a oferta de acompanh la em sua poss vel escolha bem como nas consegii ncias desta dentro do mito que criou para sua vida levando em conta ainda a particularidade do percurso de sua organiza o subjetiva Afinal como disse N sio 1993 cada uma faz sua cria o particular Essa opini o refor ada pela experi ncia do psicanalista Ceccarelli 2003 p 6 que escutou transexuais durante anos em hospital Quando trabalhamos com transexuais temos que enfrentar uma situa o no m nimo inusitada na maioria dos casos estes sujeitos n o procuram um terapeuta com uma demanda de ajuda e muito menos com uma demanda de an lise Ou seja eles n o apresentam nenhum conflito ps quico no sentindo neur tico se conflito existe este se deve muito mais s quest es s cio culturais Por isto os relatos de an lise de transexuais s o relativamente raros Aqueles que se submetem a um processo terap utico o fazem para preencher um dos pr requistos formais para a obten o da autoriza o para serem operados N o podemos esquecer que para o transexual verdadeiro o problema desenrola se muito mais na cena corporal do que na vida ps quica ele n o tem d vida de sua identidade sexuada o corpo que vai mal A
388. o menos imaginariamente nos protegesse Diante dessas exig ncias legais algumas quest es eram inevit veis considerando que muitas outras interven es tamb m n o t m mais volta por que ter amos de autorizar uma cirurgia Em 2006 o Minist rio da Sa de por meio de uma comiss o t cnica envolvendo profissionais bem como representantes do Coletivo Nacional de Transexuais passou a discutir a possibilidade de custear o Processo Transexualizador no SUS dentro do princ pio da universalidade integralidade e eq idade na sa de p blica mas at o momento isso n o acontece Toda candidata deve se submeter a um acompanhamento multidisciplinar pr e p s cirurgia Recomenda se que este seja suficiente para que n o pairem d vidas na equipe quanto aos resultados O argumento que extirpar o p nis e os test culos de algu m e artificialmente criar uma vagina forjada na regi o apropriada n o se restringe ao simples ato cir rgico A pessoa deve estar preparada para a irreversibilidade do ato Seguindo uma tend ncia internacional defendida nos documentos oficiais neste trabalho o tempo m nimo exigido de dois anos No entanto o final desse percurso n o significa que a pessoa estar automaticamente apta cirurgia devendo haver uma avalia o multidisciplinar que decida se a pessoa est pronta para isso 16O m dico Roberto Farina 1982 foi processado por les es corporais ao realiza
389. o no desejo do tio substituto paterno que ela se referir mais tarde Freud 1980 1914 afirma que a constata o das diferen as dos sexos imp e ao Eu Ideal uma des idealiza o cujo efeito uma quebra de ideal narc sica em que a crian a para se proteger pode inventar outros caminhos para lidar com o complexo de castra o A partir desse instante Maria se posicionou como mulher indo buscar como Ideal do Eu o feminino Na adolesc ncia se incomodou com o aumento dos p los e se iniciou uma dupla vida em casa para n o entrar em conflito com os pais que at ent o n o sabiam de nada seguiu sendo Jo o e para os outros Maria Quando assumiu para os pais seu desejo de vestir se como mulher gerou um conflito e a busca por um psiquiatra para avaliar o grau de sua loucura que ao diagnostic la como transexual nada fez al m de orientar os pais que decidiram mudar se de cidade interrompendo o acompanhamento Mostrava se em conflito em rela o ao momento de realiza o da cirurgia Pensava que se conseguisse um emprego estaria independente financeiramente dos pais e teria condi es de realizar todas as cirurgias que idealizara as quais teria que pagar pois a retirada do p nis era a menos vis vel mas a nica realizada em institui o p blica sem custos Por outro lado temia sofrer discrimina o e dificuldade de conseguir um emprego enquanto n o fosse reconhecida social e juridicamente como mulher Seus
390. o pai afastado de um lugar simb lico se torne presen a real e amea adora impondo de maneira intoler vel a exig ncia de uma satisfa o imposs vel Conseq entemente denunciava a morte de sua subjetividade petrificada no corpo masculino evidenciando o apagamento da supl ncia que permitiria constituir se como sujeito do desejo A transexualidade se apresentou como sintoma de substitui o toxicomania que aparece inicialmente impedindo o de concretizar a fantasia de destruir o pai retornando a si mesmo seja pela id ia de suic dio ou pela id ia de matar sobretudo sua masculinidade e portanto sua agressividade mort fera onde n o h um sujeito que representaria um significante para outro significante mas petrificado no corpo um corpo mal olhado que sofre os efeitos de um supereu cruel que o tiraniza Freud nos diz que para escapar ao supereu o sujeito vai se agarrar ao ideal Lacan coloca o ideal do eu como lugar do Outro modelo simb lico da aspira o imagin ria 212 diferentemente do supereu cujo comando insensato e sem sentido em que n o h articula o entre o simb lico e o imagin rio em que o ideal feminino poderia ser um significante de supl ncia diante da foraclus o do Nome do Pai Manter se no lugar de semblante n o foi suficiente para apazigu lo e J ferson n o encontrou seu lugar j que suas tentativas de identifica o simb lica com o pai fracassaram ser lutador efeito de uma pr te
391. o pai como algu m muito quieto que pouco fala Sua m e mais pr xima e lhe ensinou cozinhar e costurar mais uma vez mostra que a m e quem sabe referindo que adora trabalhos manuais tal como a m e Seus irm os se casaram e s ela mora com os pais sentindo se respons vel por eles Reconhece ter dificuldade para abandon los Esse sentimento interfere em suas escolhas como estudos e emprego j que residem em uma cidade com poucas op es Presa ao que sup e ser o desejo dos pais sonha em casar se na igreja com um lindo vestido de noiva para dar ao pai a felicidade que sua irm n o deu ao n o se casar oficialmente com o companheiro Come ava a se vislumbrar o modo como J se relacionava com os pais principalmente a m e oferecendo se muitas vezes como objeto de gozo de ambos Com medo de dormir sozinha at os vinte anos dormiu com os pais N o consegue identificar qual era seu medo mas sup e ser principalmente do escuro e sem que eu perguntasse falou que nunca presenciou nem desconfiou de nada Nada o que pergunto Acho que eles nunca fizeram sexo perto de mim E o que te faz pensar isso Meu sono era muito leve e eu teria ouvido alguma coisa Al m disso acho que eles nem faziam sexo Em v rios momentos mostra a sua posi o de nada saber sobre o sexo se perfilando aqui sua teoria sexual infantil Meu pai nunca deixou faltar nada em casa mas era muito distante Ficava muito t
392. o para ela e ganhar significaria a possibilidade da assun o f lica ter o falo que permitiria ao sujeito assumir sua posi o sexuada Ao manter se como objeto da m e Jac obturou a falta materna no Real do corpo cristalizando se no lugar de objeto fantasm tico da m e Para deixar de ser objeto e tornar se sujeito criou uma vers o para o desejo da m e atrav s de uma fic o e dos sintomas apresentados advindos da busca em significar esta l gica Jac me contava da dor que sentia ao se deparar com a luz e era preciso dar ancoragem a esse gozo intensificado pelas frases percebidas como premonit rias da m e sua irm sabia que iria morrer e mais tarde ainda vai acabar acontecendo uma trag dia remetendo a a cena da viol ncia entre ela e o pai que hoje aposentado de guerra A guerra que ele estendeu para o meio familiar ao fazer da vida de Jac um inferno e que na atualidade encontrava se inv lido cumprindo se tamb m com a sua premoni o um dia seu velho desgra ado voc ainda vai depender de mim 246 8 2 6 SE QUER SER UMA MULHER QUE SEJA UMA MULHER DE VERDADE Iemanj o nome que escolhi para falar de uma paciente que acompanhei h algum tempo quando foi encaminhada pela medicina ap s realizar os exames que descartaram a possibilidade de ambigiiidade em sua anatomia sexual Seus tra os masculinos denunciavam que as a es dos horm nios na puberdade deram lhe o corpo forte
393. o seria estar em um motel Produziu se vestindo uma lingerie linda e ficou se insinuando mas disse que queria que ele ficasse s olhando Ele quis que ela tirasse a roupa o que a fez entrar em p nico imaginando que se ele descobrisse ela poderia ser agredida pois ele era um tanto rude Mas uma mistura de medo e desejo eu gosto de imaginar um homem viril me possuindo Colocava se em situa es de risco e ao mesmo tempo queria que algu m a protegesse Ela conclui 189 Me deu nojo daquele lugar Ele ficou nervoso com raiva e comeu o sandu che que nem um porco Aquelas cenas de sexo na TV Aquilo horr vel me deu n usea Eu detestei ver o p nis dele fiquei com medo dele me machucar Maria ent o se afastou desse homem e passou a encontrar se com um outro bem mais velho divorciado Com ele ela se abriu mas o via apenas como um caso pois n o sentia atra o por ele Entretanto sentia um enorme prazer ao t lo por cima como numa rela o homem mulher sendo que ele perguntava frequentemente quando ela realizaria a cirurgia para que tivessem uma rela o sexual heterossexual Sentiu nessa rela o algo que relacionou a um orgasmo vaginal mas rejeitava olhar o rg o masculino do namorado e fazer sexo oral sentia nojo Sentia se virgem e o nojo associado talvez fosse produto do jogo identit rio Quando um homem insistia em transar ela dizia que Quando acontecer tem que ser especial com
394. o seu eu e que s o igualmente pontos de arrimo de estabiliza o de in rcia trata se de reconhecer o eu do sujeito LACAN 1978 p 212 A n o aceita o do corpo que observamos nas transexuais seria portanto uma supress o do acesso a uma determinada representa o com as demais representa es que constituem seu eu em rela o ao corpo anat mico Separando o ser de seu corpo persistiria um saber sobre seu corpo e sua identidade sobre os quais ele n o sabe nada O poder de nomear o corpo estruturaria sua percep o uma vez que esta s pode manter se dentro do simb lico O que difere ent o o corpo de uma carne a puls o sempre parcial resultante dos investimentos libidinais e da incorpora o da linguagem sem a qual ele coisifica Ao conceituar a puls o Freud 1980w 1914 coloca a distin o entre corpo anat mico e corpo libidinal e em sua teoria sobre o narcisismo ele diz que essa erogeneidade uma propriedade de todos os rg os O narcisismo seria um est gio indispens vel a esse desenvolvimento no qual ocorreria a passagem do auto erotismo o amor de si ao amor objetal alvo dos investimentos libidinais e que permitiria ao sujeito o acesso ao outro a alteridade 7 2 2 Corpo Falado e Corpo Sexual Do que foi constru do at aqui conclui se que o corpo tem fun o metaf rica de um enigma a ser decifrado pois Freud considera que nos sintomas corporais h representa es recalcadas qu
395. o v nculo com seu desejo como tal e justifica essa recusa pela aus ncia de reconhecimento no social alegando a pouca complac ncia manifestada pela sociedade na aceita o das consegii ncias da exist ncia do significante singular que o Falo Ela portanto responsabiliza inconscientemente o corpo social por sua pr pria posi o de rejei o desse significante e lhe pede ent o para reparar as consegii ncias disso por sua pr pria conta Frignet 2002 p 110 101 A transexualidade aqui n o se articularia clinicamente de modo linear mas sobre dois eixos de coordenadas Um que concerne identidade sexual em sua vertente identit ria e sua vertente sexual outro que concerne ao individual e social O transexualismo enquanto s ndrome psiqui trica concerne antes de tudo a um sujeito em sua rela o consigo mesmo da o emprego fregiiente do termo sujeito O fen meno transexual interessa a sociedade atrav s do olhar que ela lan a sobre a pessoa e as respostas que ela d s suas demandas O sujeito com efeito mais do que pessoa Se a aquisi o da identidade sexual requer o real do sexo o biol gico ela tamb m se ap ia no que dele aparece os caracteres sexuais prim rios e secund rios Mas o essencial seu reconhecimento simb lico pela fala a do Outro encarnado quase sempre pelos pais Segundo Frignet 2002 p 92 n o por acaso que a transexualidade foi inventada ao
396. obre a inf ncia com crian as efeminadas e centrou seu discurso no sucesso do tratamento psicoter pico como proposto por Stoller para evitar a transexualidade Segundo Chiland 1988 cada sujeito constr i sua identidade a partir da interpreta o pessoal da imagem ideal que os progenitores possuem dele e daquilo que precisa ser para ser amado Retoma a posi o stolleriana de transexual prim rio e secund rio na qual no primeiro caso o conflito ps quico seria mais precoce e neste ltimo seria uma modifica o de uma posi o homossexual ou de um travestismo fetichista Quanto ao conflito ela diz que n o h mais simbiose normal do que autismo normal onde o beb absorve os processos ps quicos de seus pais sem que os elabore e os interprete Para ela o menino que pode converter se em transexual sente se amado na condi o de que reprima sua virilidade e se aproxime da imagem ideal que ele sup e ser a condi o para ser amado tendo a influ ncia real de ambos pai e m e nesta cren a Desse modo remete a transexualidade a uma perturba o narcisista e se trata de poder amar a si mesmo ao fazer se amado pelos pais Oppenheimer 1980 prop e que a ruptura entre sexo e g nero representaria a denega o de um v nculo significante essencial a nega o da puls o sexual da instaura o das representa es sobre o corpo e do inconsciente A transexual buscaria converter se em mulher para anular r
397. obre sua feminilidade e 252 lhe faz uma demanda reflete a busca na segunda gera o daquilo que n o pode encontrar na m e e no pai Diante de um discurso entre o simb lico da lei e o imagin rio do corpo podemos deduzir que o desejo e as palavras tiveram for a de lei sobre a anatomia Em nenhum momento disse de sua incerteza sexual ela sabia que era um homem biol gico mas lamentava n o ser como as outras mulheres o que apaziguaria seu sofrimento no mundo do trabalho das rela es afetivas e sociais Assim para Iemanj o ideal de ser o que sup e que sua m e quer n o ser como o pai a possibilidade de manter o amor dessa m e e consequentemente o amor por si mesma E atrav s dessa identifica o narc sica que ela idealiza o pr prio eu como eu ideal alienado no desejo do outro portanto n o desejante Freud escreve que as mulheres amam e fazem suas escolhas objetais segundo o tipo narcisista Ou seja o que importa ser amada e n o amar Ao escolher como objeto sexual os que as amam como algu m um dia as amou transformando se em seu ideal e satisfazendo seus desejos narc sicos ao ser para o outro o ideal mant m se na ilus o de ser o falo Ao n o ser um sujeito desejante n o tem que se haver com a falta alienando se no desejo do outro Dado que o sujeito se caracteriza como transexual a partir do significante que o classifica enquanto tal sua identifica o gerou uma classifica o diferente do
398. ocial a an lise pode trazer lhe harmonia paz de esp rito plena efici ncia quer ele continue homossexual quer mude JONES 1998 P 214 215 poss vel ainda pensar que a partir de uma oferta de escuta em uma posi o diferenciada da que prevalece no contexto hospitalar promove se no sujeito o desejo de falar e abre se tamb m a possibilidade de que ele mesmo se escute permitindo lhe ressignificar o pr prio discurso ao subjetiv lo A efic cia desse trabalho transforma se em consequ ncia de um ato que tem como pr condi o a tica do desejo Publicada pela primeira vez em 1951 no original a carta foi extra da do American Journal of Psychiatry abril 1951 p 789 e encontrada tamb m na biografia de Freud escrita por Ernest Jones 1998 38 2 3 DA CL NICA PESQUISA EM PSICAN LISE Safra 1993 p 126 salienta que a cont nua busca da verdade da realidade ps quica que fundamenta o trabalho e a tica do analista e o leva a usar sua experi ncia cl nica para investigar conceituar publicar e manter se em cont nua evolu o como profissional Segundo esse autor a articula o te rica sem refer ncia cl nica corre o risco de aproximar se das manifesta es de pensamento delirante e a cl nica sem a conceitualiza o te rica pode se perder na indisciplina de uma pr tica onipotente e sem rigor metodol gico Freud sempre foi al m do objetivo terap utico ou seja seu horizonte era inicialm
399. oi sua primeira experi ncia sexual Ele era considerado um galinha e quando a esposa descobriu a m e de Jac a trancou em casa propiciando o rompimento da rela o Fala de relacionamentos atuais com policiais que me levam a questionar o que procura neles Diz que porque s o bonitos de farda mas penso que pode ser mais que isso Lembra se de pensar que nunca iria ser um homem como o pai Talvez estivessem a as raz es porque se sentia atra da por policiais prote o mas tamb m conten o dos impulsos agressivos que sentia em rela o ao pai Refere ter sofrido desmaios na adolesc ncia que ela denomina de crises de aus ncia sendo visto como normal pelos m dicos segundo ela nessa fase da vida Por m tomou anticonvulsivante durante muito tempo Os conflitos em rela o aos pais se exacerbaram na adolesc ncia fase em que seu corpo peso e estatura poderia responder aos impulsos er ticos e agressivos sentidos na inf ncia Ao falar do pai como uma aus ncia de sua fun o paterna e paradoxalmente da presen a marcante em sua vida de alguma forma isto me remeteu a hist ria de J ferson e apostei na pergunta N o podia ser homem n o queria ser igual ao pai Em um choro repentino diz que por ser muito grande e forte tinha medo de uma hora mat lo Quando se tornou adolescente e seu pai tentava bater em sua m e ele a defendia e avan ava no pai Tinha que conter toda a sua agressividade p
400. ois receava n o conseguir se controlar Batia muito no meu pai se eu fosse homem teria acabado com ele mas era um homem biol gico e agora cuida dele tendo desejado que isso acontecesse 243 N o se sentia culpada de desejar outro homem mas prazer de que o pai soubesse de suas experi ncias homossexuais como uma contesta o de sua identifica o paterna ele merecia ter um filho assim Fala de sua posi o provocativa em rela o ao pai mas tamb m m e que n o se defendia e nem defendia os filhos desse lugar Fala de uma aus ncia de afeto acha que n o ama nem o pai nem a m e e de uma indiferen a que na verdade nunca amou ningu m Disse me o quanto guardou isso a vida toda e que n o imaginou que um dia tivesse coragem de contar a algu m porque era muito terr vel e relembrar causava muita dor Perguntei se ela achava poss vel que isso tivesse contribu do para o seu sentimento de ser mulher Ela diz que bem prov vel pois sempre que se vestia de mulher sentia prazer de pensar que estava afrontando o pai Mas que n o tinha mais jeito agora n o tinha mais volta teria que ter me encontrado h muitos anos atr s Considera es Finais Jac imaginava que sua constru o do feminino estivesse pronta acabada e portanto a cirurgia funcionaria como um retoque final Seus conflitos apontavam para a morte de sua subjetividade petrificada no corpo que queria retificar A matriz desse sentim
401. ome de eonismo em 17770 para definir o que hoje se convencionou chamar de travestilidade era homem e vestia se de mulher para miss es secretas a servi o do rei Lu s XV da Fran a 3 2 3 As Pr ticas Homoer ticas As pr ticas er ticas entre pessoas do mesmo sexo biol gico sempre estiveram presentes na hist ria da humanidade e receberam diversas formas de tratamento em cada cultura Houve um tempo em que elas eram consideradas uma atividade t o nobre que S lon proibiu que os escravos a praticassem Conforme Badinter 1993 p 80 amar os rapazes era pr tica livre n o s permitida pelas leis mas admitida pela sociedade era uma pr tica culturalmente valorizada sob a forma de pedagogia servindo de suporte s inicia es do conhecimento Essa hist ria transformou se em um filme dirigido por Michael Anderson chamado Pope Joan estrelado por Liv Ulmann em 1972 A hist ria mais conhecida na Fran a sobre isso foi a de Joana D Arc contada por Montaigne em 1580 Como sabido Joana D Arc foi enforcada e queimada em fun o de ter sido condenada por bruxaria pois se vestia como homem ae Segundo DYNES W Enciclop dia da Homossexualidade New York Garland Press 1990 o termo travesti foi escrito pela primeira vez em 1910 por Hisrschfeld No Brasil o termo utilizado desde 1939 sendo que alguns estudiosos defendem que seria mais correto travestido ou travestis COUTO 1999 p 22
402. omem ou mulher como distinguir Um do Outro 3 3 5 A Busca da Verdade Sexual Embora se tenha avan ado muito desde Herculine Foucault 1978 considerou que a id ia de se ter um verdadeiro sexo estava longe de ser dissipada Por isso evitava se engano a respeito de tal verdade e acreditava se que o sexo escondia o que havia de mais verdadeiro em cada um Embora n o se tivesse mais a vis o de uma amea a ordem estabelecida a sociedade a medicina e o jur dico ainda acreditavam tratar se de um erro e portanto deveria ser corrigido Era preciso desvendar o verdadeiro sexo e a verdade velada secretamente nele a estrutura de seus fantasmas as ra zes de seu eu as formas de sua rela o com o real FOUCAULT 1978 p 4 Foucault 1993 faz uma an lise do tratamento dado pela medicina em sua obsess o na busca pela verdade por tr s do aparato sexual seja nas pessoas hermafroditas tal qual a hist ria de Herculine ou dos invertidos do s culo XIX seja nas transexuais cujo prazer deveria ser suplantado pelas pr ticas ditadas pela bio norma heterossexual Por essa via o autor interroga os supostos naturais em que as certezas est o ancoradas e que quando desmoronadas tendem realidade forjada pela cultura em que se insere A identidade de g nero ser um homem ou uma mulher tornou se indissol vel da identidade sexual biol gica e as homossexualidades caminhavam em paralelo ao surgimento de um transt
403. omo indefini o sobre o pr prio corpo As modifica es corporais n o s o acompanhadas de uma representa o imediata do corpo ela precisa ser constru da o que se observa na experi ncia das transexuais em sua rela o s transforma es da puberdade Essa injun o interliga voz e olhar lei e puls o e podem provocar uma apresenta o em corpo vergonha n usea Um limite um imposs vel de conciliar precisa encontrar uma dupla inscri o que se d tanto no registro do real cirurgia para fabricar uma vagina quanto do simb lico ser reconhecida como mulher As leis de interdi o s o formas de organiza o cultural que n o respondem a nenhum fundamento biol gico mas que produz c digos signos A transexual estando sujeita a uma interdi o que exclui o homossexual como objeto de desejo instala esse objeto como identifica o melanc lica sem luto e assim esta identifica o cont m o interdito e o desejo A perman ncia do apego homossexual forclu do 130 O termo abjeto proposto por Butler 1998 tem o mesmo sentido gramatical que encontramos nos dicion rios da l ngua portuguesa imundo desprez vel vil infame Conforme BUENO S Dicion rio da l ngua portuguesa S o Paulo FTD 2000 Por m ainda para Butler n o se trata de algo restrito a sexo e heteronormatividade mas de todos os corpos vidas que n o s o considerados vidas 153 aterroriza ambos os sexos O interdito da homossexualidade opera
404. onceitos e formula es que desenvolve Assim no interior da sua constru o te rica o corpo pode ser pensado a partir de sua concep o dos tr s registros fundamentais os quais permitem reflex es sobre a incid ncia subjetiva no corpo transexual o Imagin rio o corpo como imagem o Simb lico o corpo marcado pelo significante e o Real o corpo como sin nimo de gozo e daquilo que n o foi investido pela linguagem Mas antes de avan armos em seu estudo necess rio delimitarmos as conceitua es freudianas das quais Lacan se baseou e que se relacionam puls o ao narcisismo e identifica o na constitui o do eu ego 7 2 1 Entre o Ps quico e o Som tico O Corpo Pulsional A concep o freudiana de corpo ocupa um lugar no universo ps quico do sujeito e portanto em um terreno subjetivo tomado pela puls o que n o cessa de insistir Freud primeiramente vai falar de puls o de autoconserva o ou seja de algo que se relaciona necessidade e priva o de um organismo para se distanciar da biologia ao opor o instinto instinkt necessidades vitais puls o trieb e alcan ar a segunda t pica puls o de vida e puls o de morte O conceito de puls o considerado por Freud 1915 como m tico pelo fato de que ela nunca se d por si mesma sendo conhecida pelos seus representantes a representa o Vorstellung e o afeto Affekt e tamb m pela dupla ess ncia som tica e ps quica Lacan 1964
405. ondi o masculina Sobre a masturba o e sobre a excita o sexual dizia que faz tempo que isso n o acontece consegue se controlar treinou para n o ter ere o nem diante do desejo por outro homem associando aqui a ere o atra o por outros homens Mas se treina e n o tem ere o para que o medicamento Responde que o m dico explicou lhe que ter ere o noite normal e independente de pensar em sexo ou n o e que n o adiantaria a medica o s a cirurgia vai livr la disso Necessitava que as pessoas e eu n o tivessem d vidas de sua feminilidade reiterando que sua ere o n o refletia um desejo pois supunha que se assim fosse estaria mais pr xima do universo masculino N o tinha ere o quando estava com os homens mas tinha quando estava sozinha Referia que sua masturba o acontecia de um jeito feminino que ela associava com a fric o entre as pernas fazendo a gozar Colocava nesse ato masturbat rio o gozo que fantasiava ser o gozo feminino Podia ter desejo podia ter excita o mas desde que fosse do lado que imaginava feminino N o podia negar que gozar era bom mas tinha que ser como mulher E assim Maria foi elaborando as significa es de sua experi ncia libidinal negando as limita es impostas pela sua anatomia e apoiando se nos tra os que lhe permitiam referir se ao feminino Mais uma vez a tentativa de ir moldando se dentro do que acreditava s
406. onstru es O sujeito desejante s desejante quando al m de gozar insere seu gozo no lugar do Outro lugar em que se inscreve sua falta adquirindo toda a import ncia da identifica o do falo como objeto H ent o uma alteridade em jogo para o sujeito desejante e por outro lado o gozo nunca ser alcan ado Como disse Alouch 2000 se o gozo est do lado da sexualidade e a palavra heteros do lado da alteridade n o h heterossexualidade pois se houvesse o Outro seria sexuado Se por um lado a experi ncia da pessoa transexual com seu corpo encontra uma diversidade de possibilidades de gozo por outro a diversidade identit ria garante algo que vai al m de um gozo puramente sexual Para al m disso nessa amplitude de demandas observamos uma dimens o de conflito em sua busca obstinada por corresponder a um eu ideal a transexual precisa ser n o s A Mulher ideal mas tamb m ter o corpo ideal condi o necess ria para manter se em um lugar tamb m ideal na cultura em que se insere 120 6 1 5 O Eu Ideal e o Ideal de Eu na Constru o Identit ria do Sujeito As identifica es prim rias s o b sicas para as primeiras identifica es do sujeito Ao romper se a ilus o narc sica da indiferencia o do eu desencadear a ang stia de castra o e a passagem do eu ideal ao ideal do eu O ideal do eu o substituto do narcisismo perdido na inf ncia segundo Freud 1914 sendo necess ria a cria o de um agent
407. onting ncias passadas dando lhes o sentido das necessidades por vir tais como as constitui a escassa liberdade pela qual o sujeito as faz presentes 2 3 1 Narrativa Um Recurso Auxiliar A condi o narrativa remete a experi ncia humana a uma permanente reelabora o ou ainda a uma auto inven o Como Freud 19801 1914 j havia postulado em Recordar Repetir e Elaborar n o h repeti o sem elabora o n o h mem ria sem recria o A repeti o ao mesmo tempo sinalizadora da possibilidade de supera o e produ o do novo 2 Segundo Brooks 1994 o tipo de explana o do qual a psican lise trata inerentemente narrativa exigindo uma melhor compreens o do presente e j uma mudan a interna por meio de hist rias do passado que foram bloqueadas da consci ncia Freud contribuiu para a concep o da narrativa em sua forma de explana o e entendimento dos sintomas Ele quer achar a origem uma causa para explicar os sintomas por isso tenta reconstituir as cenas O psicanalista j est envolvido com as est rias contadas SA narrativa considerada aqui n o um m todo de pesquisa mas um recurso para expor os dados cl nicos O Jornal de Psican lise 2002 publicou um artigo de Rudelic Fernandez que apresenta quatro modelos para a narrativa do caso cl nico em Psican lise cient fico hist rico liter rio e hermen utico Os dois primeiros primam pela impessoalidade do relato e pel
408. ontradi o entre corpo e subjetividade e que se definem como transexuais 14 Roughgarden 2005 p 288 estimavam a ocorr ncia de 1 caso a cada 30 000 homens e 100 000 mulheres Trabalhos mais recentes na Holanda t m mostrado a ocorr ncia de 1 caso a cada 11 900 homens e 30 400 mulheres revelando um universo de popula o tr s vezes maior do que se imaginava anteriormente Al m disso alguns estudos recentes estimam propor es ainda menores em raz o de ser uma faixa populacional pouco observada e carente de servi os especializados no atendimento sua sa de f sica e mental No Brasil ainda n o h estudos epidemiol gicos sobre essa popula o em espec fico H predomin ncia da transexualidade no sexo biol gico masculino a n o ser na Alemanha cuja rela o homem mulher era 1 1 em 1997 Outro estudo na Esc cia em 1999 mostrou uma preval ncia de 8 18 em 100 000 com uma rela o homem mulher igual a 4 1 Em um levantamento entre crian as em uma cl nica psiqui trica canadense de 1978 a 1995 encontraram se 275 transexuais com uma rela o menino menina igual a 6 1 ROUGHGARDEN 2005 p 288 289 Esse tema tem adquirido visibilidade al m do hospital invadindo o cotidiano das sociedades ocidentais levando nos a refletir sobre os novos rumos da sexualidade contempor nea O circuito cinematogr fico tem registrado os fen menos transexuais filmes como Madame Butterfly 1995 Minha vida em cor de rosa 19
409. ontrar em Harry Benjamin ao tratar transexuais v rias d cadas depois 70 restaurar a ilus o da heterossexualidade mesmo que para isso sacrificasse a fun o de reprodu o MERCADER 1997 p 34 O objetivo de criar o conceito de invers o foi retirar o sentido criminal dos comportamentos homossexuais no entanto as pr ticas cir rgicas promoveram uma ruptura no continuum te rico desse conceito Os anos de 1930 foram marcados por dois tipos de fen menos a respeito da identidade sexual de um lado o caso das ambig idades sexuais hermafroditismo ou intersexuais em que o sexo atribu do no nascimento n o condizia com o sexo biol gico A causa de tais ambigiiidades era ligada aos fatores ambientais e educa o em que um menino biol gico educado como uma menina se sentiria uma menina De outro lado a no o de mudan a de sexo apareceu para qualificar pr ticas m dico cir rgicas Em 1931 os primeiros casos cir rgicos de castra o foram relatados com o sentido de feminiza o do sexo Iniciava se assim a diferencia o entre a castra o terap utica para a invers o na qual a abla o dos test culos visava debilitar o instinto sexual a fim de proibir os atos homossexuais e a mudan a de sexo cir rgica Nas mulheres os m dicos realizavam a retirada dos seios ov rios e o enxerto de test culos se A primeira cirurgia que despertou a aten o da imprensa sensacionalista nos EUA fora a
410. onvoc lo a se posicionar subjetivamente sobre algo permitindo lhe sair do lugar de objeto da medicina que supostamente sabe mais sobre ele ao se envolver em uma rela o sustentada pela transfer ncia Retomo os casos para enfim no ltimo cap tulo tecer as minhas conclus es sobre o que foi poss vel compreender nesse percurso e que poder orientar a resposta para a quest o colocada enquanto um problema cl nico 25 2 MINHAS ARTICULA ES COM A CL NICA E A PESQUISA NO HOSPITAL A inten o deste cap tulo a de circunscrever a especificidade de uma cl nica inserida no hospital com pessoas que se definem como transexuais e os impasses que a esta particularidade se agregam Assim remeto me aqui s duas vertentes da minha rela o com a psican lise e a transexualidade a cl nica e a pesquisa 2 1 A PSICAN LISE NA INSTITUI O M DICA Nesse hospital minha escuta cl nica se divide em duas possibilidades de enquadre a interna o e o ambulat rio Cada um desses espa os me remete a uma posi o diferenciada pois quando escutamos um sujeito internado na maioria das vezes em uma enfermaria nos deparamos com a aus ncia de privacidade pelas diversas interrup es e vizinhos de leito Deparamos nos muitas vezes com uma fragilidade ps quica diante de um corpo acometido por um evento um acidente de percurso como por exemplo um diagn stico de uma doen a grave e ou incur vel que trouxe uma ruptura na vida do
411. or um lado ou por outro essas teorias n o se mostram suficientes para responder sobre isso Ainda que o conceito de g nero n o tenha sido tratado por Freud e Lacan Laplanche prop e uma alternativa para esta distin o Sexo se refere ao conjunto das determina es f sicas ou ps quicas comportamentos fantasias diretamente vinculadas com a fun o e com o prazer sexuais E g nero ao conjunto das determina es f sicas ou ps quicas Este termo no original em ingl s aparece como gender identity na obra de Stoller Sex and Gender 1968 O termo em franc s n o se imp s mantendo se identit sexuelle No Brasil ele foi traduzido ora como identidade sexual ora como identidade de g nero Esta fil sofa norte americana em seu livro controverso The Transsexual Empire The Making of the She Male 1979 acusou as transexuais feminilizadas de distorcer o movimento feminista com fins tipicamente masculinos e de encorajar o endurecimento dos estere tipos sexuais opressores Segundo ela as transexuais levam ao extremo a separa o entre sexo e g nero a mesma que as feministas usam para demonstrar que a opress o das mulheres n o pode ser justificada pelo biol gico 1227 aplanche J Probl matiques II Castrations Symbolisations Paris PUF 1980 130 comportamentos fantasias vinculado com a distin o masculino feminino A distin o dos g neros vai desde as diferencia es som ticas at o g
412. oram 25 anos de casados quando Roy revela para a esposa e o reverendo que sempre se sentiu uma mulher no corpo de um homem pretendendo realizar o processo de mudan a de sexo O filme revela os impasses dessa situa o perante a esposa a fam lia a igreja o trabalho e a sociedade Sai de um papel masculino e tenta se vestir como mulher em um corpo onde os horm nios masculinos produziram a apar ncia viril por m isso n o importa para ele ela Sua busca em tornar se mulher paralela da filha adolescente onde ambas est o descobrindo o pr prio corpo O amor entre Irma e a nova Ruth transcende o corpo biol gico e aos poucos sua transexualidade aceita por todos culminando na cirurgia Transam rica 2005 Transam rica Inglaterra Drama Com dia Dire o Duncan Tucker Sinopse Transexual que descobre ter um filho gerado na poca em que era homem O adolescente resolve conhecer o pai agora uma mulher A trans descrita como uma conservadora fica desesperada e resolve fugir viajando pelos EUA O filme revela os impasses e conflitos dessa rela o pai m e e filho A id ia do filme surgiu ap s uma conversa entre o roteirista Tucker e uma atriz transexual Enquanto conversavam sobre a percep o feminina e masculina Connella surpreendeu Tucker ao lhe contar que havia nascido como homem Os dois j haviam dividido a mesma casa por 4 meses sem que o diretor desconfiasse que ela fosse transexual Retirado do
413. orm nios para se parecer mais feminina e amenizar o sofrimento que concorda ser a causa da lcera tem que primeiro se livrar dela para iniciar o tratamento e realizar a cirurgia A identifica o com a transexualidade Voc travesti E eu respondi que n o Ele ent o perguntou se voc n o uma mulher n o travesti ent o hermafrodita Esse questionamento feito por um rapaz se imp s em J A partir de ent o sentiu necessidade de uma defini o j que n o cabia em nenhuma das citadas Ao descobrir o termo transexual viu que se encaixava perfeitamente no que sentia e que se o tratamento era cir rgico n o teria raz o para n o realiz lo Sentiu al vio ao se enquadrar nesse diagn stico pois incomodava muito ser confundida com homossexual ou travesti Tinha dificuldade em significar os seus sentimentos referenciados no corpo do qual n o encontrava os sinais de identifica o com o feminino e negava uma posi o homossexual Era prefer vel ent o ser con fundida com a mulher Ao sair com algumas amigas travestis que lhe informaram sobre a transexualidade o fato de n o ter desejo de usar o p nis nas rela es Essas companhias fizeram com que tamb m f sse identificada como travesti Certa vez demonstrou interesse em viver como travesti pois poderia se encontrar com os homens e ser aceita apesar da condi o amb gua que vive e que talvez a estives
414. orno em contraposi o ao advento da normalidade heterossexual Do ponto de vista m dico psiqui trico foi necess rio decifrar o verdadeiro sexo que se escondia por tr s de uma anatomia amb gua Do ponto de vista do direito houve a imposi o do desaparecimento da livre escolha e a legitimiza o de um sexo nico sem ambigiidade Este deveria ser mantido para preservar a moral perante a sociedade Aquele que questionasse a natureza nica do sexo seria condenado por libertinagem Foi nessa poca 67 que a procura da identidade na ordem sexual foi praticada com maior intensidade n o s o verdadeiro sexo das hermafroditas mas tamb m a identifica o das diferentes pervers es sua classifica o caracteriza o etc ou seja o problema da pessoa e da esp cie foi colocado na ordem das anomalias 3 3 6 Os Efeitos da Patologiza o das Homossexualidades A cria o de novas palavras de algum modo um sinal de mudan a social novas palavras provocam novos questionamentos possibilitando um novo olhar para o que j existe O discurso m dico do s culo XIX transformou os comportamentos sexuais em identidades sexuais Os sex logos em sua tentativa de normatizar as pr ticas sexuais criaram a defini o do termo homossexual para um ato que sempre existiu propondo hip teses etiol gicas diferentes tipologias e diferentes homossexualidades Posteriormente a id ia de identidade homossexual pas
415. orque sabem que necessitam dessa suposta convic o para obterem o que acreditam ser a nica possibilidade de se adequarem ao mundo ocidental preciso questionar se certos dogmatismos conceituais n o est o determinados por premissas morais e nesse momento p r de lado o que j sabemos para escutar o novo deixarmos de falar das pessoas transexuais para escut las em sua singularidade e isso far toda a diferen a Esta pesquisa resultado dessa minha posi o e portanto visa oferecer uma outra perspectiva sobre o tema da transexualidade Pretende se aqui uma reflex o a partir da tica de quem vivencia a transexualidade raz o a mais para acreditar na import ncia do m todo de pesquisa em psican lise e na narrativa para atender ao objeto essencial deste trabalho ou seja a demanda de altera o do corpo na singularidade mesma onde ela nasce 1 4 Os CAMINHOS PERCORRIDOS A abertura das quest es e a quebra das certezas o que pode conduzir o pensamento ao in dito no campo psicanal tico A psican lise desloca se n o est sempre no mesmo lugar 22 o que nos permite variar uma leitura Deslocar me fazendo mover meu pensamento foi o que pretendi ao sair da cena cl nica e institucional com essas pessoas para poder entrar nela por um outro ngulo a partir da pesquisa em psican lise Para tanto aponto ao longo do segundo cap tulo alguns impasses e peculiaridades da psican lise no hospital inserida em um
416. os viris com barbas grossas pois quanto mais grosseiros mais ela se diferencia deles A identidade feminina aparece a partir da diferen a da alteridade Daquilo que se difere e n o do que se assemelha Mas tenho que admitir que sempre tive muita raiva da minha irm Do marido dela do filho Aonde ela ia ela chamava a aten o Na rua todos mexiam com ela assim como dizia que as pessoas reagiam com ela na rua Ela muito bonita Acho que inveja Gostaria de ser como ela Na verdade sonho muito com o dia que entrarei pela porta linda maravilhosa com um homem lindo maravilhoso ao meu lado Da vou me vingar Maria falava da inveja da irm e o quanto era dif cil se ver diferente dela A irm hoje distante mas na inf ncia serviu como modelo de identifica o A medida que reatualiza os 183 sentimentos em rela o irm muda de posi o e isso se reflete em sua rela o com ela e a aproxima novamente da m e Foi legal quando eu emprestei um creme pra minha irm Ela se assustou com minha maleta cheia de coisas Eu me cuido mesmo Pela primeira vez a gente p de falar sobre isso Ela at ficou de me dar uma chapinha de alisar cabelo Disse que meu cabelo vai ficar mais bonito mais ajeitado Fala de uma m e que se incomoda quando ela se olha no espelho e diz P ra de ficar se olhando no espelho s pensa nisso Maria pensa que a m e deveria se arrumar mais Est
417. os do que ser homem ou mulher correspondendo assim corporais elas possam encaminhar suas demandas para al m desta quest o 264 ao outro adequando seu Imagin rio a ele Isso revela o Imagin rio da sociedade em que vivemos que produz o machismo a homofobia e tem como fonte de produ o o heterocentrismo fundado na biologia A l gica de uma anatomia definindo a posi o sexuada do sujeito n o coincide necessariamente com a l gica da sexua o fundada sobre a fun o f lica trazendo conflitos para quem n o segue esse pressuposto normativo Os complexos de dipo e castra o supostamente deveriam ser os respons veis por essa normatiza o sexual por m a transexualidade nos aponta para a insufici ncia deste ou seja a biologia n o suficiente para estabelecer a identidade e a sexua o de um sujeito Em efeito o sujeito se identifica a um tra o significante dando sentido a certas partes do corpo representando a diferen a entre os sexos Mas quando isso n o suficiente preciso inventar outra coisa Ao resumir o caminho para a assun o f lica Maria apresentou a cren a na universalidade do falo e na fantasia da m e ser provida do atributo f lico A descoberta da castra o materna deveria ter possibilitado que se abrisse a hi ncia necess ria para que o Nome do Pai pudesse operar o que n o aconteceu nesse caso Essa descoberta para Maria levou a a construir outra fantasia acerca de seu lugar no dese
418. os relaciona aos seus sentimentos maus pensamentos que ela atribui aos desejos homossexuais na adolesc ncia Relatando hist rias que entende ser de outras vidas vai significando seu sentimento de identidade feminina Em uma dessas vidas foi casada com um homem e teve uma filha Ela e a filha morreram cedo e o marido ainda se encontra vivo nesse mundo mas n o o 4 procuraria pois os destinos n o mais se cruzaram referindo se ao fato dele ser bem mais velho e n o pensa na quest o de terem o mesmo sexo biol gico Tranqjiiliza se encontrando um sentido para sua feminilidade como algo criado por Deus o que torna seu sofrimento suport vel Muitas vezes pensou em suicidar se referindo se a uma crise depressiva que durou muitos anos obtendo a cura pelo espiritismo sendo que o acompanhamento psiqui trico e medicamentoso pouco ajudou Demorou em se abrir com a psic loga que a acompanhava pois n o se permitia pensar sobre seu sentimento de feminilidade na qual nunca falou nem com sua fam lia Sempre foi um tabu eu n o perguntava e eles n o falavam Interrompeu o tratamento quando essa profissional mudou se de cidade 218 Embora entenda como um castigo de Deus permanecer no corpo masculino sentindo se mulher quer realizar cirurgia acha que j pagou demais pelos seus erros t na hora de viver a vida Rela o com a fam lia Diz ser muito apegada aos pais Refere se a
419. osicionamento como homem ativo e como mulher passivo medida que se mantinha em uma posi o ainda infantil Colocar o p nis como o substituto de um brinquedo er tico remontava fantasia de um p nis insuficiente m nimo que n o lhe permitiu aceder fun o de um rg o viril que o aproximaria tamb m das fantasias de viol ncia e destrui o associadas figura paterna Retifica o da demanda Implicado com a rela o de Maria seu discurso se modifica no qual a cirurgia passa a n o ter sentido se aceito com o corpo que tem Prefere adiar a cirurgia alegando que preferir realiz la na Tail ndia uma forma de deixar mais distante esta possibilidade Seus interesses se voltam para Mariana com quem quer estar junto o dia todo No momento em que se sente invadido por fantasias de abandono em rela o namorada aparece furioso e sem maquiagem Anda de um lado para outro Diz que o lado 13 J ferson passa a se interessar por bioqu mica e aproveita as facilidades com essa rea de conhecimento e com as indica es via internet para autoprescrever se uma hormonoterapia feminilizante e que ser selada pelo autodiagn stico propiciado pela identifica o ao discurso de outras pessoas transexuais que encontra nas salas de batepapo virtuais 208 2 J ferson est muito forte e tem medo pois enquanto J ssica suave J ferson ruim capaz de matar destruir Invadido pelo medo de que
420. osidade e desejo ainda sem explica o pois nunca teve uma experi ncia homossexual Trocam confid ncias e Mariana diz ser casada com um homem que n o ama e que sonha ser m e mas o marido impotente est ril J ferson comparece s sess es de forma gradualmente mais feminina e apresentando se s pessoas como J ssica embora tivesse feito outras tentativas de nomea o anteriormente Pede para no caso de ligar para a sua casa ainda cham lo por J ferson Entendo como uma preocupa o em preservar os pais que se mostram com dificuldade ele tamb m para enfrentar o fato Passa a utilizar palavras no feminino para referir se a si pr prio o que at ent o n o acontecia Aparentemente mais seguro de si fala de sua inten o de oferecer Mariana o que seu marido n o lhe dava carinho e prote o mas ele tamb m n o lhe dava filho nem rela es sexuais Durante uma experi ncia sexual eles apenas se acariciam Mariana elogia o corpo de J ferson e ele se sente uma verdadeira sapat o que nesse caso a remetia sua indiferencia o sexual Aos poucos passa a ter d vidas quanto s inten es de Mariana em rela o a ele e ao marido O que ser que ela busca em mim Insiste no desejo de proteger Mariana de viverem juntas para sempre de dar a ela o que o marido n o deu ocupar a falta que Mariana coloca nesse marido ser o marido que a m e n o teve Passou a falar de su
421. p 45 fala do processo de sair do casulo da sa da do arm rio out of closet que as pessoas homossexuais t m que enfrentar diante da emerg ncia do desejo o desenclausuramento ao sair da esfera do privado rumo ao p blico do ntimo ao social do escondido ao descoberto em sentido ao enfrentamento das vicissitudes que tal decis o a levar Para a pessoa que se identifica como transexual feminina assumir seu desejo tem algo a mais a apar ncia se desvela e n o passar despercebida onde quer que esteja sse processo de sair do casulo remete a v rias esferas em separado hospital fam lia escola trabalho social momentos que s vezes nunca chegam O sentimento de identidade transexual um processo que se constr i no encontro com o outro e seu imagin rio havendo avan os e recuos tais como revelo na narrativa de J ana sobre os momentos que antecedem os encontros no hospital 8 1 1 A Sa da do Casulo A narrativa sobre J ana por mim inventada para falar desse processo de transi o de alguma forma pode se entrecruzar com outros universos j trilhados N o falarei nesse momento de uma determinada pessoa nem de um determinado lugar mas da pessoa e do lugar 167 que se traduz em muitos ou em nenhum O mundo imagin vel de J ana que fornece o encontro entre o real e o imagin rio como que se nesse entrela amento n o se pudesse distinguir o fora e o dentro subvertendo a realidade abandon
422. paciente quando chega at mim n o me pede nada ela nem mesmo sabia da possibilidade de ter uma escuta diferenciada ou se sabia isso entrou na ordem das exig ncias m dicas Eu que ofere o essa possibilidade com a id ia de que um dia talvez isso possa resultar n o em efeitos miraculosos mas que o pedido de altera o corporal tenha sido para ela a oportunidade de ressignificar subjetivamente seu mal estar Dessa forma podendo passar a se implicar em suas viv ncias reconhecer seus pr prios desejos e desalienar se de seus pr prios discursos e sintomas Essa vis o leva em conta n o s a singularidade do 36 discurso mas tamb m a singularidade da escuta criando condi es para que algum lugar transferencial seja poss vel Segundo Moretto 2002 o analista n o tem de aceitar qualquer demanda e autorizar o in cio de uma an lise E preciso que o sujeito perceba algo que fala nele e diz respeito a ele mesmo e n o sabendo o que queira saber percebendo se dividido em seu ser Isso significa dizer que o sintoma queixa s pode ser analis vel ou seja ser sintoma anal tico quando inclu do na transfer ncia O que o queixante pede a qualquer um o al vio pedido que traz em si o car ter de representatividade do sintoma Pedir al vio n o pedir a decifra o de algo pedir a extirpa o de algo que tido como estranho ao sujeito e este pedido exatamente aquilo que o analista n o responde ele o m
423. pais n o aceitaram vir conversar com a equipe sobre ela percebendo a resist ncia deles em falar sobre o assunto principalmente da m e pois com o pai nunca falaram sobre 178 isso Quando visitava os pais evitava levar roupas femininas e n o deixava que sua m e lavasse suas roupas ntimas Passou a levar biografias de transexuais e depoimentos familiares na tentativa de sensibiliz los e informar lhes que sua quest o n o era homossexual percebendo resultados Sempre se mostrou reticente quanto cirurgia e hormonoterapia pois tinha medo de que n o desse certo ou que fosse um risco de morte mas concluiu que seria inevit vel para que pudesse manter uma rela o sem barreiras com um homem e para n o precisar esconder sua condi o A cirurgia inevitavel para minha vida At minha m e est apoiando e cobrando para que eu continue o tratamento voc acredita N o quero mais ter p nis porque n o sinto nada Se n o funcionar n o tem problema Mas vou poder namorar ir praia piscina sem ser questionada Maria apoiava se no genital como fonte de sua identidade sexual o outro e para ela mesma Seu racioc nio seguia a l gica de que se tem um p nis teria o falo e por n o experimentar um gozo f lico deveria cortar o p nis para que n o sofresse qualquer erro de interpreta o Em seu enunciado evidenciava se a id ia de uma opera o corporal que lhe devolvesse sua beleza e o amor dos homens remeten
424. partir de uma matriz heterossexual tendo por finalidade a exclus o das homossexualidades que devem permanecer fora das possibilidades de simboliza o Ela critica o conceito de identidade como fixa e imut vel estruturado segundo as matrizes hegem nicas de g nero e prop e um conceito de identidade m vel contextual em constante devir enfatizando os processos de singulariza o na constru o da identidade Cultura e discurso enredam o sujeito mas n o o contituem O sujeito culturalmente enredado negocia suas constru es mesmo quando estas constituem os pr prios atributos da sua identidade Butler 2003 desconstr i o conceito de g nero baseado no par sexo g nero e introduz outro v nculo para repensar a identidade g nero desejo Ao defender a identidade pelo 132 g nero as teorias feministas caem na mesma armadilha da ess ncia substitui a ess ncia do sexo biol gico para a ess ncia do g nero cultural Assim o verdadeiro eu revelado simultaneamente no sexo natural no g nero social cultural e no desejo pessoal subjetivo Para ela o construto chamado sexo t o culturalmente constru do quanto o g nero compartilhando do que prop s Laqueur 2001 Ao problematizar a categoria g nero como interpreta o cultural do sexo Butler 2003 prop e a teoria sobre a performance dos g neros em que a performatividade um efeito discursivo e o sexo um efeito do g nero A id ia de que o
425. passado mas leva seus pais consigo pois n o saberia viver sem eles correspondendo ao lugar que lhe foi destinado Sempre escutou dos irm os mais velhos que foi bom ela ter nascido pois assim os pais nunca ficariam sozinhos e eles estariam livres para se casarem As considera es sobre J e suas singularidades na busca pela altera o corporal Para a an lise desse caso necess rio partir de dois pontos do que h de universal no falo enquanto um significante que categorizaria o gozo sexual e a diferen a entre os sexos e do que h de singular no qual o sujeito experimenta um gozo e deve interpret lo tendo em vista os significantes que recebeu dos outros m e fam lia e sociedade J viveu sua inf ncia e adolesc ncia guardando para si o sentimento de ser menina em corpo de menino Seu discurso em alguns momentos era um tanto metaf rico e suas observa es estranhas e delirantes ao supor que ao ser mulher internamente teria os rg os internos femininos O fato dos pais nada falarem sobre o que estava aparente era interpretado como algo do qual n o se podia dizer levando a a sentir se culpada por algo que n o sabia direito o que era e que n o deveria saber A id ia da menstrua o e a conversa sigilosa dos pais com o m dico sobre o que se passava com ela em rela o ao sangramento clarificam a sua constru o infantil de que havia algo errado N o havendo o reconhecimento da diferen a a
426. pautado na defini o m dica um saber sobre suas experi ncias de alheamento corporal em que elas se alienam no saber do Outro preciso ent o lev las a se apropriarem no sentido de pr prio desses discursos produzindo um saber sobre o que se passa com elas As quest es que aparecem s o relativas imagem e ao sexo embora digam que n o tem problema se a vagina n o funcionar N o se consideram homossexuais no sentido de s sentirem atra o por homens J ferson embora n o exclua os homens de seu interesse prefere a companhia das mulheres por serem mais delicadas considera se indefinido em rela o ao sexo assim como J Esses encontros permitem que elas sigam a vida em frente antes paralisadas em uma impossibilidade Enquanto as modifica es v o acontecendo elas cuidam do corpo O corpo feminino que agora vis vel objeto de cuidados especiais horm nios laser alimenta o maquiagem roupas cirurgias O investimento pulsional nos cuidados imagem de si sustentadas pelo diagn stico de transexual onde antes n o havia lugar corresponderia a uma restaura o imagin ria e a uma poss vel tentativa de cura pela incorpora o de significantes femininos que incorporam a elas dando lhes sustenta o imagin ria ao que antes era um gozo mort fero n o sou nada nem homem nem mulher Miller 2004 indica que a restaura o imagin ria seria como uma erotiza o da
427. pensamento e as imagens que utilizamos para express los s o semelhantes aquelas que estabelecemos entre as imagens que nos chega dos outros e os seus pensamentos O funcionamento da linguagem pressup e um processo de identifica o com um outro com algo que ignoramos mas que temos f de corresponder ao que estabelecemos como identidade em nossa consci ncia Isso s pode ocorrer por amor ou seja com base em uma identifica o imagin ria H uma outra maneira de colocar a quest o da alteridade como algo que resiste a esse processo de identifica o da fala com o sentido que imaginamos que o outro da coletividade pode ratificar Isso remete s rela es entre linguagem e Inconsciente entre sexualidade e significante inst ncias da alteridade no funcionamento ps quico A alteridade portanto apresenta se como pr pria da linguagem Um sujeito se define pela condi o dada de se fazer produzir enquanto valor no processo de diferencia o Torna se pr prio da condi o de ser sujeito o fato de estar subjugado a essa ordem da diferen a de ser tomado sempre um a um z Segundo essa perspectiva o que caracteriza a transexualidade a constitui o do corpo tomado pelo simb lico A realidade corporal depende de uma dial tica entre o simb lico e o real que envolve a rela o do sujeito com o Outro No momento mesmo em que algo da ordem da linguagem falha nessa opera o pode se ter demonstra es de que algo no corpo n
428. pensar o ser humano como uma produ o passiva de nossa cultura j que ele buscar defender sua liberdade individual A ordem embora seja uma esp cie de compuls o a ser repetida produz seus benef cios e seus conflitos e constru da sobre ren ncias puls o em troca de manter os relacionamentos e a satisfa o das necessidades preservando o reconhecimento e o amor do outro abra ando seus ideais E ainda que a anatomia possa indicar as caracter sticas de masculinidade e feminilidade a psican lise n o pode FREUD 1980r 1929 p 126 161 O conceito de transexualidade pautado no biol gico funciona como um impedimento para avan armos em um questionamento que ademais no registro humano n o existe causalidade biol gica pura fora da linguagem de uma hist ria subjetiva Ao negar o corpo biol gico referenciado no masculino por consider lo sem sentido asint tico enquanto express o de sua identifica o com o feminino as transexuais femininas seguem em busca do corpo que sentem que refletiria seu sentimento de identidade sexual Embora os padr es do que seja uma mulher venha se modificando ao longo dos tempos a busca em alcan ar um ideal de mulher algo que se destaca na rela o da transexual com seu corpo E assim essas pessoas sacrificam seus corpos em nome de um ideal de ser semelhante ao que encontramos hoje e poder amos chamar de um sintoma de borda quilo que faz limite ao corpo que faz bor
429. pleta do tratamento porque isso implicaria em entrar em pormenores das circunst ncias da vida de meu paciente Por outro lado vim progressivamente a encarar as distor es de que comumente se lan a m o em tais circunst ncias como in teis e pass veis de obje o muito mais f cil divulgar os segredos mais ntimos do paciente do que os fatos mais inocentes e triviais a respeito dele enquanto os primeiros n o esclarecem sua identidade os outros pelos quais ele geralmente reconhecido torn lo iam bvias a qualquer um p 159 Mesmo que esse procedimento traga algum preju zo na compreens o de sutilezas do caso cl nico ele pequeno quando o comparamos com a import ncia de preservar o sigilo profissional e a privacidade da pessoa que como Safra 1993 p 125 sugere Como psicanalistas estamos interessados na realidade ps quica e aos aspectos que influenciaram o psicodinamismo do paciente contribuindo para n o revelar os elementos favorecedores da identifica o do mesmo A tica que orienta a an lise remete ao saber inconsciente em sua singularidade em que a l gica introduzida pela psican lise a do n o todo O que importa n o cobrir o real tal como entendido pela ci ncia mas o que interessa o saber constru do pelo sujeito em torno de um Real N o se trata de pretender um saber completo j que a psican lise demonstra que qualquer tentativa est fadada ao fracasso n o havendo um saber univer
430. plicar o que vem a ser um corpo sexual e sua rela o com o gozo O gozo o impulso de energia do inconsciente gerada pelos orif cios do corpo que tem estatuto de zonas er genas quando esta se exprime seja pela a o ou pela fala e fantasia guiados pelo objetivo inating vel da rela o sexual incestuosa Ou seja o gozo sexual porque sua meta sempre sexual O sexual interessa enquanto a rela o que o corpo er geno estabelece com o que o excita O outro par metro sendo o da linguagem trata se do corpo falante Este seria um mais al m do que um bolo de carne aquele tomado por um conjunto de elementos significantes que falam entre si O corpo sem a media o da palavra apenas uma coisa destitu da de qualquer signific ncia 7 2 3 O Corpo e sua Incid ncia no Real no Simb lico e no Imagin rio Para entendermos o corpo necess rio ainda partirmos da concep o lacaniana dos tr s registros fundamentais Imagin rio efeito da apreens o subjetiva do corpo como imagem o Simb lico mapeado por marcas e tra os significantes e o Real o corpo como sin nimo de gozo assinalando que os dois primeiros registros n o o recobrem totalmente escapando o que 125 A pli EE F a A palavra auscultare em latim de que o verbo escutar se origina significa escuta dos barulhos internos e que em portugu s se separa da ausculta m dica 143 gt l 126 x seria da ordem do real Embora tivesse
431. poderiam traz la ali comigo e vendo a permanecer em sil ncio concluo que ela ainda n o sabe o que me dizer diante de uma quest o inesperada para ela Rela o Transferencial Suas queixas iniciais eram voltadas para o seu organismo dores de cabe a dores nas costas vis o turva mostrando dificuldade em se remeter a algo diferente disso Aos poucos 228 suas queixas foram se transformando em sentimentos de irritabilidade ang stia e ansiedade por m n o identificava o porqu Ap s algumas sess es Alice revelou que se antipatizara comigo e que n o sabia ao certo de que lado eu estava e se poderia confiar em mim Acho que precisamos conversar s rio Sei que dependo de voc para continuar meu tratamento s que n o consigo me abrir com voc As vezes olho pra voc e parece que estou diante de um juiz que vai determinar minha senten a Sei o que quero e o que quero uma vagina no meio de minhas pernas Isto mudaria tudo pra mim tiraria um peso da minha cabe a Eu saberia que estava diferente n o teria mais nada para eu pr pria me envergonhar em meu corpo Sei que as chances de ficar perfeita em meu corpo n o s o cem por cento mas tamb m sei que prazer vem do interior da gente da cabe a Quantas mulheres t m vagina e n o sentem prazer Olha quero ser sincera e ter sua confian a para eu pr pria chegar em voc e dizer o que est dentro de mim Meu sexo
432. poral Parto do universal ao particular nessa experi ncia que embora diga de algumas caracter sticas comuns presas a um discurso no qual a medicina e a m dia t m fun o importante o singular o que nos interessa enquanto praticantes da psican lise Acredita se aqui que somente o sujeito pode falar de seu desejo e de como isso foi se construindo em sua trajet ria Para isso ofere o no oitavo cap tulo algumas vinhetas cl nicas de casos que acompanhei e que expressam o percurso identificat rio que os aproximou da transexualidade Freud n o deixou um legado te rico que nos permitisse acolher esses sujeitos pautados em um ensinamento sobre sua experi ncia necess rio ent o criar a partir do que nossa pr xis nos apresenta As quest es surgem no encontro di rio com esses sujeitos no interjogo entre os inconscientes em um campo transferencial assim que meu lugar na cl nica articula se com a pesquisa em psican lise O que propus com esta pesquisa foi relatar como esse saber se construiu com cada sujeito transexual despida de qualquer pr concep o te rica S assim foi poss vel avan ar na cl nica com pessoas ditas transexuais Cada narrativa remete a uma hist ria na qual marcas foram impressas cuja ordem singular possibilitou que cada sujeito constru sse o seu pr prio saber sobre o desejo que suscitou a busca pela altera o corporal em busca do que cada sujeito soube que a presente pesquisa se dirige ao c
433. posicionamento levando em considera o as rela es desse fen meno s particularidades do mundo social contempor neo 102 5 8 CONTRIBUI ES DE PSICANALISTAS NO BRASIL No Brasil esse tema tamb m traz concep es diferenciadas Como fiz at aqui n o tive a pretens o de fazer um quadro total dos psicanalistas que estudaram a transexualidade me permitindo citar somente os nomes que em minhas pesquisas foram se mostrando mais relevantes Calligaris 1989 embora n o fa a um estudo exaustivo sobre as transexualidades ao propor uma cl nica diferencial das psicoses afirma que nesta configura o subjetiva a cirurgia de mudan a de sexo poderia ser compreendida como um esfor o de constitui o de A 5 3 di e AAA 3 uma met fora delirante no real do corpo Para ele existiria o transexualismo psic tico tanto quanto existiriam transexuais neur ticos pedindo uma opera o de mudan a de sexo Ao se referir s equipes que trabalham com este tipo de demanda diz Me estranha sempre constatar que geralmente chegam conclus o depois de verificar se os sujeitos s o psic ticos ou n o de que a opera o pedida deve ser recusada ao sujeito psic tico e permitida ao neur tico Acho que deveria ser exatamente oposto Deveria ser permitida ao sujeito psic tico e recusada ao neur tico Porque justamente o transexual explica o que um del rio logrado A opera o transexual em si a op
434. preender n o s o imagin rio mas igualmente o real de seu corpo isto nodul los por interm dio do simb lico e a partir dessa nodula o se estabelece a identidade sexual Mas o reconhecimento f lico que se mostra indispens vel identidade sexual n o suficiente para definir a sexua o do sujeito e portanto maneira como o sujeito inscreve seu gozo sustentado em sua rela o com o Falo do lado do ter masculino ou do lado do ser feminino Parece ser este o caso de Alice e de Maria A confus o no que se refere ordem sexual entre o objeto e o falo ante a recusa que lhes pro be o exerc cio de um gozo que imaginariamente ao remet lo ao feminino reivindica uma identidade sexual feminina como solu o para seus males Essa recusa tem sustenta o no social pela posi o de rejei o do significante f lico para n o serem confundidas com homossexuais ou travestis Nesse caso a rela o do sujeito com seu gozo determina seu eu O questionamento do que seja um pai segundo Lacan 1956 57 p 209 um problema remetido a cada sujeito no decorrer de sua experi ncia infantil e uma maneira de abordar o problema do significante pai n o s para os filhos mas tamb m para aqueles que se tornam pais e portanto algo diverso de ser se um pai aceder posi o paterna Se o acesso posi o paterna uma busca ningu m jamais o foi por completo E embora seja necess ria a suposi o de que exista es
435. preta o permitiu lhe uma identifica o feminilidade como uma solu o para o que lhe parecia ser inconceb vel um desejo em rela o ao primo em que se fazia objeto de desejo desse outro 230 Alice reatualiza a cena com o primo nos encontros sexuais mostrando se atenta ao desejo do outro para em seguida rejeit lo como ela conta ter acontecido em rela o a essa experi ncia da pr adolesc ncia Por ser um tabu nunca mais tocaram no assunto como se nunca tivesse acontecido e o primo acabou se casando com uma mulher Os homens com quem Alice se envolve s o sempre comprometidos com uma mulher colocando a na condi o de uma terceira exclu da da rela o Podemos pensar que a busca no olhar masculino do reconhecimento como mulher o fantasma que permite lhe identificar se com o eu ideal A identifica o imagin ria que concentra a sua libido produziu se durante esse encontro traum tico com o primo que provavelmente refere se a outra cena em que pela a o do recalque Alice n o se remeteu podendo ser a matriz desse sentimento Ao contar dessa experi ncia sexual com o primo fala da impossibilidade de um homem desejar outro homem Talvez como mulher As situa es sexuais vivenciadas na vida adulta remetem enuncia o dessa lembran a o que permite ser identificada como atualiza o dessa viv ncia infantil entrando em cena a nega o de sua identifica o masculina e sua elei o de objeto homoss
436. prete em busca de sentido II S o Paulo Escuta 1990 p 54 72 Nesse trabalho Freud dedicou se a discutir todas as teorias de seus contempor neos Para ele a invers o n o era sin nimo de degenera o como sustentava Hirschfeld Os invertidos n o apresentavam necessariamente outros desvios graves seu desenvolvimento intelectual e moral n o estavam necessariamente perturbados a invers o era uma pr tica expandida em muitas culturas primitivas e por defini o n o degeneradas Se a tese da invers o cong nita s podia se aplicar aos invertidos absolutos isso impedia uma explica o geral da invers o A tese de uma aquisi o vinculada s circunst ncias ou a um trauma tampouco era satisfat ria pois se encontravam influ ncias acidentais equivalentes na inf ncia de heterossexuais Freud 1980p 1905 afirmou que n o existia coincid ncia regular entre a invers o e os sintomas ps quicos e som ticos do hermafroditismo A invers o n o se acompanhava de uma transforma o das outras qualidades do esp rito das puls es e tra os de car ter em tra os caracter sticos do outro sexo Destacou que a invers o do car ter encontrava se mais na mulher que no homem criticando Ulrichs n o sabemos o que um c rebro de mulher e Kraft Ebing quanto ao duplo centro cerebral um macho e outro f mea alegando ignorar a exist ncia da localiza o cerebral de um centro da sexualidade Em sua teoria
437. que produz algo O que por ela se revela ou desencadeia Se uma pessoa se sente mulher aprisionada em um corpo de homem por que n o mudar seu corpo Afinal estamos na era do tudo poss vel e ent o as mudan as s o feitas Tomam horm nios fazem depila es definitivas para adquirir uma apar ncia do g nero identificado e para finalizar a metamorfose a cirurgia de transgenitaliza o torna se imperativa vista como a possibilidade de legitimizar seu sentimento de identidade O corpo aparece ent o como um objeto imperfeito que precisa ser retificado Esse pedido feito na maioria das vezes em nome do estatuto social de sua identidade e n o em nome do exerc cio da sua sexualidade sendo que esse rg o que reivindica ter n o necessariamente precisar funcionar N o se trata de uma escolha mas de uma condi o de exist ncia mais do que erotismo prevalecendo a busca por fabricar uma identidade imagin ria dentro do olhar do outro a fim de assegurar lhe uma exist ncia poss vel Constata se por m que em uma poca em que se conhece cada vez melhor o corpo biol gico o sofrimento ps quico do sujeito escapa s possibilidades terap uticas pois possuem outras coordenadas Quinet 1998 coloca que a resposta m dica ao incidir no corpo com cirurgia ou horm nios faz crer assim respondendo demanda de juventude de beleza de corre o sexual que a complementa o poss vel No momento em que se ab
438. que na inf ncia e na adolesc ncia a classificara dentro de uma identidade sexual feminina at esse diagn stico era uma futura mulher e n o transexual Seu sentimento de identidade feminina fundava se desde sempre a fragmentos de discursos da av e da m e em seu protesto viril tornando dif cil sustentar uma posi o masculina quando acrescido a isso o Nome do Pai e a fun o f lica forclu dos Considerando a id ia de Millot 1992 de que n o se deve excluir a possibilidade de que uma interven o no real possa ter efeitos no plano simb lico a cirurgia para Iemanj foi tomada como a solu o para facilitar a vida em sociedade Os planos ficaram impossibilitados enquanto aguardava a cirurgia sua vida ficou em suspenso e assim permanece pois agora atribui s mudan as de documentos sua impossibilidade de tomar decis es 8 2 7 UMA ESPERA INSUPORT VEL Tive a oportunidade de acompanhar uma adolescente a qual chamarei de Mara durante dois anos dentro do espa o psicanal tico Embora n o acontecesse regularmente permitiu me conhecer seu percurso pela transexualidade Achava seu nome masculino horr vel por m ao mud lo conservou algumas letras como por exemplo Mauro e Mara 253 Aos 15 anos nada em sua apar ncia fazia lembrar o menino que havia sido Sua voz comportamento e preocupa es eram caracter sticas de uma adolescente de sua idade A psiquiatria foi sua porta de entrada no hospital que a a
439. que significasse o adiamento da cirurgia Foi lhe dito que o que seria ofertado seria uma atividade de pouco contato com o p blico assim n o teria que enfrentar situa es discriminat rias sendo esta uma delas Embora preferisse atividades de assist ncia aceitou sem expressar o que queria O olhar do social vai aos poucos reafirmando a necessidade de 195 adequar o corpo ao g nero que sente pertencer como a possibilidade de ter acesso s outras in meras possibilidades n o s nos relacionamentos amorosos mas principalmente no reconhecimento de um lugar de aceita o social e profissional Definimos ent o que o atendimento seria interrompido por um tempo at que ela pudesse se organizar para frequentar as sess es quinzenalmente Trouxe me fotos de quando come ou a se vestir como mulher percebendo se com uma apar ncia muito melhor mais feminina Estava mais segura para enfrentar as pessoas e principalmente sua fam lia Agendamos um hor rio para o in cio do outro m s mas ela n o compareceu enviando me um e mail como segue Desculpe n o ter avisado que n o daria para eu ir fazer a sess o Est um pouco complicado o cronograma do meu servi o mas creio que logo estar tudo certo Estou mais feliz porque me aceitaram em meu trabalho e inclusive escolheram por eles mesmos chamar me pelo meu nome flexionado no g nero feminino N o o nome que escolhi mas bem melhor assim Minha m e andou me ligando e pergunta
440. r 2003 refere se travestilidade para assinalar que esse modo de ser revela a precariedade dessas constru es o paradoxo do discurso da imita o e de um original que nada mais do que uma fantasia de uma identidade original O g nero passa a ser 1230 termo performance derivado do ingl s to perform verbo correlato do substantivo a o e indica que ao emitir uma evoca o est se realizando uma a o n o sendo considerado como equivalente a dizer algo BENTO 2003 Identidades sexuais que se teatralizam e cujos exemplos s o transg neros travestis transexuais drags gays l sbicas Representam a diferen a que n o quer ser assimilada ou tolerada implica uma a o transgressiva Tem um car ter pol tico de desconstru o dos discursos a partir da subvers o das normas introduzindo um novo modo de olhar que desestabiliza conceitos e certezas rompendo com a l gica bin ria 133 entendido como uma performance que a mant m no jogo estrat gico da estrutura bin ria que ainda a forma legitimadora de constitui o do sujeito uma forma de assujeitamento ao poder regulador ao qual a pessoa est ligada apaixonadamente Assim o desejo expresso na busca em transformar se em mulher o retorno normatividade heterossexual Por outro lado assumir a diferen a ou a ambigiiidade da transexualidade uma repeti o que leva subvers o da identidade fora dos esquemas bin rios Nesse sent
441. r as bases nas rela es de objeto primeiramente com a m e e com quem os cercam e se o sujeito se torna sujeito pela cria o de fantasias pela identifica o imagin ria Falar de uma convic o sobre a verdadeira identidade transexual aquela certeza que a pessoa deve apresentar para que possa aos ouvidos da ci ncia ser reconhecida em sua demanda tem que se apelar ao registro da cren a O saber sobre a pr pria identidade implica sempre um sentimento de pertencimento a um lugar pelo qual se identifica Como disse Ceccarelli 1997 por falta de identidade o sujeito condenado identifica o Ser sobretudo por sua rela o com as figuras parentais atrav s de matrizes discursivas e comportamentos que evidenciam tanto sua cren a quanto o seu desejo que esta cren a inicial lhe ser confirmada ao longo da vida pelo seu corpo e o significado que lhe conferem a este corpo seja no discurso da fam lia seja no mbito social Somos presos desde que nascemos necessidade incessante de reconhecimento do Outro atrav s do olhar que buscamos no outro a aprova o de n s mesmos que constru mos nossa no o de eu A tentativa de ser mulher de verdade das transexuais um ato em busca de um reconhecimento que as posicione em um lugar de aceita o abrindo se a possibilidade de construir seu sentimento de identidade sexual cuja afirma o imperativa sobre a certeza do que s o remete semp
442. r de uma identifica o imagin ria com a irm que a marca do est dio de espelho no inconsciente do sujeito e o suporte de sua convic o transexual Essa imagem representa o do desejo a do objeto que ela decidiu conservar a menina e que Maria recupera na rela o com o tio que precipitou sua identifica o com o outro sexo Maria reclama uma castra o na carne e n o no falo imagin rio do complexo de castra o de ser ao inv s de ter uma interpreta o do desejo materno quando ela reclama n o ter uma vagina O Outro materno com a exig ncia da aus ncia do p nis como condi o absoluta do amor A aus ncia do p nis o que autenticaria o seu ser confundido com seu eu ideal Essa exig ncia materna se projeta tamb m no ideal de homem que escolhe como objeto de amor diferente do pai Mediante a cirurgia a ci ncia moderna assegura uma vida confort vel a Maria cujo g nero feminino contr rio ao seu sexo anat mico 200 Foi poss vel observar ainda que a busca pela correspond ncia entre seu psiquismo e um corpo idealizado e supostamente normal n o era motivada unicamente pela sexualidade mas principalmente para que isto lhe trouxesse um lugar no Social uma garantia de que n o correria mais risco de ser discriminada questionada nem alvo de ridiculariza es e agress es Que verdadeiramente poderia ser algu m sem mentiras sem segredos 8 2 2 A IM POSSIBILIDADE DE SER HOMEM
443. r fora do registro do humano Os jogos simb licos que envolvem o vestir se e o travestir se est o submetidos aos efeitos do imagin rio contempor neo que introduz o corpo no jogo do aparecer como em um tipo de espet culo de um dar se a ver ao outro A transforma o do corpo tal qual a citada aqui nos remete experi ncia de tornar se um outro dando a dimens o do sujeito do desejo ao mesmo tempo em que o coloca como objeto do desejo e retira a no o de um corpo enquanto o espa o do destino um lugar previamente dado da natureza para aquele inscrito na cultura onde operaria a transforma o como possibilidade de se inscrever um sujeito 132 r z o Ao z Transg neros um termo utilizado para se referir s pessoas transexuais travestis drags que transformam sua apar ncia corporal no g nero oposto ao sexo biol gico Atualmente essas pessoas preferem ser identificadas separadamente para apontar as singularidades a que est o identificadas 159 7 4 O CORPO RE INVENTADO PELA TECNOLOGIA Le Breton 2002 descreve os excessos e derivas do que denomina o extremo contempor neo que caminha entre a vontade de controle absoluto e o narcisismo A carne humana funciona como uma mat ria prima que se pode consertar ou completar exaltando se o corpo mas aquele retificado redefinido Por um lado tem a t cnica o instrumento o que aparece em primeiro plano e por outro lado temos que refletir o que ela causa medida
444. r novos matizes por sua capacidade transit ria e sua multiplicidade de sentidos Presenciar sa das diferentes tal como a vivenciada pelos mahus do pac fico me fez concluir que ainda nos encontramos moldados por uma cultura presa em um discurso generificado e homof bico reflexo da rela o com o discurso da ci ncia e da religi o e do narcisismo das pequenas diferen as Encontramo nos desamparados quando algo se atravessa sendo a adolesc ncia um desses momentos de crise e nos faz criar pr teses um eu feminino de substitui o para que o imagin rio n o se rompa do real e do simb lico 145 A i Freud 1930 p 136 se remetia ao fen meno das pessoas formarem grupos e empenhar se a agredir e ou ridicularizar o que era diferente remetendo sua pr pria experi ncia como judeu e o anti semitismo mas n o s fruto da intoler ncia do que se difere do espelho e do desejo de dom nio sobre o outro 276 Concordando com Freud 1980 1929 p 137 se a civiliza o imp e sacrif cios t o grandes n o apenas sexualidade do ser humano mas tamb m sua agressividade podemos compreender melhor porque lhe dif cil ser feliz nessa civiliza o p 137 Para Butler 1998 aquilo que n o p de ser compreendido continua tendo efeito discursivo enquanto n o questionado por falta de significantes que a nomeiem o que nos leva a compreender a import ncia para essas pessoas transexuais de uma defini o
445. r o objeto causa do desejo separado de si mesmo no Outro Ao deparar se com a falta que lhe constitui o sujeito tenta encobri la encobrindo se tamb m Por isso que as transexuais dizem que n o se reconhecem nesse corpo porque n o est a o que elas procuram em busca de reencontrar esse objeto perdido inicialmente o falo imagin rio para sempre irrecuper vel perdido nos diferentes n veis da experi ncia corporal que ir o determinar todas as suas rela es LACAN 2005 1962 1963 Portanto o Real o corpo que uma crian a nasce antes do dom nio da ordem simb lica ou seja o corpo no qual o olhar da ci ncia o definiu como um menino ou uma menina e ser sobrescrito pela linguagem que n o segue essa mesma l gica tomada pelo Falasser a tradu o do termo usado por Lacan parl tre que aponta para a condi o de ser do sujeito ao falar 147 rg o genital Mas o Real n o desaparece por completo com a aquisi o da linguagem pois aquilo que ainda n o foi simbolizado resta ou resiste simboliza o O corpo n o deve ser s pensado como simbolizado significantizado pois simbolizado quer dizer mortificado e para gozar necess rio o corpo vivo Na entrada do sujeito na linguagem algo fica de fora o resto que da ordem do real que n o cessa de n o se inscrever do imposs vel de dizer do n o dito Este n o dito pode ter ra zes no corpo Um resto do corpo n o simbolizado est no regi
446. r uma cirurgia de mudan a de sexo anterior Resolu o do CFM de 1997 18 de mudan a de sexo quando isso n o exigido em uma mudan a de nariz por exemplo j que ambas s o irrevers veis Buscamos a Promotoria P blica de Direitos Humanos na rea da Sa de do munic pio a fim de inform la sobre nosso trabalho Contatamos ainda uma advogada do Col gio de Aplica o vinculado Faculdade de Direito da nossa institui o para que ela acompanhasse a paciente e ap s a cirurgia pudesse iniciar o processo de mudan a em seus documentos Tratava se de um trabalho trans disciplinar que trans cendia o que at ent o sab amos sobre trans sexualidade Foi preciso estruturar um fluxograma dos encaminhamentos os crit rios para a triagem e um termo de consentimento livre esclarecido os quais apresento no segundo cap tulo Preocupados com a tica solicitamos a presen a de um profissional da bio tica que nos ajudasse nessa reflex o pois nos depar vamos com algo novo e diferente Est vamos diante de uma demanda de alterar o corpo que a al m das interven es hormonais um ato que uma vez decidido n o teria volta N o se tratava de um posicionamento individual mas de um grupo que pudesse trocar os n o saberes para juntos buscarmos um saber poss vel A limita o dos avan os nas cirurgias de transgenitaliza o de mulher para homem direcionou a aceita o apenas para candidatos
447. ra como sendo o objeto da 112 Trata se aqui da palavra em franc s Je sujeito do inconsciente 113 Aquele que n o fala 112 puls o inaugurando sua entrada na ordem da sexualidade A busca por esse objeto que venha a preencher o vazio inaugural A sexualidade como que um corte na vida ps quica do sujeito e o pr prio saber n o pode resgat lo por vias simb licas LE O 1990 p 86 E por isso Freud vai dizer que nenhum objeto satisfaz a puls o e que n o h um saber sobre o sexo Se h um processo de identifica o no campo especular medida que a crian a assume determinada imagem de si mesma ele n o se reduz a isso pois nunca com seus pr prios olhos que a crian a se v mas sempre com os olhos da pessoa que a ama ou detesta CHEMAMA 2002 p 58 Portanto para se constituir preciso que a crian a seja objeto do olhar e tenha um lugar no campo do Outro cujo reconhecimento na medida em que a nomeia permite sua entrada no registro Simb lico O segundo tempo corresponde ao momento em que o infans reconhece sua imagem no espelho e pode apreender o seu corpo em sua totalidade capturada por essa imagem refletida e autenticada pela m e sim voc introduzindo a assim na ordem simb lica a da linguagem Para corresponder a essa imagem narc sica o ego ter que se defender de toda viv ncia de perda de tudo que possa abalar sua inteireza A crian a ser ent o for ada a buscar u
448. ra n o se desconsidere o apego ao corpo e ao sexo uma rela o imposs vel porque entre o imagin rio e o simb lico nada sexual por si mesmo medida que busca suplementar uma falta Essa rela o s pode se sustentar pela interven o de um terceiro elemento que o Falo e que est longe de se referir ao rg o fisiol gico pois se refere a um significante Seja para um ou para outro pelo v nculo que se estabelece com esse significante que ela vai assumir seu lugar na ordem heteros sexual e que determinar a rela o entre os parceiros Ou seja a rela o n o paira sobre o outro mas sobre o Falo imposs vel n o ser um homem ou uma mulher e isso est para al m da apar ncia Cirurgiada ou n o Alice permanecer para ela e para o outro um homem de acordo com os significantes culturais presos l gica bin ria dos sexos com uma apar ncia de mulher porque est presa a esse fantasma do qual n o consegue se desligar Sua constru o narrativa permitiu nos pensar ent o que trataria de completar a falta no outro no homem que ela sup e desejar uma vagina mantendo a l gica do funcionamento imagin rio Sua m e tamb m n o sabia o que um homem queria achava imposs vel descobrir isso no marido pai de Alice n o sei o que ele quer ele quase n o fala e Alice persiste nesta busca ao supor que uma vagina que os homens desejam Assim ser a mulher para o pai aquela que a m e no imagin rio de
449. ransexual pois o significante representa o sujeito para outro significante mostrando o quanto essas no es s o constru das e variam ainda segundo o momento Foi poss vel perceber diferen as que n o correspondem com o que foi sendo categorizado ao longo do tempo Todas as disposi es libidinais podem ser encontradas em algu m que queira mudar de sexo O importante buscar como essas pessoas colocam as quest es permitindo nos retificar erros principalmente em rela o nosografia pois foram in meras as constela es diagn sticas e as tentativas para desvendar a verdade sexual do ser humano ao longo da hist ria At mesmo Freud e Lacan enquanto m dicos fizeram refer ncias nosografia embora tamb m a criticassem aconselhando nos a cuidar para n o medicalizar nem tampouco moralizar a Psican lise Se a cl nica o que se diz e o que se escuta n o h como universalizar os enunciados que estar o relacionados s singularidades de cada hist ria subjetiva Longe de apresentar respostas ou teorias mais uma entre tantas essa pesquisa me fez rever posi es e tomar outras sobre um tema onde o que estava em jogo era como cada sujeito em sua express o sexual vivenciou os processos de identifica o e sexua o A sa da encontrada culminou em uma busca pela altera o corporal remetendo a uma teoria singular cab vel somente a quem a construiu Assim a experi ncia transexual torna se nica podendo ganha
450. rav s da hipnose Na Alemanha Hirschfeld fundou em 1897 o Comit Cient fico Humanit rio movimento militante cujo objetivo era lutar contra a condena o dos homossexuais A no o do terceiro sexo permitiu lhe agrupar em um mesmo conjunto as ambigiiidades genitais os comportamentos andr ginos e a elei o de objeto homossexual Ele foi o primeiro a tentar criar categorias distintas e diferenciar especialmente a homossexualidade da travestilidade MERCADER 1997 3 3 4 O Hermafroditismo e o Caso Herculine Barbin Assim como a constru o do conceito de invers o nos remete ao fen meno transexual o modo como a medicina e o direito lidaram com o hermafroditismo termo que na atualidade ampliou se para intersexo como resultado de avan os cient ficos tamb m permitiu uma aproxima o deste com a transexualidade principalmente pelas proposi es terap uticas as quais me remeto no quarto cap tulo 65 Durante s culos admitiu se a possibilidade de dois sexos nas pessoas consideradas hermafroditas O pai ou o padrinho deveria fixar o sexo que seria mantido ou ent o escolher entre o que parecesse dominar at que a pessoa na idade adulta decidisse a qual sexo preferia pertencer Depois da referida decis o n o havia possibilidade de mudan a sob pena de esta pessoa ser considerada sodomita Portanto era a mudan a de op o e n o a ambigiiidade anat mica dos sexos que se condenava na Fran a da Idade M
451. re quilo que n o s o A necessidade de ser reconhecida por um ser humano distinguida em sua 125 singularidade pode ser mais essencial do que a necessidade de amor As eventuais discord ncias reais ou fantasiadas podem implicar ang stias e a pessoa far qualquer coisa para se livrar disso No caso da transexual a cren a nessa discord ncia se constr i e se mant m presa ao corpo do sujeito cujo desejo tomado como sua verdade O que ocupa a psican lise n o a distin o entre a realidade e a fantasia mas o reconhecimento de uma realidade ps quica e a percep o que o sujeito tem de si mesmo que reflete sua tentativa de organiza o ps quica O sentimento de um Eu como nos apontou Lacan 1998h 1936 se fundamenta na descoberta da imagem especular antes de qualquer objetiva o da rela o antes de toda determina o social e na diferencia o entre si e o outro condicionando o sentimento de coes o de mim mesmo A constru o da identidade sexual como aquilo que concede ao ser humano o sentido de uma continuidade no tempo e no espa o faz com que ele se reconhe a como um sujeito sendo o bem mais precioso em sua luta contra o desamparo fundamental marcando a sua busca pelo seu reconhecimento A identifica o o processo pelo qual se d a constru o da identidade que segundo Freud 1980u 1921 a mais remota express o de um v nculo emocional com o outro E nessa rela o de depend
452. re a possibilidade de uma cirurgia se diz que o engano real e portanto poder ser corrigido Como dissemos o corpo enquanto tal tomado pelo corpo simb lico n o sendo portanto objeto de troca A fabrica o de um rg o n o equivale troca de uma pe a pois implica um trabalho subjetivo e uma reordena o da imagem corporal Podem desarrumar tanto quanto quiserem o real ainda assim nossos corpos v o continuar em seu lugar depois da explos o de uma bomba at mica em seu lugar de peda os A aus ncia de alguma coisa no real puramente simb lica na medida em que definimos pela lei o que deveria estar ali que um objeto falta no lugar que seu LACAN 1956 1957 p 38 160 Seguindo a l gica de Lacan a neovagina no lugar do p nis passaria a indicar a presen a de uma aus ncia tal qual o livro que falta na estante da biblioteca Ao negar sua anatomia a favor de sua identidade sexual as transexuais abrem um caminho para repensarmos o corpo que deixa de ser visto como o destino mas se mant m como o espa o fundamental da identidade A busca pela altera o corporal parece representar uma tentativa de n o exclus o de um mundo generificado mesmo que n o seja o que as motivou inicialmente a desejarem livrar se de seu rg o j que para muitas isto nunca mais ser recuperado Mas qual seria o lugar da transexual operada em uma sociedade homof bica Ser que a cirurgia e a mudan a nos documento
453. rebro de mulher em corpo de homem O que a faz sentir que mulher Ora mas que pergunta e o que a faz sentir que mulher Eu sinto e pronto Pelo meu jeito de ser pelos meus gestos porque tenho horror a tudo que se refere ao masculino em mim Minha voz meus p los meu p nis o tamanho de meu p etc Isso n o me impediu de ter uma vida maravilhosa com um homem mas quando ele morreu o mundo se acabou para mim S h pouco tempo que eu me recuperei e parece ter feito sentido voc me dizer que as pessoas morrem sozinhas Fez me pensar que s ele morreu e que eu ainda n o Passei anos de minha vida trancafiada dentro de um quarto em depress o pois entendia que com meu corpo masculino ningu m mais iria me amar 247 Sentiu al vio ao saber que outras pessoas sofriam como ela pois n o entendia o que lhe acontecia Faltavam lhe refer ncias A constru o da feminilidade N o quero mais saber de homem na minha vida Estas s o as palavras da m e para o filho que viria a sentir se uma menina ap s viver algumas decep es amorosas Iemanj n o conheceu o pai nem recebeu seu sobrenome permanecendo pai incerto no registro de nascimento era um estranho para ela mas sabia que sua m e o detestava mostrando isso por exemplo quando lhe dizia N o me olhe assim como seu pai que entendia que ser como o pai era algo que a m e rejeitaria nela Criada apenas pela m e n o foi reconhecida
454. reira transgredida nas fantasias e mesmo na realidade FREUD 1980p 1905 p 232 Em 1924 Freud oferece uma possibilidade de leitura complementar sobre esse caso cl nico e que diz respeito ao masoquismo fantasias de ser devorada e situa es reais que as exp s ao risco de estupro e viol ncia serviram para induzir pot ncia ao outro e conduzi la satisfa o sexual em si pr pria O masoquismo er geno acompanha a libido e dela deriva seus revestimentos ps quicos sendo a fantasia de castra o um precipitado da organiza o f lica A culpa referente aos desejos sexuais e fantasias de uma rela o sexual passiva colocaria o sujeito em uma situa o caracteristicamente feminina masoquismo feminino apontando para a vida infantil A interpreta o bvia que o masoquista deseja ser tratado como crian a pequena e desamparado mas particularmente como uma crian a travessa FREUD 1980 1924 p 202 Talvez aqui estejam os mecanismos que levaram Maria a situa es de risco colocando a na condi o de desamparada e que precisava ser protegida para n o ser devorada N o se trata de saber se as fantasias de Maria eram reais ou n o j que de um jeito ou de outro permanecem em seu universo imagin rio produzindo subjetivamente sua posi o sexuada Assim Maria repete nas cenas de sedu o na rua ou nas idas ao motel o 192 risco de quase ser estuprada atualizando nessas
455. rela o do Eu do sujeito com os seus enigmas sendo essencial discernir o motivo da consulta que no caso das pacientes referidas nesta pesquisa relaciona se inicialmente a um mandato m dico Nossa interven o nesse caso refere se a restituir ao sujeito alguma coisa da rela o que ele tem com seu sofrimento Isto intervir sobre o pr prio ponto em que o explica levando em conta a maneira pela qual o faz a teoria que tem sobre isso o porqu de seu sofrimento e como sofre N SIO 1999 O porqu para que e para quem a altera o corporal Abrindo se assim espa o para que se encadeiem novos significantes produzindo novos saberes e discursos sobre si mesmo Nas palavras de Lacan 1998 d 1953 p 254 no discurso sustentado por um sujeito h algo que ultrapassa seu querer O paradoxo o imprevisto o acidente produzem significantes que se engatam e geram efeitos de sentido a que fica em jogo uma verdade num n vel diferente do eu do sujeito 2 2 1 Dilemas Cl nicos Moretto 2006 p 66 diz que o lugar de um psicanalista em uma equipe de sa de n o corresponde necessariamente sua inser o Esta dependeria de um processo de constru o desse lugar e implica uma determinada posi o j que estar dentro fisicamente n o significa estar dentro psiquicamente preciso refletir sobre esse lugar sobre as demandas que lhe s o dirigidas e como se responde a elas salientando que encaminhar n o o me
456. rgicos cuja liga o masoquista n o pode escapar a ningu m seja qual for a estrutura que ordene tal atitude lembremos que este o objetivo que Freud em 1936 atribu a psican lise transformar uma mis ria neur tica numa infelicidade banal FRIGNET 2002 p 129 S o Paulo Brasiliense 1983 Sabemos que as pessoas que exercem a medicina fundamentada sobre um saber a respeito do corpo v em se atravessadas por seus pr prios fantasmas ao exercerem o lugar de quem promove a cura e o bem estar e a a o dos profissionais ocorre em um campo transferencial onde mecanismos defensivos e identificat rios fazem se presentes 34 Essa a fun o da psican lise de n o responder nem do lado de quem est a favor e nem de quem est contr ria ci ncia mas de quem se permite posicionar em um espa o de exterioridade que leve o sujeito a se responsabilizar por seu ato medida que pode saber sobre o que lhe move para isso e aquilo que ele procura nunca mais ser encontrado podendo ser no m ximo remediado Entretanto uma coisa tomar um horm nio e submeter se a uma cirurgia esperando que estas interven es possam eliminar a causa de seus males outra coisa esperar que esta a constitua enquanto um ser feminino Pois o sujeito s se constitui enquanto ser faltante e desejante separado de qualquer objeto e nenhuma tecnologia por mais poderosa que seja ir reintegrar a perda para o sujeito que para s lo
457. ria se deu inicialmente por meio de uma psic loga que acompanha alunos com dificuldades emocionais em uma faculdade da regi o Segundo ela um aluno havia sa do para as f rias e voltou vestido com trajes femininos exigindo ser tratado como mulher e n o mais pelo nome no qual era chamado Disse que em um primeiro momento interpretou como surto psic tico mas ao escut lo percebeu que se tratava de algu m cuja a o era coerente com o seu desejo e com suas identifica es femininas portanto uma transexual como se convencionou chamar Mobilizada diante do sofrimento da aluna e da repercuss o na institui o sentia se incapaz de ajud la encaminhando a para mim Conversei tamb m com alguns professores que me procuraram sentindo se despreparados para lidar com tal situa o O olhar dos professores Jo o at ent o identificado no masculino era um aluno que sempre se deu melhor com as meninas mostrava se quieto em sala de aula e apresentava notas na m dia Embora essa mudan a fosse repentina na faculdade ela j acontecia noite em outros locais por m escondido dos pais que embora soubessem sobre seu desejo n o admitiam tal atitude A decis o em assumir sua feminilidade se deu diante de um sentimento insustent vel de inc modo em manter se como homem o qual era percebido desde a inf ncia Desde que leu uma reportagem sobre Roberta Close identificou se com ela e passou a buscar na Internet informa es
458. rmas de subjetividade distanciados dos tradicionais esteri tipos Tais mudan as apontam para a possibilidade concreta da constru o de rela es de g nero mais democr ticas ideal perseguido em que o direito igualdade e o respeito diferen a s o as pedras angulares Sob a gide da pluralidade e da singularidade surgem diferentes modos de ser da masculinidade e da feminilidade que convivem de forma n o mais conflituosa com as matrizes hegem nicas de g nero ainda existentes ARA JO 2005 p 9 V rios autores t m desenvolvido estudos que retomam a discuss o sobre a constru o de corpos masculinos e femininos Dentre eles Weeks 1999 enfatiza a no o de identidade como destino dado pela determina o biol gica e aqueles que n o se definem claramente se deparam com a ang stia social Existe uma expectativa de pap is masculino e feminino e os 131 que n o se encaixam rompem com um dos modelos mais arraigados em nossa cultura que o binarismo sexual Nessa tica poder amos supor que a transexual viveria em um espa o social transit rio entre o masculino e o feminino que a medicina permitiria resolver com as adequa es cir rgicas Weeks 1999 questiona o car ter essencialista dessas concep es que ao serem dotadas de sentidos dados pela cultura imp em padr es normalizadores de comportamentos que s o preconizados e perpetuados A busca pela cirurgia confirmaria a cren a de um destino sexual
459. rne rela o com os homens Alice se v atormentada ao ler nos olhares masculinos uma pergunta sobre seu sexo mas sente que nas mulheres esse enigma n o se suscita A interven o cir rgica teria a fun o de um corte simb lico que produzisse como efeito modificar a sua posi o subjetiva Nos meses que antecederam a cirurgia Alice passou a ter ins nias e ficar ansiosa frente possibilidade de que esta a livraria de seu destino biol gico aquilo que n o a permitia ser reconhecida como mulher nessa posi o que Alice permanece at a cirurgia certa de que n o haveria outra sa da na busca de encontrar um lugar no desejo do Outro mesmo reconhecendo que nunca ser uma mulher de verdade Embora tenha uma idade avan ada sente se ainda uma adolescente diante de um futuro de possibilidades que a cirurgia lhe proporcionar No trabalho na fam lia todos estavam ansiosos e curiosos quanto a quando ela aconteceria Ap s a cirurgia sente que est muito melhor e aconselha a todas as transexuais que a realizem Gostaria que isso tivesse acontecido l em minha adolesc ncia Est mais f cil ser mulher conclui Mas a cirurgia n o muda a quest o de Alice ela permanece pois ela ainda n o se deu conta disso mas n o tem a ver com seu rg o Os homens que a procuram se frustram quando descobrem que ela realizou a cirurgia Ela continua a se encontrar com os homens e com alguns que ela define como
460. ro Imago 19800 v XVIII p 183 212 Psicologia de grupo e an lise do ego 1921 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980u v XVIII O Ego e o Id 1923 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980y v XIX A Organiza o Genital Infantil Uma interpola o na teoria da sexualidade 1923 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 v v XIX p 177 184 Neurose e psicose 1924 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 t v XIX O problema econ mico do masoquismo 1924 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980ab v XIX A Dissolu o do Complexo de dipo 1924 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980a v XIX p 215 224 A perda da realidade na neurose e psicose 1924 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 t v XTX Algumas Conseq ncias Ps quicas da Distin o Anat mica entre os Sexos 1925 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980b v XIX p 303 320 negativa 1925 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 v XIX p 295 Inibi es sintomas e ansiedade 1926 In
461. roblemas e vida pessoal Sempre consultada sobre problemas familiares mas antes via isso como interesse e agora como reconhecimento 235 Vida Profissional Na poca em que iniciou as sess es comigo suas quest es tamb m eram voltadas para as experi ncias de discrimina o na rea profissional Era cobrada pelas pessoas para se vestir como homem e teimavam em cham la pelo nome masculino Reagia com atitudes agressivas e arrogantes como uma defesa o que s refor ava a postura das pessoas Aos poucos conseguiu lidar com a situa o sendo chamada pelo nome feminino e constantemente convidada a participar das festas patrocinadas por colegas do trabalho Passou a se apresentar de forma mais discreta evitando saias curtas ou maquiagem exagerada Investiu em sua atualiza o profissional concluindo sua faculdade na rea na qual j trabalha h muito tempo Foi formalmente liberada para as sess es que realizava comigo e a equipe aguardou ansiosa pela cirurgia tendo at programado sua libera o do trabalho A cirurgia enfim Ap s quatro anos de acompanhamento semanal a t o esperada cirurgia foi marcada respeitando o tempo exigido mas principamente o tempo de Alice para que pudesse refletir sobre essa decis o Esse tempo permitiu ainda que ela pudesse acompanhar outra cirurgia e saber sobre as implica es desse processo decorrentes n o s da cirurgia em si mas do p s cir rgico desgastante e doloroso necessita
462. rrega se de suprir com as interven es hormonocir rgicas que prometem a completude e a felicidade a quem realiz la a promessa imediatista conforme Lacan 2005 1962 1963 de recuperar essa parte de nossa carne tomada na m quina formal nessa forma que enformou o sujeito para que ele se encaixasse na cultura e se tornasse um ser conformado este o equ voco que a an lise pretende retificar essa completude e essa suposta felicidade s o inalcan veis e se a escolha pela cirurgia a sa da da qual o sujeito n o quer abrir m o que ele pelo menos saiba que n o ser um passe de m gica onde a cirurgia ser a solu o para todos os seus males Ao concluir esse cap tulo remeto me ao que seria esse corpo que como vimos n o algo natural O que o torna um corpo pr prio a inscri o de uma marca significante que depender de um Outro n o simplesmente porque o significante est no campo do Outro mas porque necessitamos de um outro que invista em n s mesmos como um ato de amor que esbo ar nossa marca Esse reconhecimento de corpo e a possibilidade do sujeito aceder a ele depender o dos processos de identifica o que se conjugam nas tr s dimens es em que se incorpora o corpo do Simb lico ao mesmo tempo em que se institui o corpo do Real e se constitui o corpo do Imagin rio Ap s este percurso pelas constru es te ricas resta nos saber o que cada sujeito soube sobre sua transexualidade e os motivos que o
463. rup o no desenvolvimento sexual Para Badinter 1993 p 159 falar da interrup o no desenvolvimento tem o peso de um estigma pois evoca algo inacabado anormal A pessoa homossexual n o seria assim completa um adulto completamente sa do da inf ncia uma vez que n o chegou ao est gio da maturidade sexual Para ela a mensagem de Freud revela se amb gua um homossexual um anormal que n o est doente Isto porque conforme Butler 2003 de algum modo Freud ainda acreditava que a anatomia o destino sendo a genitaliza o heterossexual a refer ncia final para o desenvolvimento completo da sexualidade 3 4 2 A diferencia o das diversidades sexuais V rios te ricos tentaram distinguir e categorizar a sexualidade Kinsey se destacou ao 7 80 inventar o continuum do heterossexual ao homossexual sendo um dos precursores no estudo da vida sexual enquanto ci ncia no molde do positivismo trazendo uma contribui o essencial tese da bissexualidade humana Esse relat rio assinalou a fluidez dos desejos Partindo do pressuposto eug nico de que os homossexuais eram anormais incur veis como os loucos e os aleijados o nazismo estigmatizou os com o tri ngulo rosa e determinou sua elimina o como corol rio obrigat rio para a boa sa de da sociedade TREVISAN 2002 p 33 Dentre as experi ncias a transexualiza o for ada de uma travesti no campo de concentra o nazista PC
464. s de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 v XIII Recordar Repetir Elaborar 1914 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980i v XII Sobre o Narcisismo Uma introdu o 1914 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980n v XIV p 85 119 O Instinto e suas vicissitudes 1915 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 aa v XIV O Inconsciente 1915 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 v XIV Teoria Geral das Neuroses Confer ncia XXI O desenvolvimento da libido e as Organiza es Sexuais 1917 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 v XVI Teoria Geral das Neuroses Confer ncia XXIII Os caminhos da forma o dos sintomas 1917 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 v XVI 285 Teoria Geral das Neuroses Confer ncia XXVI A Teoria da Libido e o Narcisismo 1917 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980 v XVI O Estranho 1919 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janeiro Imago 1980z v XVII psicog nese de um caso de homossexualismo numa mulher 1920 In Obras Psicol gicas Completas de Sigmund Freud ESB Rio de Janei
465. s de sua condi o Vida escolar Sempre foi alvo de brincadeiras sarc sticas e agress es na escola Vestida de menino na inf ncia achavam na afeminada e riam dela S tinha amigas Como garota pedia para os professores a chamarem de Mara mas era sempre um stress quando mudava o professor Nem todos aceitavam Participou de um concurso da mais bela garota da escola e ganhou o primeiro lugar mas a escola n o aceitou entregar lhe o pr mio Interrompeu os estudos ao concluir o primeiro grau pretendendo retornar somente ap s a mudan a dos documentos 257 Havia deixado a sua vida em sua cidade seus amigos namorados m e irm s conforto da casa e vida social Sua vida restringiu se s idas ao hospital fazendo com que nossos encontros representassem o motivo dessa perda j que para submeter se ao acompanhamento em nosso hospital teve que transferir sua resid ncia para outra localidade Embora a equipe insistisse com a import ncia dela retomar os estudos como uma forma de ampliar as suas rela es limitada a alguns amigos ela se negava a realizar qualquer coisa antes da altera o corporal e dos documentos A id ia associada era que al m da recusa em vivenciar situa es em que a masculinidade f sse denunciada havia o fato de n o querer seus documentos com o nome masculino incluindo os diplomas escolares ocupando seu tempo cuidando do corpo e da casa Tal recusa persistia mesmo quando a equipe ofereci
466. s deles t m uma forma alucinat ria sangramentos pelos orif cios do corpo e outros s o 225 interpretados menstrua o Seus tra os hipocondr acos revelam que a elimina o de um lugar que ela sup e em sua ilus o livr la de um gozo mostra o equ voco do que inevit vel por ser real o gozo n o ser abolido surgir de outro modo e possivelmente exacerbando os sintomas dos quais j se manifestam A descoberta do desejo sexual pelo amigo e do segredo entre eles sobre a homossexualidade e a cena do sangramento que ela interpreta como menstrua o enunciada em um encadeamento que remete em seguida cena da interna o e a interpreta o do m dico que fala sobre seu diagn stico em segredo Se for segredo se nada pode ser falado s pode dizer de sua sexualidade A liga o com o amigo n o vai passar de amizade mas a evoca o sucessiva dos acontecimentos no relato mostra a ang stia que essa lembran a causa em J e que marcada em seu psiquismo por uma incerteza angustiante quanto a ser homem ou mulher A solu o encontrada para remediar essa incerteza inicialmente o misticismo e a manuten o de um semblante assexuado que n o bastar para apazigu la O olhar que define se J homem ou mulher permanece inacess vel e suas tentativas de uma identifica o simb lica com o pai fracassaram Ao n o sentir que foi nomeada suficientemente como menino ou como menina permanece na ambigiiidade buscando
467. s don t cry EUA Drama Dire o Kimberly Pierce Sinopse Teena Brandon uma jovem em constante crise de identidade sexual n o aceitando o fato de ser menina agindo sempre como os outros garotos e se vestindo como tal assumindo a identidade de Brandon Teena Passa a conviver com um grupo de jovens onde conhece Lana sua paix o mais intensa Brandon divide o seu cotidiano com Lana e sua fam lia Quando descobrem sua verdadeira identidade transforma a vida de todos Baseado em uma hist ria real que abalou a imprensa americana em 1999 com assassinato em massa em Nebraska Filme sobre amor aceita o preconceito e esperan a Rendeu o Oscar de melhor atriz para Swank Tudo sobre minha m e 1999 Todo sobre mi madre Espanha Com dia Dire o Pedro Almod var Sinopse No dia de seu anivers rio Esteban ganha de presente da m e Manuela uma ida ao teatro Ao tentar pegar um autogr fo da atriz Esteban atropelado e morre Manuela resolve ir de encontro ao pai do seu filho em Barcelona para dar lhe a not cia quando encontra no caminho o travesti Agrado a freira Rosa gr vida de Agrado que j foi amante de Manuela que revela que Esteban era seu filho O filme trata com humor os dramas e o cotidiano em que essas viv ncias provocam por um lado estranhamento e preconceito por outro s o apenas encontros poss veis entre duas pessoas Normal 2003 Normal EUA Drama Dire o Jane Anderson Sinopse Irma e Roy comem
468. s e um dia mexendo no seu guarda roupa achei uma caixa cheia de bonecas maravilhosas feitas de meias Eram como barbies feitas de pano Fiquei muito nervosa e joguei tudo fora N o adiantou ele fez outras Sempre teve dificuldades de adapta o escolar tendo mudado muitas vezes de escola Com as irm s sempre esteve em conflito brigavam muito as irm s achavam que eu protegia ele Mara e ele pensava o contr rio Na verdade estive muito ausente na inf ncia e sinto me culpada por isso Ele sempre pedia para que eu lhe comprasse roupas femininas mas eu nunca aceitei ent o cheg vamos num acordo de roupas unissex Seu cabelo sempre era meio comprido mas tudo bem isso era comum entre os garotos de sua idade Quando tinha 11 anos foi passar as f rias na casa de minha irm e l contou seu drama tia que se prop s a cuidar dela caso n s n o aceit ssemos seu problema Percebendo que se n o aceitasse iria perd la preferi aceit la com a condi o de que ela fizesse consultas m dicas pois quem sabe haveria algo de errado em seu corpo Os exames constataram que ele era normal e que n o era um hermafrodita como todos acreditavam Foi ent o encaminhado para 255 acompanhamento psicol gico onde meu filho n o se adaptou pois ficava clara a tentativa da profissional de lev lo a aceitar seu sexo de origem Meu marido disse desconfiar do problema de Mara mas sempre preferiu n o pensar sobre isso
469. s psicanal ticas sobre um relato autobiogr fico de um caso de paran ia FREUD 1980s 1911 A transexualidade nesse caso observada como um del rio dentro de um quadro de paran ia no qual Schreber se sentia transformado em mulher por uma finalidade divina recusando sua anatomia masculina De acordo com Chemama 2002 p 186 188 o termo recusa aqui utilizado Trata se de um mecanismo ps quico por meio do qual a crian a se protege da amea a de castra o ela ent o repudia desmente recusa a falta do p nis na menina na mulher na m e acreditando na exist ncia do falo materno Para Freud a recusa seria comum para a vida mental da crian a mas se prolongada al m da fase f lica levaria ao fetichismo ou psicose como uma tentativa imperfeita de desligar o eu da realidade O sujeito sabe de alguma coisa e ao mesmo tempo n o o sabe ou n o quer sab lo Lacan preferiu utilizar o termo forclus o verwerfung para explicar esse processo em jogo nas psicoses 5 4 A TRANSEXUALIDADE EM SCHREBER O Caso Schreber analisado por Freud 1980s serviu de par metro para que outros psicanalistas embora n o questionando quanto ao sintoma apresentado tratar se de psicose oferecessem algumas elucida es sobre a transexualidade tal qual ela se apresenta na atualidade mostrando posicionamentos diferenciados 87 Em sua autobiografia Schreber 1995 assim argumenta sobre seu del rio de transexualiza o
470. s ser o suficientes para que alcancem esse lugar que almejam agora ao lado do feminino A hist ria de Iemanj e de Alice nos aponta que n o quando se torna poss vel ocorrer um novo tempo e porque n o dizer um in cio de um processo anal tico em que as incertezas e os conflitos podem aparecer j que n o precisam mais manter o discurso que sup em necess rios para obterem o que desejam Poder amos pensar que se o progresso tecnol gico d transexualidade o estatuto de um fen meno social reflexo da contemporaneidade n o poss vel afirmar que o progresso civilizat rio acompanhe os mesmo passos A reivindica o de transexuais na Europa a respeito de uma altera o jur dica que n o esteja vinculada com a interven o cir rgica tem nos alertado sobre essa quest o e Freud j nos fizera refletir sobre isso em seu artigo sobre o Mal Estar na Civiliza o 1980r 1929 p 116 Para ele uma maior liberdade n o necessariamente coincide com o progresso da civiliza o O que se faz sentir numa comunidade humana como desejo de liberdade pode ser revolta contra alguma injusti a existente e ser assim favor vel a um maior desenvolvimento da civiliza o permanecer compat vel com a civiliza o Entretanto pode tamb m se originar dos remanescentes da personalidade original que ainda n o se acha domada pela civiliza o e assim nela tornar se a base da hostilidade civiliza o Desse modo n o cabe aqui
471. s sociais fazendo ampliar seu desamparo ao desvelar sua condi o Na busca de sustentar um lugar de pertencimento na cultura hegem nica do g nero a cirurgia opera para perpetuar os acordos inconscientes entre as partes de um lado o social e a ci ncia e do outro um sujeito desamparado A busca por garantir o olhar que confirmaria a imagem desejada e idealizada o que impulsiona o ato de buscar a altera o corporal Assim como o marketing capaz de vender e manipular id ias a busca de uma identidade desej vel em nossa cultura se associa id ia de vender imagem prometendo a ilus o de uma constru o de identidade desej vel o que torna o sujeito aprisionado a esse discurso 122 6 1 6 Identidade e Alteridade Se at aqui falamos de diferen a entre os sexos n o temos como n o falar de alteridade A transexual por um lado reivindica o direito diferen a a uma subvers o por outro h uma reivindica o igualdade e portanto identidade Morel 2002 diz que o que se perde a diferen a n o identific vel a alteridade Lacan introduz o conceito de Outro no tocante diferen a sexual O Outro o Outro sexo o que resiste identifica o o que outro o inacess vel o enigma e que se encontra apoiado na diferen a como alteridade real que no caso da transexualidade remete ao rg o genital Identificamos nossa fala com a suposta fala dos outros A identidade que supomos entre o nosso
472. s transexuais para que pudesse atuar Maria s poderia ocupar os territ rios onde aos olhos do social a homossexualidade j havia invadido Ou seja poss vel cuidar do cabelo mas n o do corpo do outro Diante dessa situa o passei a acompanhar tamb m os professores que me procuravam na tentativa de ajud los a pensar sobre o que os mobilizavam Ficava claro que a situa o remetia a conflitos em suas hist rias pessoais Ofereci lhes bibliografia biografias de transexuais reportagens e artigos cient ficos de v rias reas medicina direito psicologia etc para que pudessem conhecer melhor essa quest o Aos poucos as d vidas foram sendo dissipadas As sess es cl nicas com Maria e o espa o de escuta ofertado aos professores contribu ram para que ambos lidassem de modo mais trangi ilo com a situa o Os primeiros encontros Ofereci me para algumas entrevistas a fim de definir se poderia atend la no ambulat rio Maria faltava frequentemente s entrevistas mas sempre que se deparava com um conflito principalmente com professores e colegas ela me procurava solicitando uma escuta de urg ncia fora do hor rio combinado mobilizando inclusive a equipe do setor e eu acabava atendendo medida que deixei de atend la fora do hor rio passou a n o faltar nas sess es e a formular melhor sua demanda definindo se assim as sess es cl nicas semanais A rela o com o corpo e a imagem A
473. sa a ser considerada uma produ o da classifica o social cujo principal objetivo era o controle A estigmatiza o foi um dos resultados dessa classifica o das sexualidades sendo que a medicina ao incorporar a homossexualidade em seu campo de estudos em vez de proteg la dos julgamentos morais confinou a anormalidade Diante da concep o do normal e do patol gico principalmente no que se referisse ao sexual iniciaram se as tentativas de se compreender tratar e curar homens e mulheres que sentissem atra o pelo mesmo Sexo 3 3 7 A Pr tica da Castra o como Tratamento Uma Aproxima o com as Cirurgias de Transgenitaliza o H mais de dois mil anos cientistas sup em ter havido a primeira cirurgia de mudan a de sexo O imperador romano Heliog balo conhecido por sua ambiguidade sexual levou ao p blico o seu desejo de mudar de sexo dizendo que pagaria qualquer Esse termo foi empregado pela primeira vez em 1869 em alem o por Kertbeny que o utilizou em um panfleto an nimo para tentar convencer a Federa o Alem do Norte a abandonar o artigo 143 do C digo Penal prussiano que considerava crime as rela es sexuais entre homens Mas a lei permaneceu sendo refor ada pelos nazistas e suprimida apenas em 1994 A palavra reapareceu em ingl s na d cada de 1890 usada por Chaddock tradutor de Psichopatia Sexualis de Kraft Ebing Ao fim do s culo XIX e in cio do s cu
474. sabido E lembrando da experi ncia de Freud s poderemos conhecer o caminho ap s come ar o percurso Ao conceber a psican lise n o s como uma cl nica apoiada em uma teoria sobre o psiquismo como tamb m um m todo de investiga o humana Freud 1980g 1916 diz que o que a caracteriza enquanto ci ncia menos a mat ria sobre a qual ela trabalha do que a t cnica da qual ela se serve Seu nico objetivo e sua nica contribui o consistem em descobrir o inconsciente Acerca do m todo Lacan 1998 d 1953 p 259 complementa que 39 os seus meios para atingir o inconsciente s o os da fala pois ela confere um sentido s fun es do indiv duo seu dom nio o do discurso concreto enquanto campo de realidade transindividual do sujeito suas opera es s o as da hist ria enquanto ela constitui a emerg ncia da verdade no real Lacan preocupou se em aproximar o rigor da psican lise ao rigor de uma metodologia cient fica Referindo se transmiss o da psican lise que n o se reduz ao ensino e seu m todo revela que a verdade da psican lise pelo menos em parte somente acess vel na experi ncia do psicanalista porque a experi ncia psicanal tica deve ser ela mesma orientada sem o que ela se extravia LACAN 1998e p 282 Ele discute quest es como a fun o do desconhecimento na g nese do sujeito e em consegii ncia do pesquisador em que a consci ncia passa a ser uma ilus o enganosa
475. sal que possa ser aplicado a todos Esse saber contingente n o generaliz vel e ocorre na experi ncia do um a um Cada pessoa apesar de compartilhar experi ncias semelhantes com outros seres humanos tem a sua subjetividade constru da de forma original Antes por m de buscar o saber constru do na cl nica com as pessoas transexuais torna se importante apresentarmos os saberes j produzidos que possam nos auxiliar na reflex o sobre esse fen meno 48 3 UMA APROXIMA O HIST RICA AS SEXUALIDADES ATRAV S DOS TEMPOS E CULTURAS O homem do futuro ser incompreens vel se n o tivermos compreendido o homem do passado Leroi Gourhan Se com base nos preceitos psicanal ticos a cultura adquire uma fun o determinada e determinante na constru o subjetiva torna se importante olharmos para algumas contribui es que a Antropologia nos oferece A hist ria das sexualidades um tema t o vasto e fascinante que diante de sua amplitude necess rio delimitar os horizontes para entendermos as mudan as pelas quais passou a humanidade N o uma tarefa f cil pois a hist ria das culturas vai delineando possibilidades t o curiosas de express o da sexualidade dificultando o objetivo de somente apresentar algumas nuances hist ricas que apontem o quanto o que se apresenta na atualidade pode ter suas ra zes no passado Ao estudar esse tema percebemos a sexualidade enquanto um fen meno em constante transforma o r
476. sar seus sentimentos e inseguran as Percebe seu crescimento pessoal e considera que as sess es lhe trouxeram um benef cio bem maior que a cirurgia N o faltava s sess es e fez muitas amizades no hospital pacientes e funcion rios Vida Sexual Foi casada com um homem bem mais velho que conheceu aos 15 anos de idade Ele lhe dava tudo que nunca havia tido prote o carinho cuidado aten o e uma boa situa o financeira Viajava muito e ela era proibida de sair sozinha ficando aos cuidados da m e dele Afirma que foi seu primeiro e nico amor com quem iniciou sua vida sexual embora n o fosse mais virgem em decorr ncia de ter sofrido estupros de um tio na pr adolesc ncia situa o conhecida pela fam lia Ap s anos de relacionamento o marido faleceu em um acidente e ela perdeu suas refer ncias pois n o sabia viver sem ele Em depress o voltou a viver com a m e sem sair de casa Conheceu seu companheiro atual no port o de sua casa onde passaram a conversar todas as tardes Quando vi estava envolvida e passamos a morar juntos N o houve amor apenas simpatia Iemanj acreditava que a felicidade n o batia duas vezes em nossa porta Como transexual n o teria chances de encontrar um outro homem j havia tido sua chance de ser feliz Era o fantasma herdado pela m e que dizia do arrependimento de ter deixado o primeiro marido Sobre a rela o com o parceiro
477. sava estar pr ximo dos homens o que pensei que poderia ser para aprender a ser um Por outro lado me dizia que seu pai era muito agressivo quando bebia Seria ent o para se defender de um pai agressivo ou para proteger a m e Barrar pesadamente o pai Diante de tal ambival ncia a equipe decidiu que n o iniciaria o uso de horm nios apontando para uma desorganiza o ps quica Ao contr rio de outros casos independente do fato de sentir se bissexual seu sentimento de identidade e sua busca pela altera o corporal remetia a um conflito com o pai Relacionamentos Sentia ter vivido em um meio familiar violento que ele atribu a ao alcoolismo do pai e por isso sempre evitou falar sobre sentir se mulher Quando o pai batia na m e J ferson era o mediador e na maioria das vezes as discuss es referiam se aos cuidados com os filhos A viol ncia era pela via das palavras xingava humilhava e pela via das porradas chegou a quebrar os dentes da m e Entendia que era por conta do pai que sua m e se tratava com psiquiatra e tomava antidepressivo Referiu se a um epis dio de tentativa de suic dio ao ingerir um vidro todo de rem dios da m e e mostrava que esta era a sa da para as situa es conflitivas utilizando a como um jogo de chantagem com os pais Ficava at tarde esperando pelo pai pois tinha medo de dormir e acontecer lhe algo Na maioria das vezes era por causa dos filhos que eles brigavam e quando a
478. sava que era muito tempo n o sabia se agiientaria as press es sociais para assumir um lado ou outro sair da ambigiiidade inadmiss vel em nossa cultura Sem a cirurgia sentia se impossibilitada de prosseguir a vida seus relacionamentos seus estudos seu trabalho n o agiientava o preconceito que feria profundamente seu narcisismo Jac apontou que se tivesse me encontrado antes poderia ter trazido um efeito de modifica o em sua posi o transexual E no caso de Mara escut la mais cedo poderia ter propiciado uma mudan a de posi o Ou ent o ser que a ci ncia deveria facilitar autorizando a a submeter se cirurgia sem ter que aguardar Quais seriam os efeitos disso Aguardar para que estivesse convicta Ser que algu m que se sente transexual na adolesc ncia muda de id ia na vida adulta Essas foram as quest es mobilizadas em mim Atualmente exigido que a transexual atinja a maioridade pois do ponto de vista do c digo civil jur dico somente nesta idade que o indiv duo plenamente respons vel por seus atos Em alguns pa ses isto questionado havendo informa es que na Austr lia e Alemanha adolescentes ganharam o direito in dito de submeter se interven o hormonocir rgica de mudan a de sexo O tratamento realizado em fases de forma que n o se torne irrevers vel at que complete 16 anos de idade e a cirurgia feita aos 18 anos Gooren 2000 ap ia que essas interven
479. sculina representada pela figura paterna que n o lhe serviu como suporte identificat rio este manteve ligado s representa es simb licas do feminino A posi o subjetiva da m e em rela o ao falo teve papel preponderante na vers o criada por Mara para a sua posi o sexuada O significante ao marcar o corpo circunscreve o gozo a uma zona er gena que at ent o era capaz de gozar em toda a superf cie marcando tamb m o psiquismo gerando um efeito de sentido A constru o fantasm tica de Mara sua fic o para o desejo da m e permitiu lhe localizar o gozo dela garantindo que n o permanecesse cristalizada no lugar de objeto e assim buscar uma sa da para a sua realidade ao juntar significante e significado Um eu feminino aprisionado em um corpo masculino O verbo aprisionar com o poder de um significante fez a jun o entre os elementos e nos revela que h um sujeito feminino que se prende a um corpo masculino a ssujeitado Seriam os significantes maternos mas n o s pois o feminino se apresentava tamb m nas irm s que aprisionaram esse corpo biol gico que enquanto masculino n o tinha valor nenhum a n o ser pelo negativo m nimo o tra o que marcou sua insufici ncia masculina Assim Mara se v colada a esses significantes e busca pela altera o corporal sair do lugar obturante de objeto fantasm tico promovendo sua posi o sexuada 259 Mara n o suportou a espera pen
480. scuta 1991 280 BIRMAN J Corpos e formas de subjetiva o em psican lise In Estados Gerais da Psican lise Segundo Encontro Mundial Rio de Janeiro 2003 BLEGER J Temas de Psicologia Entrevista e Grupos S o Paulo Martins Fontes 1989 BONNET G A roda gira sobre o transexualismo e a homossexualidade In CECCARELLI P Diferen as Sexuais S o Paulo Ed Escuta 1999 BRASIL MINIST RIO DA SA DE SECRETARIA DE POL TICAS DE SA DE COORDENA O NACIONAL DE DST E AIDS Guia de Preven o das Dst Aids e Cidadania para Homossexuais Secretaria de pol ticas de sa de Coordena o Nacional de Dst Aids Bras lia Minist rio da Sa de 20024 BRASIL Resolu o CFM n 1 652 de 06 de novembro de 2002 Sobre a Cirurgia de transgenitalismo Bras lia DF 6 nov 2002b Dispon vel em http portalmedico org br resolucoes 2002 1652 2002 html Acessado em 06 12 2002 BROOKS P Psychoanalysis and storytelling London Hartnolls Ltd Bodmin Cornwall 1994 BUTLER J How Bodies Come to Matter An interview with Judith Butler In Signs Journal of Women in Culture and Society University of Chicago Press v 23 n 2 p 275 286 1998 Corpos que pesam sobre os limites discursivos do sexo In LOURO G org O corpo educado pedagogias da sexualidade Belo Horizonte Aut ntica 1999 p 151 172 Cuerpos que importam Sobre os limites materiais y discursivos del sexo Buenos Aires Paid s 2002 Pro
481. se identificat ria imagin ria com o pai j que n o foi suficiente pela via do simb lico o reconhecimento paterno que lhe permitisse acesso sua masculinidade Encontrou seu lugar na solu o que seu inconsciente inventou para seus males sua feminilidade e para n o haver d vida a sa da seria operar no real o que o simb lico e o imagin rio n o conseguiram solucionar como por exemplo a automedica o transformando a convers o sexual em outra pr tese para sua impossibilidade f lica A melancolia presente em alguns momentos da hist ria de J ferson nos mostra que ali onde deveria existir um sujeito havia um objeto maltratado agredido em toda a sua ess ncia Nesse ponto cabe observar a instabilidade da fun o de supl ncia e nos perguntar a que isso se deve Freud 1890 1892 1899 descreve a melancolia como um buraco na esfera ps quica por onde escapa a libido semelhante a uma hemorragia interna Lacan se aproxima desse pensamento quando afirma que na psicose h um furo no simb lico devido a foraclus o do Nome do Pai Fazer supl ncia se equivale nesse caso a inventar algo que possa servir para velar o buraco deixado pela aus ncia do Nome do Pai da a instabilidade dessa fun o pois ela vela e desvela este buraco no psiquismo n o sendo poss vel anul lo As bonecas e as calcinhas que colecionava parecem significar o objeto de defesa contra a ang stia e que ao ser descoberto pelos pais provoca um
482. se a gra a na diferen a n o ser igual a ningu m referenciando se mais uma vez no discurso de outra pessoa E nesse lugar de diferente que voc quer estar questiono N o mas eu preciso enfrentar essa realidade para n o me suicidar O que me manteve at agora foi minha religi o se n o fosse isso eu j teria dado fim a esta situa o insuport vel Diz que s vezes se sente enganchada em um cabide aguardando a hora de poder sair do arm rio Um gancho que se assemelha ao sinal de interroga o O problema que a persegue de que sexo sou afinal 222 J tem despertado o interesse de rapazes que a abandonam ao descobrirem que se trata de um homem biol gico Relata ter ido a uma festa em que foi barrada e humilhada na entrada Preferiu fingir que n o era com ela gritaram que ela estava enganando as pessoas que era um homem na fila das mulheres Saiu dali e nem olhou para tr s pois n o queria saber quem estava falando isso e pensou que se resolvesse tirar satisfa es estaria se expondo Essa experi ncia nos leva a salientar a relev ncia da problem tica transexual no que diz respeito vulnerabilidade social em que se encontram sendo alvos de exclus o e discrimina o o que ir refor ar ainda mais a sua demanda de altera o corporal Eu estou sem lugar nesta situa o amb gua preciso da cirurgia para poder n o viver mais estas situa es e poder ser feliz N o qu
483. se de um fen meno atual e contempor neo ainda em constru o 1 2 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA Esta pesquisa surgiu das minhas inquieta es em rela o transexualidade as quais t m me levado a rever quest es ticas te ricas e cl nicas em minha pr tica enquanto psic loga em um hospital universit rio Trabalho h seis anos diretamente com pessoas ditas 2 o 5 1 z transexuais femininas isto pessoas que biologicamente s o homens mas que Essa hist ria pode ser lida em seu site http www lynnconway com 2A palavra homofobia foi inventada em 1972 por Weinberg que assim a define medo de ter contato com homossexuais Atualmente essa vis o mais ampla e se refere discrimina o opress o e ao preconceito praticado contra as pessoas homossexuais A homofobia ainda hoje alarmante principalmente no Brasil que tem sido apontado como o pa s onde mais se matam homossexuais no mundo Em 2004 o Governo Federal atrav s do Conselho Nacional de Combate Discrimina o CNCD lan ou o programa Brasil Sem Homofobia de combate viol ncia e discrimina o contra GLBTT gueis l sbicas bissexuais transexuais e transg neros para que fosse garantida a efetiva o de seus direitos 10 q a a Optou se por utilizar o termo ser humano em vez de homem pois os novos estudos de g nero fazem uma cr tica importante ao machismo presente nas l nguas latinas quando o termo
484. se pai que assegure plenamente essa fun o essencial na dial tica edipiana isso n o resolve de modo algum a posi o particular intersubjetiva daquele que preenche para a crian a esse papel No caso do menino a fun o do dipo parece muito mais claramente destinada a permitir a identifica o do sujeito com o seu pr prio sexo que se produz em suma na rela o ideal imagin ria com o pai Mas n o este o verdadeiro objetivo do Edipo que a justa situa o do sujeito com refer ncia fun o do pai isto que ele pr prio aceda um dia a essa posi o t o problem tica e paradoxal de ser um pai LACAN 1956 1957 p 208 Embora n o possamos deixar de considerar a l gica dessas constru es e sua import ncia na constru o da posi o subjetiva e sexua o essa pesquisa mostrou me ser mais que isso Butler 1998 permitiu nos pensar sobre isso sobre a performatividade do g nero e a constru o do sexo e a produ o dos corpos em nossa cultura Ela sugeriu que a estabilidade das identidades n o depende somente de negocia es heterossexuais mas tamb m de diferen as entre pessoas respeit veis e n o respeit veis portanto a constru o da diferen a sexual est al m desta matriz heterossexual que tem o poder incontestavelmente normatizador em nossa cultura generificada pelo binarismo Assim se Mara e Maria 271 mostraram suas identifica es insuficientes com a posi o masculina mu
485. sem parecer for ado ou artificial tanto que as crian as de sua escola a chamavam de tia e adultos confundiam na com uma mulher Foi logo anunciando que embora tivesse um nome assexuado uma apar ncia f sica feminina fazendo com que as pessoas a confundissem com a mulher que internamente sentia ser anatomicamente era um homem Assim J enuncia o motivo que a fazia buscar a cirurgia de mudan a de sexo que imaginou acontecer rapidamente Nessa l gica o g nero funcionaria ent o como uma esp cie de alma sexual onde o p nis ao n o adquirir o estatuto f lico deveria ser cortado para que n o a confundissem mais J diminutivo de Jomar nome que se refere jun o das primeiras s labas do nome da m e e as ltimas s labas do nome do pai como chamada desde a inf ncia pelos mais ntimos inclusive os pais denotando a ambigiiidade com que sente ter sido tratada pela fam lia Conta que desde crian a era confundida com uma menina e seus irm os mostravam se curiosos em v la nua mas sua m e nunca deixou que a vissem Pergunto lhe como era ser confundida como mulher e ela me conta Quando crian a achava isso normal Isso era indiferente me vestia de um jeito que n o definia o masculino ou o feminino nunca coloquei saias ou vestidos S farei isso depois da cirurgia Sempre tive tra os femininos e os cabelos longos ajudavam a confundir Aos outros e
486. sentia por outras garotas pedindo para que ela n o contasse pra ningu m que esse fasc nio se associava ao seu jeito de anjo Por que n o contar para ningu m o que ser que ele n o queria que os outros soubessem Ser que pelo car ter andr gino de Maria N o contar pra ningu m talvez porque desconfiasse que havia algo que ele fingia n o saber Essas quest es intrigavam Maria que tentou falar v rias vezes de sua condi o ao perceber que o relacionamento estava ficando mais s rio Dizia que precisava contar algo muito dif cil pra ele Ao referir se a uma poss vel cirurgia para que pudesse manter rela es sexuais vaginais ele ent o responde N o me diga que voc um homem Ela emudeceu diante dessas palavras e n o diz nada interpretando que ele preferia que ela nada dissesse N o queria saber e n o queria que os outros soubessem pedindo que n o falassem mais sobre isso Depois dessa conversa Maria imaginou que eles nunca mais se encontrariam mas ele retornou declarando o seu amor embora n o fosse homem pra ela n o queria faz la sofrer o que ela sup s tratar se de uma fantasia homossexual e de um n o querer saber sobre isso Tiveram uma rela o sexual em que ela imp s a condi o de que fosse ao escuro e que ele n o tocasse l fazendo alus o genit lia ela ficou de costas mantendo uma rela o anal Concordaram por m que isso n o deveria mais acon
487. senvolvimento de um conhecimento mais pontual sobre a experi ncia A pr tica da an lise est longe de ser imediatamente conectada id ia de tratamento seja psiqui trico ou psicol gico ou mesmo m dico An lise n o um termo de uso exclusivo ou mesmo criado pelas pr ticas m dicas ou psicol gicas An lise a pr tica de produ o de sentidos Tratar algu m uma outra pr tica baseada em construtos te ricos produzidos a partir do m todo descritivo por exemplo no caso da medicina TEIXEIRA FILHO 2000 40 transexual e mais precisamente sobre a demanda de altera o corporal Se a psican lise prop e a compreens o da subjetividade humana entendendo aqui por subjetividade o espa o no qual ocorrem os processos de subjetiva o n o se pode deixar de levar em conta tamb m o contexto cultural em que o sujeito constitui se e vive Se partirmos das refer ncias freudianas reiteradas por Lacan em uma an lise n o se busca a cura o que importa a constru o de um saber que engaja o sujeito na an lise O saber inconsciente tem o estatuto de uma articula o particular entre a verdade e o real contingente tem estrutura de fic o e como tal pode enganar A fun o do engano e do desconhecimento fundamental j que abre a brecha na qual o real pode emergir Difere se assim do saber cient fico que pressup e um saber universal que serve para todos buscando um ideal da precis o e dessa maneira sut
488. ser que ela sabe Essa quest o ela n o me respondeu disse apenas ouvir sua irm assim falando do marido Desde que nasci era confundida com uma menina mas n o sabia n o entendia a diferen a e achava normal as pessoas me olharem assim Eu sempre me perguntava o que eu sou afinal at que uma amiga travesti me disse que se eu n o aceitava meu p nis eu deveria ser uma transex Isso me deu certo al vio porque eu precisava saber o que eu era e n o sabia para quem perguntar Quando escutei depoimentos em revistas sobre pessoas transexuais da entendi que era o que eu sentia e foi um al vio 223 J quando se refere sua transexualidade fala na primeira pessoa do plural n s transex Ainda n o pode falar em seu nome pr prio n o se apropriou desse adjetivo Sua identifica o se d com um grupo mesmo que fict cio de pessoas que sentem as mesmas dificuldades que ela e mostra se indispens vel diante da subjetividade sem refer ncias simb licas apenas regrada por um imagin rio do corpo no que aparece de recusa do real do SEXO A interrup o do tratamento J vive em uma cidade muito pequena onde a oferta de trabalho rara Assim trabalha de costureira para ajudar os pais Resolve mudar para outra cidade que tem uma equipe que realiza esta cirurgia como havia me dito no in cio das entrevistas Intenciona come ar uma nova vida sem precisar dar satisfa es sobre seu
489. ser obtida fazendo com que Jac se martirizasse para atend la seja para tamponar o vazio seja para proteg la do pai ou para cuid lo o filho ca ula que sobrou para cuidar do pai na aus ncia dos irm os Nesse tempo tr s disfun es se inscreveram no corpo como excesso o desmaio crise de aus ncia o travestimento e em seguida o sobrepeso que propiciou o apagamento dos contornos corporais deixando de ser desej vel para o outro A intensidade afetiva desses conflitos se evidenciou no suor excessivo e quando na sess o seguinte s lembran as da sua rela o com o pai apresentou um sintoma singular apareceu de culos escuros pois estava com uma conjuntivite h uma semana que fazia com que ardesse os olhos na presen a da luz e n o havia rem dio que melhorasse isso A vermelhid o e a ard ncia nos olhos intensificaram se a levando a procurar dois oftalmologistas N o compareceu nas duas sess es seguintes pois estava dif cil at para dirigir dificultando para sair de casa o que a afastou das pessoas Isso nos leva a pensar sobre os sintomas instalados no corpo de Jac Inicialmente suas frases eram isoladas tudo est bem todos gostam de mim todos me aceitam em 245 seguida dio do corpo masculino dio do pai dio da m e indiferen a aus ncia de afeto aus ncia da irm aus ncia do pai aus
490. seu lado destrutivo prevale a demonstra inten o de buscar a psiquiatria que eu j havia encaminhado pois reconhece que seus momentos de desequil brio o incomodam embora n o confie nessa ajuda Deixo ent o meu telefone para que me ligue caso precise Eu estava assustada tanto quanto ele desse medo que ele dizia de n o conseguir se segurar Demonstra seu medo de que o masculino tome conta dele Remete suas lembran as s experi ncias enquanto menino que para n o aparecer a J ssica se relacionava com os amigos barra pesada Em contraposi o relata lembran as infantis da poca em que seu pai bebia que era barra pesada tais como quando o pai quebrou os dentes da m e com um murro ou quando o trancou em um por o escuro porque tirou nota baixa insuficiente O masculino est fortemente identificado com viv ncias de destrui o e agressividade do pai que ele sup e tamb m fazer parte dele mas paradoxalmente demonstra as insufici ncias vistas pelas figuras parentais principalmente a m e que n o se defende do marido Aos poucos J ferson sente que pode dizer de seus sentimentos agressivos destrutivos em rela o ao pai sem as fantasias onipotentes de aniquilamento pela dificuldade em conter seus impulsos agressivos Tenho um corpo forte musculoso se eu bater no meu pai posso mat lo destru lo Isso me atordoava quando pensava nisso Meu pai hoje diferente n o bebe mais est religioso
491. sexual n o psic tica ou pelo menos n o t o evidente que Schreber sentia seu corpo ser transformado em um corpo de mulher Isso n o se apresenta no discurso das transexuais femininas que reivindicam uma altera o corporal para livrar se do p nis ao sentirem se subjetivamente em uma posi o feminina Freud 1980 t 1924 estabelece uma clara distin o entre neurose e psicose o que as diferencia n o a perda da realidade mas a solu o que o sujeito vai inventar para remedi la Na neurose vivida com conflito e de forma insatisfat ria no entanto h uma busca em restabelecer a realidade perdida Na psicose ela vivida de maneira delirante e narc sica e visa em compensa o construir uma neo realidade Em minha experi ncia cl nica poss vel encontrar as duas possibilidades o que me leva a n o utilizar o caso Schreber como o exemplo do que se apresenta na cl nica contempor nea 5 5 A TRANSEXUALIDADE STOLLERIANA A inten o de apresentar a teoria de Stoller embora eu n o compartilhe de suas id ias se deve ao fato de que ele ainda se mant m como refer ncia nos estudos posteriores de psicanalistas bem como na defini o psiqui trica Dedicou se ao estudo da transexualidade e a definiu como uma disforia sexual a partir de sua cl nica principalmente com crian as que apresentavam o sentimento de pertencer ao sexo oposto sua anatomia normal Apontou a exist ncia de uma sex
492. sexualidade n o h como n o pensar sobre as vicissitudes da rela o do sujeito com o pr prio corpo aquele no qual se reivindica uma retifica o sexual e de certo modo estampa a marca de algo da ordem do que deve ser elaborado psiquicamente Como se o corpo e a alma que o habita estivessem cindidos um n o fosse a sombra do outro e n o falassem a mesma l ngua Diante de um corpo sem sentido a pessoa segue em busca do corpo sentido daquele que sup e ir refletir a sua posi o subjetiva sexuada O corpo sendo visto como um suporte para a identidade sexual o que est em cena no encontro com essas pessoas ditas transexuais na busca de uma fachada que garanta um reconhecimento jur dico e social Mas que corpo esse que a pessoa busca ao demandar altera es corporais cujo pedido se encontra engendrado em nossa cultura refletindo se em uma a o coletiva identificada com ele O que um corpo Para que possamos responder esta quest o necess rio situarmos os discursos que dele se ocupam Existe diferentes saberes no contexto da ci ncia contempor nea que ir o configurar campos distintos no acolhimento desta demanda de altera o corporal Longe de ser uma quest o puramente social e m dica e que alguns psicanalistas t m se posicionado ao longo dos anos o jur dico tamb m convocado a refletir ante a demanda de reconhecimento legal de um novo sexo Ter amos ent o o corpo m dico o corpo jur
493. site http cinemacomrapadura com br filmes Acessado em 17 07 2006 294 A TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Meu nome Val ria e sou psic loga do projeto interdisciplinar de atendimento s pessoas que sentem pertencer a um g nero em oposi o ao sexo biol gico e que procuram esse ambulat rio para avalia o e poss vel cirurgia de transgenitaliza o Como parte desse trabalho e tamb m dos meus estudos atualmente estou fazendo uma pesquisa para saber o que e como se sentem as pessoas que acreditam pertencer a um sexo diferente do que possui anatomicamente e assim poder ajud las a enfrentar melhor essa experi ncia bem como contribuir com a equipe na compreens o dos casos Essa pesquisa n o modifica o atendimento que mencionei antes mantendo se a liberdade de escolha de a qualquer momento manter se como parte da pesquisa ou n o sem que isso possa impedir sua continuidade no processo se ele ainda estiver em andamento As informa es obtidas ser o utilizadas para escrever o trabalho final do meu curso de mestrado para publica o de artigos ou de livros ou ainda para palestras mantendo o sigilo sobre sua identidade bem como dados que possam identific los Esta confidencialidade e discri o ser o feitas por meio da altera o do a nome da participante ser o dados nomes fict cios para que os mesmos n o sejam identificados b idade da participante c local de moradia d profiss o Voc
494. situa es as lembran as de fantasias sexuais infantis em rela o ao tio O que ser feminina Suas atitudes infantis e a postura de ingenuidade nas rela es com os homens mostram o lugar que quer ocupar uma menininha ing nua e mimada Sonha com um pr ncipe encantado e diz que se pudesse seria dona de casa Gostaria de se casar de v u e grinalda com um homem rico e mais velho que cuidasse dela como uma princesa Com este discurso reifica os esteri tipos de g nero afirmando buscar ser mais do que qualquer mulher a princesa dos contos de fadas que aguarda o pr ncipe encantado bela e formosa feminina a mais pura vis o do ser feminino inclusive n o mais pertencente s caracter sticas das mulheres na atualidade que j ganharam o universo do que era pertencente ao masculino tanto no papel social quanto na rela o homem mulher Meu colega disse que percebeu que eu n o era mulher porque eu sou feminina demais eu exagero geralmente as mulheres n o s o assim O que pensa sobre isso verdade mas n o sei por que elas n o s o mais femininas Afinal os homens preferem as mulheres d ceis fr geis mais femininas Que homens Sei l Todos Maria era mais feminina que as outras crian as e com o tio recebia uma aten o privilegiada como a que sua irm recebia com seu pai Minha irm sempre foi a preferida de meu pai a nica que se d bem com ele As na
495. sma dissimetria de Freud ao propor que o falo a nica refer ncia para os dois sexos no inconsciente Embora se ap ie na realidade do rg o masculino que o p nis relaciona com o homem tanto quanto com a mulher fazendo valer sua inscri o na ordem sexual Segundo Frignet 2002 do ponto de vista psicanal tico o dissenso no conceito de sexo ou de g nero estaria em confundir o falo enquanto rg o o p nis portado pelo macho com o falo enquanto significante necess rio tanto mulher quanto ao homem Essa posi o consagra o abandono de uma concep o de identidade sexual constru da sobre a articula o entre real e simb lico substituindo a por um agrupamento de um tra o imagin rio partilhado por identifica es que nesse caso o sexo reduzido ao n vel de uma simples caracter stica A categoria da diferen a na psican lise tem suas ra zes na experi ncia da linguagem e o significante A estrutura bin ria de Saussure 1972 se baseia em oposi es fonem ticas que s o tra os distintivos que nunca est o separados funcionando sempre por pares de opostos Lacan a partir desse pensamento define o sujeito do inconsciente baseado na estrutura bin ria do significante em que um significante representa o sujeito para outro significante e assim o inconsciente estaria estruturado como uma linguagem por oposi o que essas pacientes se identificam ao n o ser reconhecida como homem resta lhe ser mulher
496. smo que demandar no sentido de desejar saber algo N o nos esquecendo entretanto que aquilo que se pede n o necessariamente o que podemos oferecer 2 2 1 1 A Demanda e seus Efeitos Quando algu m decide buscar ajuda pelo menos duas quest es est o em curso A primeira em que a pessoa interpreta aquilo que a faz sofrer como sintom tico isto algo a ser curado e a segunda ao concluir que sozinha n o pode resolver o problema Ao dirigir se ao hospital a pessoa leva consigo al m do sofrimento por seus sintomas as representa es culturais sobre o que a faz sofrer e as fantasias acerca da cura para isso instalando se um mecanismo de depend ncia e de idealiza o endere ada figura do m dico que representa a 2 O Eu seria como uma inst ncia composta de m ltiplas imagens produzidas por identifica es imagin rias 32 institui o representante do discurso da Ci ncia Segundo Clavreul 1983 h em um primeiro momento uma submiss o do paciente interpreta o que o m dico faz de seu sofrimento A demanda manifesta fabricada a partir de uma oferta apresentada e no caso em particular voltado para a medicina j que se trata de uma queixa corporal da qual a interven o cir rgica supostamente lhe retiraria do sofrimento causado por uma anatomia que contradiz o seu sentimento de identidade sexual Como disse anteriormente essas pessoas n o chegam ao hospital com uma de
497. so referindo se poss vel rejei o de sua homossexualidade Meu caso transexualidade e pronto O que quer um homem Esta a quest o que sempre a perseguiu Ser que esse homem que me procura quer meu lado feminino ou meu lado masculino Se algum homem se aproximasse dela e expressasse qualquer inten o em acariciar seu p nis rejeitava o A d vida era sua parceira nas rela es com outros homens j que em seu imagin rio n o seria poss vel que um homem preferisse ela a uma mulher biol gica Pensava que n o poderia engan los mas tamb m n o queria ser enganada ao procurarem nela o que rejeitava sua masculinidade Isso trazia certa confus o afinal era provedora de um p nis mas insistia que o outro se posicionasse como heterossexual desejando o seu lado feminino cujo representante ela supunha ser o rg o que ela n o tinha a vagina Durante algum tempo viveu um romance plat nico com um homem casado Digo plat nico pois se falavam apenas por telefone onde contavam um ao outro as suas fantasias er ticas sendo a sua vagina imagin ria o rg o do gozo dele Isso a deixava realizada pois enfim um homem buscava nela o seu eu feminino afirmando o sentido de sua pr pria busca Contudo Alice ficava presa vagina que almejava enquanto representante do seu eu feminino aquela que n o possu a Ao descobrir que conhecia a esposa dele passa a favorecer situa es nas q
498. sobre transexualidade Chegou a pensar que estava enlouquecendo Quando Todos os nomes aqui citados s o fict cios 171 morava com os pais sua m e levou o ao psiquiatra que o medicou Percebendo que seu desejo permanecia inalterado os pais abandonaram o tratamento No in cio das aulas apareceu vestido com saia curta maquiado e solicitando ser chamado de Maria Os professores resistentes diziam que aceitar o fato significaria serem c mplices de um ato insano ao compartilharem de uma mentira Maria reagia com certa agressividade e ironia n o respondendo quando chamada pelo nome masculino motivo pelo qual encaminhada a mim Maria era vista como um aluno do qual os professores n o poderiam ceder ante as exig ncias de um social e jur dico que assim o reconhecem Por m no momento em que a v em como um ser fr gil que precisa ser cuidada reconhecem sua posi o feminina a aluna refletindo o quanto embora n o aceitassem a transexualidade n o se desligavam do que a a o de Maria representava Os professores pediam ajuda para ela e n o para ele Afinal era ela quem pedia socorro a princesa amorda ada em um corpo masculino que n o aceitava Quanto aos alunos ela era aceita principalmente pelas meninas mas rejeitada pelos meninos que demonstravam indigna o por meio de atitudes ora agressivas ora de deboche o que intensificou sua rea o defensiva sendo c nica e sarc stica com profe
499. squisa Nome da Participante em letras mai sculas e de forma Assinatura da Participante Nome de uma testemunha em letras mai sculas e de forma Assinatura da testemunha 296 A RESOLU O CFM n 1 652 2002 Disp e sobre a cirurgia de transgenitalismo e revoga a Resolu o CFM n 1 482 97 O Conselho Federal de Medicina no uso das atribui es conferidas pela Lei n 3 268 de 30 de setembro de 1957 regulamentada pelo Decreto n 44 045 de 19 de julho de 1958 e CONSIDERANDO a compet ncia normativa conferida pelo artigo 2 da Resolu o CFM n 1 246 88 combinado ao artigo 2 da Lei n 3 268 57 que tratam respectivamente da expedi o de resolu es que complementem o C digo de tica M dica e do zelo pertinente fiscaliza o e disciplina do ato m dico CONSIDERANDO ser o paciente transexual portador de desvio psicol gico permanente de identidade sexual com rejei o do fen tipo e tend ncia automutila o e ou auto exterm nio CONSIDERANDO que a cirurgia de transforma o pl stico reconstrutiva da genit lia externa interna e caracteres sexuais secund rios n o constitui crime de mutila o previsto no artigo 129 do C digo Penal visto que tem o prop sito terap utico espec fico de adequar a genit lia ao sexo ps quico CONSIDERANDO a viabilidade t cnica para as cirurgias de neocolpovulvoplastia e ou neofaloplastia CONSIDERANDO o que disp e o artigo 199 da Constitui
500. ssa ilus o de que ser homem no biol gico bastaria n o se confirma Portanto uma pessoa estaria distorcendo a realidade quando se diz sentir se do sexo biol gico oposto mesmo diante das evid ncias de sua anatomia real A identidade seria uma ilus o j que somos adequados ou inadequados aos nossos corpos por for as t o externas a n s e t o al m de nossa capacidade como apontam as transexuais A sa da mesmo a altera o corporal Estar amos diante de uma nova forma de subjetiva o Temos mesmo que nos posicionar e definir uma forma universal da transexualidade Estes s o alguns interrogantes que buscarei respond los nas proposi es de alguns psicanalistas que se manifestaram sobre esse tema desde sua inven o na segunda metade do s culo XX Abordar a transexualidade segundo Frignet 2002 p 134 coloca de imediato ao psicanalista a seguinte interroga o pertinente dar meu ponto de vista j que esse fen meno se situa para al m da cl nica individual e aparece como fundamentalmente social A essa quest o ele mesmo responde que se h um campo no qual a psican lise est fundada para dizer o que descobriu o sexual Freud 1980r 1929 30 p 169 em Mal estar na Civiliza o talvez pensasse sobre o fen meno da transexualidade na poca ainda n o conceitualizada enquanto tal o qual n o se arvorou estudar teoricamente quando disse Podemos esperar que um dia algu m se aven
501. ssas pessoas v em grande vantagem no fato de n o ter de se submeter s exig ncias legais do Conselho Federal de Medicina CFM 2 Assim como aconteceu com a hist ria da homossexualidade a transexualidade tem deixado progressivamente o lugar dos registros patol gicos e o seu tratamento livra se em alguns pa ses como a Tail ndia das press es terap uticas tornando se apenas uma variedade da cirurgia est tica e dos suprimentos hormonais O CFM por m tem questionado a conduta de alguns servi os no Brasil que n o cumprem o tempo estipulado para o decorrer do processo dois anos A mudan a de sexo integrada ao direito do ser humano est liberada para quem assim desejar de acordo com sua demanda Frignet 2002 questiona o manual de psiquiatria americano o DSM IV que imp s a abordagem exclusivamente comportamental psiquiatria internacional mantendo como crit rios do chamado dist rbio de identidade de g nero a insatisfa o do sujeito quanto ao seu pr prio sexo e o desejo manifestado durante um tempo de alter lo Por que permanecer na categoria de um dist rbio mental uma demanda que encarada como uma modifica o est tica se n o for por raz es econ micas ligadas s exig ncias das companhias de seguros americanas FRIGNET 2002 p 30 A transforma o corporal ao contr rio da urg ncia expl cita na demanda um processo lento sendo a cirurgia apenas um dos passos do tratament
502. ssim aceder ao desejo precisamente para ser capaz de buscar ou de reencontrar tal objeto que ele reclama o sacrif cio de seu p nis SAFOUAN 1979 p 90 102Segundo Lacan a fun o paterna est relacionada ao Complexo de dipo e mais especificamente fun o simb lica do pai como aquele que tem o poder de interditar a rela o incestuosa m e filho 95 Eleitas como suporte da identifica o f lica as transexuais sustentam se emolduradas pelo fasc nio da posi o feminina e pelo horror da vis o do p nis cujo atributo nico servir de anteparo ao dio e ao desprezo pelo homem Dor 1991 p 153 a respeito da estrutura cl nica situa a problem tica transexual em um entremeio que assinala as pervers es e as psicoses Para ele somos confrontados com o terreno limite da transexualidade que parece se manifestar como uma disposi o patol gica entre dois a meio caminho entre as psicoses e as pervers es Em fun o de uma incid ncia de ambigiiidade fantasm tica que o sujeito nutre em torno de uma confus o entre rg o e falo vai engendrar uma identidade sexual totalmente quim rica Refere se ilus o convic o delirante que produz no imagin rio infantil a demanda da troca de seu corpo por um outro corpo Analisa como um fracasso dos processos de personaliza o e de realiza o na constitui o do psiquismo infantil Essa virtualidade transexual segundo este au
503. sso sempre inacabado em constru o sob influ ncias 126 do outro relacionando se sociedade e cultura em que o indiv duo est inserido impostas pelo processo de globaliza o e cultura p s moderna E um processo constante de reconhecer se e de ser reconhecido Nesse sentido para Hall 1999 p 13 o sujeito se comp e n o mais de uma identidade nica fixa essencial ou permanente mas de v rias identidades algumas vezes contradit rias ou n o resolvidas que levaria a uma caracteriza o da identidade como uma celebra o m vel formada e transformada continuamente em rela o s formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam definida historicamente e n o biologicamente A aus ncia de s lidas localiza es nas quais os indiv duos se encaixariam socialmente segundo esse autor povoam no indiv duo uma crise de identidade Essa crise de identidade se refere perda de um sentido de si est vel que ele chama de deslocamento do sujeito tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos Desse ponto de vista a cirurgia seria uma sa da poss vel para as transexuais diante da dif cil tarefa de sexua o e da aus ncia de lugar em uma sociedade onde s cabe ser homem ou mulher Estamos assim diante de uma busca intermin vel de afirma o sobre quem somos lutamos todos para sermos aceitos para sermos n s mesmos
504. ssoa aquilo que a faz reconhecer se como um ser sexuado dotado de desejo que inclui o sexo biol gico e a cultura 124 Se a identidade n o uma constru o psicanal tica Berry 1991 diz que o sentimento de identidade Segundo ela Freud estava mais preocupado em pensar sobre o ideal do eu que sobre a tomada de consci ncia sobre si mesmo de uma identidade O sentimento de identidade a tomada de consci ncia de que somos constitu dos de algo conhecido e desconhecido familiar e estranho cuja fachada revela algo de um segredo guardado ao mesmo tempo em que revela a arruma o interior Estranho e familiar o sentimento de identidade conjuga a certeza confiante do eu me sinto bem comigo mesmo a seguran a do eu me conhe o o espanto do eu estava fora de mim e o surpreendente eu n o me conhe o abalando uma convic o pouco segura BERRY 1991 p 15 Para essa autora esse conceito faz parte de uma ilus o fundamental para o sujeito que est sempre em busca de algo que lhe assegure a sensa o de pertencimento de uma exist ncia pr pria constitu da por uma totalidade integrada Esta a ilus o j que somos todos fragmentados compostos por partes que resistem a uma composi o harm nica O corpo garante a identidade mas a imagem que o espelho nos devolve pode ser um id ntico insuport vel como ocorre com as transexuais e o corpo n o encontra pista de si mesmas preciso busca
505. ssores e colegas prejudicando seus relacionamentos Conseqgiientemente seu rendimento escolar foi afetado as notas das disciplinas pr ticas diminu ram embora nas disciplinas te ricas se mantivessem Maria sabia na teoria mas na pr tica n o assim como na teoria sabia o que era ser homem ou ser mulher mas na pr tica ainda n o Questionavam como lidariam com a situa o da aluna atendendo pacientes nos est gios sendo que as atitudes de Maria eram mais cobradas do que dos outros alunos Implicavam inclusive com a forma como executava determinadas t cnicas que n o era t o adequada apontando as diferen as de g nero embora n o houvesse essa preocupa o com os outros alunos Essa situa o levou Maria a reprovar um ano fazendo a pensar em abandonar o curso trocando o por um outro em que supostamente n o sofreria discrimina o como estilismo e moda sugest o dada por alguns professores Houve os que verbalizassem que ela n o poderia receber um diploma pois como transexual n o teria condi es de exercer sua profiss o sendo aconselhada a mudar de curso quem sabe algo como artes pl sticas ou moda em que a homossexualidade fosse mais aceita Por que teria que mudar de rea profissional Como um corpo outorga um lugar a algu m para exercer uma profiss o Poderia trabalhar com moda com artes pl sticas at 172 cuidar dos cabelos mas tocar no corpo n o Teria que existir uma ala de paciente
506. strada De repente em fra es de segundos o tal rosto desaparecia e a porta do majestoso casar o ingl s abriu se com um forte vento que soprava Uma mulher de capa preta escondia o rosto com a escurid o do gorro descia para a varanda da casa e caminhava em dire o ao vestido Gotas grossas e fortes come avam a cair do c u acompanhadas de rel mpagos r pidos e trovoadas barulhentas A mulher n o se intimidava e continuava o seu caminho e seu objetivo O vento soprava fort ssimo levantando a poeira folhas e um cheiro forte de chuva Chegando at o vestido a mulher apanhava o com certa agressividade do ch o e levava consigo de volta para o casar o Agora chovia fortemente n o se enxergava mais nada Nem o casar o ingl s e nem a mulher que levara o vestido Uma flor amarelo ouro que tentava quebrar o tom de horror que passara ali A mulher continuava seu caminho seu objetivo e agora n o se enxergava mais nada 188 Parecia me que havia algo que Maria precisava me dizer mas n o sabia como algo que talvez dissesse de seu sintoma mas que por a es do recalque talvez estivessem nubladas dif ceis de enxergar Os Relacionamentos No in cio Maria me contava de seus relacionamentos omitindo fatos Informava que tinha namorados de muito tempo e que inclusive eles pensavam em se casar com ela Ap s um tempo assumiu que eram encontros passageiros e que n o sabia direito o
507. stro do Real Sujeito falante e objeto perdido v o construir a fantasia a partir desta constitui o fantasm tica inerente ao ser falante que se produzem sympt mes sinthomas e fantasias que tamb m podem ser cient ficas e religiosas na nsia de preencher a falta COSTA e JARDIM 2004 Isso nos leva a pensar que o sujeito sabe que h algo da ordem do desejo que ele n o quer saber Quando essas pacientes nos dizem que diante do espelho ao se deparar com sua imagem essa as informa sobre o real de seu corpo h um momento em que tal imagem escapa na dimens o do pr prio olhar que esta fuga se d pois quando aparece no espelho a dimens o do olhar Lacan 2005 1962 63 p 100 nos diz que o valor da imagem come a a se modificar sobretudo quando h um momento em que o olhar que aparece no espelho come a a n o mais olhar para n s mesmos aurora de um sentimento de estranheza que a porta para a ang stia Na cl nica h ent o sempre um resto uma brecha entre a enuncia o e o enunciado que nos remete insatisfa o e ao mal estar da cultura que se escuta na queixa acerca de sua desconformidade com respeito ao seu pr prio corpo como n o adequado O desejo organizado nos sujeitos de forma que o oferecimento do objeto justamente para completar o Outro Na fantasia reencontramos algo separado aquilo que fica na condi o de resto e que aparece no discurso ou no afeto tenho n usea vergonha desse
508. sujeito podendo se caracterizar como um momento de crise sobre essas experi ncias afetivas em suas singularidades muitas vezes de desamparo que o discurso se remete embora n o seja uma regra A experi ncia em ambulat rio onde se insere minha escuta s pacientes que se apresentam como transexuais estando mais pr xima dos moldes de um consult rio onde o espa o de escuta se d de forma mais privativa Por tratar se de uma institui o p blica e universit ria onde o que prevalece o discurso m dico dilu do em v rias figuras que o representa docentes residentes e internos considerarei algumas especificidades as quais precisamos estar atentos nos manejos transferenciais 2 1 1 A Articula o com Outros Discursos Um psicanalista trabalhando em um contexto hospitalar e portanto integrado a essa EP sia E k Ra E 3 institui o vai se confrontar com os efeitos do discurso que nela predomina e precisa estar Conforme Bleger 1989 p 49 qualquer organiza o tem tend ncia a manter a mesma estrutura do problema que tenta enfrentar e em fun o do qual foi criada Assim o hospital criado para promover a sa de e o bem estar enquanto organiza o acaba tendo as mesmas caracter sticas que os pr prios doentes isolamento priva o sensorial assujeitamento d ficit de comunica es a institui o sofre daquilo que pretende tratar tendo como premissa o desejo onipotente do ideal de
509. t masculine 1911 Psychanalise 2 Paris Payot 1978 p 117 129 73 Termo que Freire Costa 1994a retomou ao tentar abolir o termo homossexualismo que ele considera carregado de estigmatiza o Segundo ele homoerotismo um termo que indica que existe no repert rio da 13 correspondia ao homem biol gico que se sentia mulher ou se comportava como tal representando um estado intermedi rio vinculado a uma anomalia do desenvolvimento Em oposi o haveria o homoerotismo de objeto ou objetivo que deixava intacto o sentimento de pertencer ao sexo masculino ou feminino e revelava a compuls o obsessiva sexual sendo este o nico que poderia sofrer transforma es pelo tratamento psicanal tico Ele distinguiu tr s tipos de invertidos os absolutos que tem rela es somente com o mesmo sexo os hermafroditas ps quicos que podem ter rela es indistintamente com os dois sexos e os ocasionais que estabelecem rela es com pessoas de seu sexo por raz es circunstanciais na aus ncia dos objetos heterossexuais Assim o objeto sexual seria uma esp cie de reflexo da pr pria natureza bissexual do indiv duo FREUD 1980p 1905 Quanto s causas da invers o reconhece a aus ncia de explica o Acrescentou que os invertidos na inf ncia atravessaram uma fase de fixa o intensa por uma mulher geralmente a m e que depois de ultrapassada identificaram se com o feminino passando a considerar
510. tabu Intersexos existem em corpos tanto quanto em mentes De acordo com o dicion rio sexo sin nimo de g nero Mas na atualidade isto n o verdade G nero est localizado acima e sexo abaixo da cintura 3a Podemos pensar que n o havia transexualidade at que Benjamin a inventasse pelo menos n o como ela se caracteriza a partir de ent o Antes havia del rios de metamorfose sexual tais como em Schreber 1995 1903 ou ent o sentimentos parecidos com os de Christine para os quais foram dados destinos diferenciados de acordo com o contexto de onde eles surgiram 8 Fragmento retirado da introdu o desse livro Tradu o nossa do original em ingl s 19 Frignet 2002 coloca que o surgimento da transexualidade encontra sua origem nas possibilidades abertas a partir do s c XX pelos progressos endocrinol gicos no mbito sexual e pelas t cnicas de tratamento hormonais E acrescenta Estes progressos permitem de agora em diante modificar a apar ncia de uma pessoa fazer crescer seios num homem reduzindo ao mesmo tempo a import ncia de seus caracteres viris externos musculatura voz pilosidade etc bem como dar ao corpo de uma mulher uma silhueta pr xima da de um homem Estas novas possibilidades foram acompanhadas do avan o das t cnicas no mbito da cirurgia sexual a abla o do p nis e dos test culos substitu dos por uma vagina est tica e funcionalmente quase perfeitos e hoje a
511. taram em minha cl nica pessoas que se definissem como transexuais e que n o buscassem a cirurgia afinal o motivo que as levaram at mim Talvez quando nosso trabalho n o se caracterizar enquanto uma equipe que oferece somente modifica es 263 como nome los ou porque receiam que isso interferir naquilo que sup em ser sua nica solu o uma dificuldade de simbolizar o que se apresenta como desejo em experimentar o outro sexo mas sem o rg o genital que atua como um obst culo produzido pela cultura Para terem mais seguran a no processo de inser o no mundo do outro sexo buscam atrav s da altera o corporal reproduzir os esteri tipos do ser mulher como evidenciado no discurso de Maria Maria J ferson J Jac Alice Iemanj e Mara seguem o acompanhamento psicol gico para constru rem um saber sobre suas experi ncias transexuais que a ultrapassam Consideram se pessoas diferentes incompreendidas nesse mundo generificado e acreditam que suas viv ncias relacionadas ao dom nio de uma for a externa ao pr prio querer sobre o seu corpo pertencem a uma outra realidade que a maioria das pessoas n o consegue entender nem elas mesmas entendem baseada nessa l gica que elas questionam a minha inten o de ajud las em rela o ao que buscam A demanda de que eu acredite nelas que n o entenda que seja inven o de suas mentes O contato com a possibilidade de serem transexuais ini
512. te a rec m nascidos e a rec m casados As hijras oferecem a concess o de b n os atrav s de cantos e dan as em troca de dinheiro Quando este lhes negado rogam pragas pois esta uma de suas principais fontes de renda embora atualmente algumas se prostituam e outras exercem cargos pol ticos http www wikip dia la enciclopedialibre org 4 Esse termo deriva se do franc s bardash varia o do persa barah que significa escravo mich ou prostituto SAADEH 2004 SA sem e mazo mamas 46 5 PEPS et Prov m de tribadismo ou seja homossexual feminino 53 Na poca do descobrimento do Brasil era observado entre os ndios o livre tr nsito entre o masculino e o feminino fato visto como um horror pelos cat licos europeus Existiam as cudinas homens biol gicos castrados que se vestiam como mulheres e se entregavam exclusivamente a ocupa es femininas at mesmo exercendo o papel de prostitutas TREVISAN 2002 H muitos outros exemplos nas diferentes culturas j estudadas que nos levam a repensar a transexualidade luz dos conceitos atuais Vargas Llosa 2002 relata a presen a dos mahus no Taiti e reproduzirei aqui trechos dessa narrativa pois revelam de maneira muito clara alguns aspectos abordados ao longo deste trabalho Quando Gauguin chegou ao Taiti pela primeira vez em junho de 1891 usava uma cabeleira que lhe cobria os ombros um penteado vistoso de p lo vermelho e em geral
513. te que noite quando a maioria dormia pois imaginava que o concreto n o tinha olhos nem boca nem ouvidos e portanto sentia que estava livre para transitar pelas ruas sem ter que se deparar com sua imagem sendo recusada pelo outro A imagem vis vel da mulher que sente que e que busca algu m que assim a reconhe a e a ame Eis que presencia a viol ncia contra um amigo homossexual um ser fr gil com quem dividia suas ang stias e em um ato de barb rie foi assassinado por um desconhecido Todos desconhecidos ela o assassino e o morto e essa hist ria terminou ali mesmo J ana volta para o casulo de seu quarto entende que ainda n o est preparada para transitar por outros lugares Estrangeira na cidade des conhecida e na pr pria casa evitando fazer coincidir o hor rio de almo o em fam lia para n o ter questionado os p los depilados do corpo ou a sobrancelha bem feita marcados por certo pudor e horror de ser des mascarada 169 Como se a liberdade tivesse limites e se restringisse ao seu quarto nico lugar poss vel de existir Como viver na invisibilidade por tanto tempo At quando A cirurgia parece ser vista como o passaporte que a autoriza ser mulher para a sociedade j que diz n o ter d vida do g nero a que pertence Os horm nios a tornar o a mulher idealizada dentro do que convencionalmente se espera do corpo biol gico que traduza o g nero feminino fazendo coincidir a fic o e a r
514. tecer Em sua fantasia o coito anal assemelhava se rela o sexual homem mulher ao associ la atividade passividade em que ao ser penetrada mantinha se na posi o passiva e portanto feminina N o suportava pensar em penetrar ou ser penetrada e quanto mais os desejos sexuais se faziam sentir mais queria se livrar do p nis Freud 1908 coloca que uma das teorias sexuais infantis concebe o coito como um ato de viol ncia de um sobre o outro ganhando sentidos de atividade passividade e em 1924 no artigo sobre O problema econ mico do masoquismo vai se referir necessidade de alguns sujeitos de puni o 194 associada s fantasias de agress o muito pr xima do desejo de ter uma rela o sexual passiva feminina onde a primeira situa o seria uma deforma o regressiva dessa ltima Maria mantinha com o namorado a posi o feminina idealizada adorava cozinhar pra ele submetendo se s imposi es de permanecer em casa e n o usar roupas insinuantes reproduzindo assim o que seria o prot tipo de uma rela o mulher submissa homem mach o De todos os envolvimentos esse foi o mais duradouro mas receava que ele a deixaria a qualquer momento caso a cirurgia demorasse a acontecer Desconfiava que ele fosse bandido mas nada perguntava Preferia n o saber pois quanto mais perguntasse sobre ele mais lhe daria o direito de perguntar sobre ela N o contou sequer onde trabalhava para n o correr ris
515. tiga o e Psican lise Campinas Ed Papirus 1993 p 120 SAUSSURE F Curso de lingii stica geral 1913 S o Paulo Cultrix 1972 SCHREBER D P Mem rias de um doente dos nervos 1903 Rio de Janeiro Paz e Terra 1995 SCOTT J G nero uma categoria til de an lise hist rica Revista Educa o e Realidade Porto Alegre v 20 2 1995 p 71 99 O enigma da igualdade Revista Estudos Feministas jan abril ano vol 13 n 001 Universidade federal do rio de Janeiro Riode Janeiro 2005 p 11 30 SILVA M L Org Investiga o e Psican lise Campinas SP Editora Papirus 1993 SPENCER C Homossexualidade Uma Hist ria Trad Rubem Machado Rio de Janeiro Ed Record 1995 STOLLER R Sex and Gender New York Science House 1968 A Experi ncia Transexual 1975 Rio de Janeiro Imago 1982 TEIXEIRA FILHO F As Transmuta es do Corpo e a Inven o da Extrofia Vesical Tese de Doutorado em Psicologia Cl nica Pontif cia Universidade Cat lica de S o Paulo 2000 vol I 292 TREVISAN J S Devassos no Para so A Homossexualidade no Brasil Rio de Janeiro Record 2002 VERDE J B GRAZIOTTIN A Transexualismo o enigma da identidade S o Paulo Paulus 1997 VIEIRA T R Mudan a de Sexo Aspectos M dicos Psicol gicos e Jur dicos S o Paulo Livraria Santos 1996 WEEKS J O Corpo e a Sexualidade In LOURO G org O corpo educado pedagogias da sexualidade Belo Horizonte Aut
516. tilidade e a promiscuidade e fantasiavam que ela tivesse Aids Isso a fez desistir de buscar emprego obtendo renda em atividades aut nomas J cansei de explicar J sofri muito mas hoje em dia fico quieta e n o me defendo Falo tudo bem e vou embora N o se sentia realizada profissionalmente e alimentava a esperan a de que ap s a mudan a de nome conseguiria emprego Foi classificada em um concurso p blico mas n o foi convocada o que a leva a desconfiar que seja por causa da transexualidade as pessoas raramente s o honestas e ela n o insiste pois n o quer expor sua transexualidade por receio de ser recha ada Os encontros comigo Sentia dificuldade em sair de casa e vir s sess es pois todo mundo olhava pra ela Sentia se mal e se isolava em casa Raramente sa a s ruas para n o se sentir humilhada Extremamente fechada dizia que n o tinha nada para falar me 249 Cometia lapsos ao referir a si mesma no g nero masculino e quando eu apontava negava dizendo que eu havia me enganado Aos poucos assume a dificuldade em mostrar se s pessoas que n o s o da fam lia Com medo de ser discriminada vinha para as sess es com cal as jeans sem brincos maquiagens ou qualquer objeto que salientasse sua feminilidade medida que falava sobre sua dificuldade modificava suas rela es mostrando se mais feminina e mais vontade na sala de espera e no trajeto do nibus at o hospital Hoje consegue expres
517. to algum A Medicina apreende o corpo org nico aquele cuja anatomia igual e todos os rg os funcionam iguais ou pelo menos deveriam sendo da ordem do universal Nesse discurso o sujeito pode estar exclu do um corpo que deve ser auscultado diagnosticado e tratado Desse ponto de vista masculino e feminino definem se com base no rg o genital interno e externo demarcando o que pr prio a cada sexo Para Chiozza 2004 se o corpo pode ser revestido por uma significa o outorgada pelo psiquismo que o habita ou por um observador externo ele deixa de ser para aquele que se manifesta um corpo puramente biol gico H algo mais que se articula nele que faz com que o chamemos de organismo isto o corpo em movimento e que constru do pela Medicina a partir de elementos simb licos A Psican lise ao ser convocada desde o ponto em que a Medicina se depara com seus limites mostra que o ser humano n o se restringe ao corpo biol gico afirmando o inconsciente e a linguagem como constituintes fundamentais Nesse sentido podemos considerar que qualquer abordagem que leve em conta um sujeito como puro organismo desconsiderando o campo do inconsciente e do desejo faz uma leitura parcial do ser humano No discurso transexual aparece o corpo e a mente rigorosamente des articulados em sua forma de subjetiva o que na proposi o m dica e psiqui trica haveria a sa da pela cirurgia como forma de art
518. to nunca conseguir reproduzir exatamente o que ocorreu seja em uma sess o de an lise ou em uma entrevista Segundo Safra 1993 pretender que seja exato acreditar onipotentemente que seja absoluto para a utiliza o do material cl nico para pesquisa precisaremos levar em conta que se trata de um recorte limitado por um determinado ponto de vista E reconhecendo esse limite que mantemos nossa objetividade na investiga o O Paciente aqui n o se refere ao modelo m dico a pathos enquanto doen a mas antropologia psicanal tica em que Bion recupera a raiz da palavra que segundo ele prov m da express o grega pathei e significa experi ncia O ser humano um ser p tico que aprende com seu pathos coisas que n o se aprendem em nenhum outro lugar O pathos a experi ncia vivida e sofrida a experi ncia do limite e da frustra o do ser e do n o ser e a psican lise a oportunidade de se aprender com a experi ncia REZENDE 1993 p 114 43 2 relato constru do a partir de certo recorte de uma maneira de conduzir o processo em psican lise e do tema pelo qual se pretende analisar Em rela o a isso Freud em 19801 1909 p 164 ao descrever os fragmentos de um caso de neurose obsessiva faz algumas considera es sobre as transcri es das sess es desenvolvidas posteriormente em seu artigo sobre Recomenda es T cnicas O que se segue est baseado em anota es feitas na no
519. toler ncia foi refor ada pelas sociedades psicanal ticas americanas APA e IPA que recha aram a inser o de homossexuais na an lise did tica tendo Anna Freud como uma das adeptas que teve como objetivo em sua pr tica transformar os homossexuais em bons pais de fam lias heterossexuais Lacan foi o primeiro psicanalista da segunda metade do s culo XX a romper radicalmente com a persegui o dirigida aos homossexuais na IPA n o s recebendo os em an lise sem pretender trat los como os aceitando como analistas didatas ao fundar em 1964 a cole Freudienne de Paris EFP 74 Com a chegada da Segunda Guerra Mundial os homossexuais foram exterminados al m de serem submetidos a experi ncias de m dicos nazistas O Instituto Hirschfeld de Ci ncias Sexuais foi queimado marcando o fim desse debate Ap s a guerra novamente retornaram as discuss es mas com novas divis es no campo te rico A homossexualidade deixou de ser considerada da mesma maneira e tanto a psican lise quanto a sexologia norte americana exerceram influ ncia Freud insistiu que a homossexualidade n o era doen a nem uma degrada o Por m o fato da pessoa homossexual n o ser assim considerada n o significava para ele que se tratava de algu m totalmente normal Em 1935 em uma carta que respondeu m e de um filho homossexual ele considerou a homossexualidade como uma varia o da fun o sexual produto de uma inter
520. tor o que estaria presente em toda psicose sob a vaga forma daquilo que se costuma chamar de homossexualidade psic tica na forma de um del rio interpretativo Czermak 1991 p 84 85 caracteriza a transexualidade por uma cren a firme em pertencer a outro sexo acarretando a exig ncia de que consequentemente o corpo seja ent o corrigido Pontua as transexuais n o est o mais convencidas de serem mulheres do que outros psic ticos que acreditam nas vozes que ouvem Esta exig ncia que as transexuais imp em e sua resist ncia em rever o pedido de altera o corporal o autor associa alucina o ou del rio presente em psic ticos e seu car ter irredut vel em sua articula o com a linguagem Do mesmo modo que n o basta algu m declarar que ouve vozes para que o consideremos psic tico segundo ele devemos ser bem reservados quanto s afirma es de quem se diz seguro de ser uma mulher Ainda segundo este psicanalista a transexualidade introduz nos uma problem tica de identifica o havendo a uma quest o paradoxal atrav s da utiliza o do termo identidade no qual o fracasso de sua identifica o com o feminino leva esses sujeitos a desejarem mudar de sexo quando solicitadas a ocupar seu lugar de homem Vestir se como mulher e castrar se a maneira de tentar mudar se radicalmente n o para um outro mas para que possa escapar desse elo com este outro Diante do fracasso de u
521. tra aqueles que apresentam comportamentos ou pr ticas homoer ticas Art 3 os psic logos n o exercer o qualquer a o que favore a a patologiza o de comportamentos ou pr ticas homoer ticas nem adotar o a o coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos n o solicitados Par grafo nico Os psic logos n o colaborar o com eventos e servi os que proponham tratamento e cura das homossexualidades Art 4 Os psic logos n o se pronunciar o nem participar o de pronunciamentos p blicos nos meios de comunica o de massa de modo a refor ar os preconceitos sociais existentes em rela o aos homossexuais como portadores de qualquer desordem ps quica Art 5 Esta Resolu o entra em vigor na data de sua publica o Art 6 Revogam se todas as disposi es em contr rio Bras lia 22 de mar o de 1999 ANA MERC S BAHIA BOCK Conselheira Presidente
522. trar que entendia o fato foi acolhida pelo chefe que a apresentou s pessoas como a nova profissional Entre essas pessoas existia 196 Ae Ae 137 uma m dica que lhe emprestou um livro autobiogr fico de uma transexual contando o quanto se identificou com a hist ria Comecei a ler e n o parei Lia e chorava copiosamente Vinham me imagens da vida dela misturadas minha Identificava me com a alma Chorava de solu ar alto assustando me com cada palavra Era como se estivesse revivendo minha pr pria hist ria era muito igual as mesmas viv ncias as mesmas ang stias Maria esteve sempre s voltas com o verdadeiro homem e com a verdadeira mulher Homem homem mulher mulher n o existe meio termo dizia me Sentia necessidade que o outro lhe dissesse o que ela era Estava sempre me perguntando se ela estava mais parecida com uma mulher se estava bem com determinada roupa etc Os homens serviam de espelho para Maria o espelho que diante da diferen a a deixava do lado das mulheres mas do lado das mulheres tamb m n o se encontrava percebia a diferen a Maria remeteu nos s hist rias dos contos de fadas e a necessidade de buscar nesse outro do espelho quem era ela Espelho espelho meu existe algu m mais fe menina do que eu Estava sempre buscando essa resposta nos homens assim como nas mulheres E no olhar do tio sente que s merece aten o se for menina Lugar privilegiado
523. tringe ao seu quarto Seus relacionamentos se restringem em algumas horas em frente ao computador nas salas de bate papo virtuais onde freneticamente busca algu m com quem possa identificar se como uma forma de transformar seu sentimento de n o exist ncia em algo poss vel Mas sem corpo sem olhos no olhar As roupas no guarda roupa n o combinam com quem ela sente que O ch o est todo borrado de esmalte na tentativa de conseguir pintar suas unhas Ainda n o aprendeu como se faz e n o tem coragem de ir at um sal o de manicure As cuecas est o mofando nas gavetas enquanto as lingeries s o lavadas ali mesmo e deixadas para secar na janela enquanto o quarto fica trancado para que ningu m flagre esta cena Essa situa o que favorece o encontro poss vel consigo mesma com sua alma feminina invis vel que nem mesmo ela aceita ao constatar uma contradi o com seu corpo biol gico apenas um fragmento do dia a dia de J ana e marca a solid o diante da imagem da rua vista somente pela janela ou nos compromissos semanais restritos a consultas da psicologia e da medicina no hospital A frieza da paisagem contemplada atrav s de sua janela que quando encontra o olhar de um vizinho novamente cerrada ecoa e amplia o seu desamparo Em suas idas ao hospital J ana encontra um espa o poss vel para enunciar o seu desejo e confessar quem sente que Houve um tempo em que arriscava sair nas ruas da cidade Logicamen
524. tro A sa da para essa aliena o a entrada do Simb lico pois por meio dele que h o advento do sujeito sujeito do pr prio desejo ali onde antes havia apenas o desejo da m e A ordem simb lica portanto pr existe ao sujeito e ao marc lo permanece ou seja subsiste como tal fora dele Dessa forma antes do nascimento do corpo biol gico e da crian a o Simb lico j est presente no discurso e nas expectativas dos pais e do social Paradoxalmente ap s a morte para al m do corpo biol gico permanece o nome vivificado pelo s mbolo excedendo a temporalidade Lacan 2005 1962 63 p 94 discorre sobre esse fato salientando a incid ncia do significante que ao encarnar se no corpo permite que nos presentifiquemos uns aos outros Este corpo de que se trata n o nos dado de modo puro e simples no nosso espelho mesmo nesta experi ncia do espelho pode chegar um momento onde esta imagem especular que cremos ter se modifica o que temos a nossa frente que nossa estatura que nosso rosto que nosso par de olhos deixa surgir a dimens o do nosso pr prio olhar p 94 Se o eu se constitui originalmente por identifica o com o outro tornam se poss veis para o sujeito s ilus es de estar frente ao seu eu quando na realidade est frente ao outro e vice versa Portanto n o h eu sem o Outro permitindo nos pensar em alteridade em sua dimens o inconsciente Pensar o corpo como efeito de linguag
525. tto pela sua sabedoria e generosidade nas considera es feitas em meu trabalho Sua seriedade e amor pela Psican lise no Hospital para mim fonte de inspira o s minhas pacientes que despertaram em mim uma curiosidade fecunda raz o pela qual este estudo foi realizado Os seres humanos n o nascem para sempre no dia em que as m es os d o luz mas sim quando a vida os obriga outra vez e muitas outras vezes a parirem a si mesmos Gabriel Garcia M rquez RESUMO ELIAS V A Para al m do que se v das transexualidades s singularidades na busca pela altera o corporal 2007 298f Disserta o Mestrado em Psicologia rea de Conhecimento Psicologia e Sociedade Faculdade de Ci ncias e Letras de Assis UNESP O presente trabalho buscou realizar um estudo psicanal tico sobre as transexualidades a partir da cl nica com transexuais femininas no mbito hospitalar e sua demanda de altera o corporal dirigida ao corpo m dico com o discurso de adequarem o seu sexo anat mico sua alma feminina Pretendeu se com esta pesquisa oferecer uma reflex o para o tema da transexualidade partindo da tica de quem a vive ou seja sobre o discurso de adequar o sexo na singularidade de quem o expressa mantendo se a articula o entre o individual e o social Utilizou se o m todo de pesquisa em psican lise optando se pela narrativa na apresenta o dos casos cl nicos pautados no acompanhamento
526. ture a se empenhar na elabora o de uma patologia das comunidades culturais e talvez possamos tamb m nos familiarizar com a id ia de existirem dificuldades ligadas natureza da civiliza o que n o se submeter a qualquer tentativa de reforma Ainda n o eram nessa poca os psicanalistas que haviam se preocupado em definir esse fen meno que Stoller 1968 a partir da defini o m dica dedicou os seus estudos 85 tornando se o precursor nesta tem tica servindo como refer ncia para a inclus o da transexualidade no C digo Internacional de Doen as e no DSM III em 1980 Posteriormente v rios psicanalistas se manifestaram na tentativa de elucidar esta quest o a maioria nada mais fez do que analisar segundo os casos inicialmente apresentados e que apresentarei aqui dentro do que pude apreender de seus trabalhos O presente cap tulo procura mapear as diferentes formas de apreens o da transexualidade em psican lise partindo dos estudos de Freud e Lacan O argumento que quero apresentar que cada uma dessas vertentes parece apoiar se em um modelo pr ximo aos prim rdios da inven o desta problem tica pela medicina e dos primeiros estudos psicanal ticos tendo Schreber e Stoller como os modelos para o que se segue 5 2 A DEFINI O SEGUNDO O DICION RIO DE PSICAN LISE No Dicion rio de Psican lise de Laplanche e Pontalis 1991 o termo n o aparece Em Roudinesco e Plon 1998 p 764 766 transexu
527. u o de um Lar asia bla CL sis andas 19 1 4 OS CAMINHOS PERCORRIDOS oet e r r E E E a 20 MINHAS ARTICULA ES COM A CL NICA E A PESQUISA NO HOSPELAE De A AE EE EE E E E E 24 2 1 A PSICAN LISE NA INSTITUI O M DICA sssseseeeeeessesesereeesssssrrereressesserereeseeesserrreee 24 2 1 1 A Articula o com Outros DiSCuUrSOS sssseeeseeeesseessesseesseeesseeesstessresseesseresseee 24 2 1 2 O Sintoma na Cl nica Psicanal tica sseseeseeesseseesseesseseeeseesseeseeseesseeseseresseseese 26 2 2 O LUGAR DA PSICAN LISE NA CL NICA COM TRANSEXUAIS eeeeeeeeeeeeeeeee seset 28 2 21 Dilemas CEOs e aria EE EN Rad E ES 30 22 AAA Demanda escus EteitOsir roin E EEE E G ERA 30 22 k2 QS Ffeit s de tma OCA Ta Sa 33 2 3 DA CL NICA PESQUISA EM PSICAN LISE sseseeeseseeeeeesresestsesreresrsesererreresrereseses 37 2 3 1 Narrativa Um Recurso ANAL usos sia local pandas ad UE dE ONA a 40 2 3 2 Contextualizando o PELCUISO jasussermasstacsslei sgtestissigasa Loragira pias emana aadtaneisaa dept 42 2 3 3 A tica na Pesquisa eee seaseare stereo meneame neree e irerte e aaananda 45 UMA APROXIMA O HIST RICA AS SEXUALIDADES ATRAV S DOS TEMPOS E CULTURAS usa ag Pa dadas 47 31 DEUM SEXO A OUTRO sara asi so aida Copan a Oia a Ei e 47 3AA Na Mitologia ninn in ER O RD SUN RR ESP A 48 3 1 2 Na Vertente do Sacrif cio spssamseresiote esparsas itadpra dn ara a sa pad on asas dana ga oa maes 49 3 1 3 Na Vertente C lt ral
528. ua nica possibilidade Questionei o que a fazia imaginar que ela deveria ter certeza de tudo de que n o era homem de que era mulher de que sua nica sa da para ser feliz era a cirurgia Aos poucos foi retificando o seu discurso medida que eu apontava de que ter certeza de tudo era uma ilus o na qual precisava apoiar se Justamente por sentir falta dessa certeza que ela imaginava que a fabrica o de uma vagina resolveria Assim passou a se abrir comigo e contar mais sobre sua vida 229 A Descoberta Quando comecei a me descobrir percebi que gostava de coisas de menina e desejava homens Era dif cil entender o que n o sabia mas fui al m disso Descobri que a minha alma era feminina mas estava em um corpo masculino Foi duro suportar tudo a vida inteira J aceitar e entender entender eu n o entendo e aceitar J posso at aceitar s queria mesmo era ter nascido com um corpo feminino Me sinto mulher gosto de homens com caracteres de homem sem falar mole sem ser delicado ainda mais quando se trata de sexualidade N o se aceita diz que sempre foi infeliz Tem dio de ser confundida com travesti Travestis s o prom scuos diz Faz quest o de evidenciar o que a difere das travestis que conhece e diz que a diferen a que elas n o querem retirar o p nis e inclusive fazem uso dele Demonstra repulsa pelo outro marginalizado socialmente referindo se aos homossexuais e travestis e uma ideal
529. uais essa mulher lhe faz confid ncias sobre sua rela o sexual conjugal Ela ent o pode saber o que se passa entre um homem e uma mulher o que faz ambos gozarem e assim suprir as expectativas no que descobriria sobre o desejo do homem tentando superar a esposa ser mais que ela At ent o suas rela es imagin rias por meio da masturba o apontavam para uma forma de por em ato o gozo que supunha ser feminino A partir dessas experi ncias constru a a sua compreens o do que poderia ser o desejo masculino em rela o a uma mulher mas tamb m do que se tratava o gozo sexual feminino Os devaneios limitados aos encontros telef nicos passaram a n o ser suficientes desejando viver concretamente o que n o mais fazia sentido permanecer no imagin rio Na condi o de amante passa a cobrar dele a fidelidade a desconfiar de seus passos e a vigi lo no trabalho diante do fantasma da impossibilidade de ser a escolhida em detrimento a uma 232 mulher Nessa linha de pensamento repetia se a fantasia que n o cessava de se inscrever a desconfian a de que seu desejo por ela fosse homossexual Cria uma situa o em que oferece seu p nis para que ele o toque e ent o surpreendida pelo desejo de ambos Embora lhe causasse nojo era tamb m fonte de prazer Nojo que nesse jogo poderia associar se culpa pelo desejo homossexual proibido tabu homossexual proposto por Butler que culmina na rejei o por esse homem
530. ual estiveram os pais distantes durante tanto tempo agora que haviam retornado acreditavam que a nica possibilidade de redirecionar o filho sexualmente seria convertendo o religi o deles O pai referiu se ao seu sentimento de culpa em rela o ao filho pois havia sido um pai alco latra e violento assumindo a fun o de cur lo Sentiu se aliviado ao saber pelo filho que este era ainda virgem retirando a id ia de promiscuidade associada transexualidade vendo nisso a possibilidade de retir lo de algo que ainda n o havia se concretizado a rela o 206 homos sexual Como uma forma de aproximar J ferson da sua religi o pedia que ele o ajudasse em alguns trabalhos da Igreja o que gradativamente aceito pelo filho a fim de evitar conflitos entre eles medida que vai falando sobre o fato a fam lia retoma algo que h muito tempo n o acontecia que a proximidade entre eles Embora deixem claro n o aceitar seu lado feminino sentem que n o podem impedi lo disso pois isto os afastaria novamente J ferson passou a sair do quarto e ajudar a m e e as irm s na cozinha assumindo a responsabilidade pelo almo o e pelo jantar O pai passou a poup lo de servi os pesados a quem sempre pedia para carregar peso Um outro momento J ferson encontra Mariana em uma sala virtual de bate papo Apresenta se como mulher transexual l sbica despertando nela curi
531. ualidade anormal homossexual bissexual travesti e transexual isto o fato da crian a gostar de brincadeiras e se vestir com roupas do outro g nero A transexualidade na inf ncia se basearia em um sentimento de identidade permanente uma cren a do menino em uma ess ncia feminina uma rela o com o p nis vivida como horror sem investimento libidinal e uma especificidade na rela o com a m e que ele 3297 define como simbiose feliz Ele n o considera essa rela o psicotizante devido a Aqui encontramos a m e stolleriana Ela uma mulher autorit ria e masculinizada que n o consegue resolver o complexo de castra o Sua inveja do p nis n o tem limite Seu filho o seu falo o que gera uma rela o de simbiose extrema entre ele e ela excluindo a figura paterna e dificultando a viv ncia do complexo de Edipo 97 5 P koa f ae s r x Stoller 1982 inclusive colocar em d vida um diagn stico de transexualidade se o paciente tiver uma m e diferente daquela que ele caracterizou como a m e t pica do verdadeiro transexual os nicos que a cirurgia seria indicada 89 capacidade de integra o social destas pessoas transexuais n o conseguem alucinar uma mudan a sexual por isso precisam tomar horm nios e buscar a cirurgia para mudar de sexo pois negam que suas identidades sejam apropriadas a seus estados biol gicos STOLLER 1982 p 31 A
532. ubmeter se a um ultra som para assegurar lhe de que n o se tratava de hermafroditismo Constrangida com tal atitude mas desejando que fosse verdade aceitou a situa o deparando se com a ang stia diante de um real 175 insuport vel Sempre que se via em risco de ser flagrada em sua identidade masculina dizia possuir uma genit lia amb gua e aguardava cirurgia A sociedade aceita melhor o caso de intersexo em que a biologia se imp e sobre o psiquismo ao contr rio da transexualidade que nesse caso n o haveria qualquer justificativa pautada no biol gico condi o hipotetizada mas n o comprovada pela ci ncia Embora reconhecesse a presen a dos sinais que a distinguia do feminino odiava ter um p nis sentindo vergonha dele e recusando inclusive a ere o ao consider lo um peso insuport vel Representava para ela algo repugnante sem qualquer valor er tico sua ferida narc sica Sabia que para transformar seu corpo teria que usar horm nios e submeter se a v rias cirurgias o que a distanciava clinicamente de um quadro delirante Assim pediu uma medica o espec fica horm nio para o m dico para castrar se quimicamente falando me do seu inc modo ao acordar de manh e se deparar com o p nis ereto condi o at ent o n o revelada a mim insistindo em dizer o contr rio que n o tinha ere o Disse que se sentia envergonhada j que uma mulher e ter ere o a colocava na c
533. uir suas ilus es e representa es de g nero baseada nos esquemas bin rios legitimados pelo discurso ideol gico normatizador institu do pela cultura que as mant m em um lugar de anormalidade Essas novas proposi es dos Estudos Culturais e de G nero ao demonstrarem as refer ncias heteronormativas da formula o acerca da sexua o conforme a psican lise pouco permitem avan ar na condu o do tratamento Nesse sentido como minhas quest es s o eminentemente cl nicas decidi percorrer as formula es psicanal ticas sobre o corpo j que o encontro com as transexuais me fizeram pensar que n o se trata somente de uma quest o de conflito entre sexo biol gico versus g nero e ou identidade sexual ao dizerem n o ter d vidas quanto ao sentimento de serem mulheres Era necess rio portanto avan ar para o que se colocava em cena no discurso inicial dessas pessoas levando me a pesquisar um pouco mais sobre o estatuto do corpo e no que e como seus corpos se tornaram quest o para elas 135 7 O CORPO EM CENA N o h corpo sem sombra como n o h corpo ps quico sem hist ria que a sombra falada dele Sombra protetora ou amea adora ben fica ou mal fica que protege com uma luz por demais crua ou que anuncia a tempestade mas em todos os casos sombra indispens vel pois sua perda implicaria na da vida sob todas as suas formas Piera Aulagnier 7 1 A QUEST O TRANSEXUAL DO G NERO AO CORPO Ao abordarmos a tran
534. ula de quem est engasgada com as l grimas que n o quer demonstrar Tem a fantasia de que qualquer descontrole emocional pode levar me a n o indicar sua cirurgia Embora dissesse n o ter usado horm nios apresentava pouqu ssimo p lo decorrente talvez de sucessivas depila es e justificava suas mamas desenvolvidas pelo seu sobrepeso Na primeira consulta m dica diante de seu discurso e de sua apar ncia suspeitaram que pudesse ser hermafrodita Aflita me dizia o quanto torcia para que n o fosse verdade o que inicialmente me pareceu incoerente Incomodava se com a possibilidade de ser mulher e ter perdido uma vida inteira se fantasiando de homem A constata o de ser homem lhe trouxe al vio Diante da possibilidade de transforma o cir rgica ela resolve se vestir novamente de mulher Mas sente que deve ser gradual e as colegas sugerem o uso de suti j que passa a usar roupas mais justas Deixou crescer o cabelo mas ainda mant m uma apar ncia andr gina como se precisasse de um tempo no enfrentamento das outras pessoas principalmente na fam lia 240 A rela o transferencial e a verdade por tr s do discurso Jac mostrava se artificial ao falar de sua vida que al m de negar o uso de horm nios dizia que tudo sempre estava bem amiga de todo mundo a cidade toda a aceitava como mulher no trabalho todos lhe davam apoio na faculdade tamb m inclusive liberando a para as sess es com a psi
535. ulinas ou femininas dentro do referencial cient fico apoiado no biol gico Para n o confundir o leitor modificarei sempre que poss vel dentro da proposta adotada ou seja transexuais femininas para homens biol gicos que se sentem mulheres ou o oposto Quando considerar pertinente utilizarei o termo entre aspas para representar a forma como o te rico a utilizou 86 express es sexuais Faz por m uma cr tica ao que ele pr prio conceitua a partir de Stoller considerando que a defini o insuficiente para explicar os problemas de identidade sexual Segundo esse dicion rio este psicanalista n o se apropria da dimens o psicanal tica dos conceitos de falo e de inconsciente segundo Freud e Lacan a favor de uma psicologia do ego qual o termo identidade sexual faz claramente refer ncia 5 3 A CONTRIBUI O DE FREUD Verificando o material te rico de Freud constatei que ele n o faz refer ncia direta sobre a transexualidade embora suas contribui es apontadas no segundo cap tulo sobre os Tr s Ensaios 1980p 1905 v o influenciar as teorias sexuais desde ent o inaugurando um novo olhar para as sexualidades em sua rela o com a cultura O fen meno transexual citado por ele somente na an lise do caso do presidente Schreber que ele n o atendeu mas analisou sua autobiografia descrita em Mem rias de um doente dos nervos 1995 1903 desenvolvendo os seus conceitos sobre a paran ia no artigo Nota
536. ulino feminino e uranismo uming este ltimo com caracter sticas f sicas de um dos outros dois g neros por m com instintos sexuais n o correspondentes aos seus rg os genitais Os vuranistas diferenciavam se tanto dos pederastas pela escolha de objeto pois buscavam o andr gino nos adolescentes quanto dos libertinos seu modo particular de gozo n o implicava nenhum comportamento imoral repreens vel ou perigoso Ulrichs dirigiu assim a pederastia para o rol das patologias mentais Recomendou aos pais dos uranistas que solicitassem uma modifica o de seu estado civil Inspirados por Ulrichs v rios cientistas do sexo descreveram casos e alguns com ideais cat licos consideravam o sexo sem fins de procria o como perverso acreditando que o sadismo o masoquismo o travestismo e a necrofilia assim como a homossexualidade eram sinais de degrada o O invertido pertencia a uma esp cie de terceiro sexo um tipo intermedi rio terminologia usada por Hirschfeld um verdadeiro estado intersexual e sustentada por outros autores como a mescla dos sexos Foi com base nessa cren a sobre a invers o cong nita do sentimento sexual que muitos m dicos pretenderam trat la Charcot publicou nos Archives de Neurologie seus trabalhos sobre a invers o sexual considerando a uma pervers o psicop tica que sem desconsiderar o ponto de vista heredit rio poderia aparecer na inf ncia e ser tratada at
537. ulinos e femininos com os quais se identificava e ou se diferenciava ao dizer que n o gostava de bichas afetadas preferindo pessoas mais discretas como ele Passou a se relacionar com l sbicas com quem trocava confid ncias sem despertar interesses sexuais pois eram s amigas nicas pessoas com quem conversava al m da irm mais velha que acompanhava todo o seu sofrimento apoiando sua tentativa de feminiliza o Esta irm era o elo de comunica o entre ele e os pais traduzindo os sentimentos de J ferson e possibilitando que a m e principalmente pudesse saber o motivo do enclausuramento do filho no quarto J ferson movimentava se num circuito espacial restrito marcado praticamente por dois lugares sua casa mais especificamente seu quarto e o hospital Quando isso acabar vou me sentir outra pessoa me pergunta Isso acabar questiono Quando eu puder ser eu mesmo Quero viver para mim O que o impede de viver pra voc Do jeito que estou ningu m vai me querer se referindo em um primeiro tempo ao seu corpo masculino Trancado em seu quarto bem mais dif cil algu m te querer pois n o se d o direito nem de tentar aponto Eu ainda sou virgem N o d nem para se apaixonar eu at que j tentei mas com esse corpo imposs vel O que em seu corpo o incomoda tanto O que voc imagina que precisa mudar N o consigo explicar direito Se eu n o fizer a cirurgia lo
538. uma resposta imediata demanda de um sujeito por meio das possibilidades t cnicas prescri es hormonais interven es cir rgicas Trata se antes de levar em conta o al m dessa demanda isto a subjetividade a implicada diferenciando se da medicina sem nos deixar capturar pela exig ncia institucional da confirma o de um diagn stico sobre a verdade transexual muito menos da indica o da cirurgia 35 As pessoas seguem trajet rias singulares de subjetiva o que ultrapassam em muito essas quest es certo que nesse caso em particular a irreversibilidade das consequ ncias f sicas e a radicalidade das implica es ps quicas e sociais causadas pela satisfa o da dita demanda devem ser consideradas Por m meu objetivo n o visa o desaparecimento do desejo expresso no pedido de altera o corporal mas sim fazer com que o sujeito saiba medida do poss vel sobre o que inconscientemente justificaria sua demanda A expectativa de que o rg o que a ir posicionar como mulher deve ser repensada pois paradoxalmente esse seria o primeiro engano do sujeito ao ter se submetido altera o corporal se n o tiver clara as significa es a implicadas e as consequ ncias dessa coloca o em ato para sua vida Portanto n o se trata aqui de criticar os progressos da medicina recusando seus benef cios terap uticos e sim sustentar que o corpo ao qual a psican lise refere se n o o mesmo send
539. uperar essa origem em nome de uma subvers o inevitavelmente atrasada Nessa perspectiva do g nero Bento 2004 parte de uma proposi o de que quando a crian a nasce j encontra um mundo generificado onde todos nascem cirurgiados Quando uma transexual afirma quero reconstruir meu corpo quero uma cirurgia de transgenitaliza o est afirmando implicitamente que a primeira cirurgia a que definiu o g nero a partir da genit lia n o foi exitosa Costa 2003 se remete express o lacaniana interdic o para se referir que o que est em causa a refer ncia ao corpo como objeto de circula o da palavra dic o A interdic o tudo o que estabelece limite em certa apreens o de nosso corpo naquilo que se liga ao seu objeto de satisfa o instituindo os corpo e objeto em rela o s representa es e circula es coletivas Por meio dessa condi o de circula o do corpo como objeto encontra se a barreira do lado da presen a real de um corpo como obst culo palavra Maria falava de um medo de crescer de uma recusa das modifica es que a sua adolesc ncia impunha em sua imagem corporal ao que ela associava morte Lacan 1996 1972 73 p 13 denominou de amuro as modifica es corporais da puberdade decorrentes do aparecimento dos caracteres sexuais secund rios o que aparece em signos bizarros no corpo S o esses caracteres sexuais que vem do al m a resp
540. ura a dimens o do engano forcluindo o sujeito e sua singularidade O sujeito ao contar sua hist ria dirige sua fala a um Outro produzindo assim um campo transferencial Dentro da pesquisa em psican lise n o se pode falar em fen meno ps quico sem falar em inconsciente do pesquisador portanto os fatos est o contaminados pela subjetividade de quem os observa Herrmann 1977 considera que cada vez que um pesquisador prop e se a estudar um conjunto de significa es humanas psicanaliticamente gera se um inconsciente relativo que comporta um saber transferencial do estudioso em rela o ao objeto estudado Segundo ele quando o pesquisador debru a se sobre o seu objeto pensando psicanaliticamente cria se um campo transferencial A escuta que a psican lise fundamenta enfatizando seu papel central na cl nica o que faz sua especificidade e o que nos garante empreender algo novo Os fragmentos dos casos foram apresentados em forma de vinhetas cl nicas privilegiando o que se aproximou dos processos de subjetiva o que atuaram na forma o do sentimento de identidade e na constru o da demanda de altera o corporal Ap s anos de experi ncia cl nica com essas pacientes chegada a hora de refletir a respeito do material apreendido do discurso desses sujeitos acompanhados no ambulat rio principalmente sobre os seguintes aspectos 1 Como se organiza subjetivamente a vida de um sujeito que em nome de sua identidade sexual
541. ura de medo e desejo Acreditava que isso acontecia porque era mais vaidosa e bem vestida do que as garotas de sua idade Questionei se aquela era uma forma comum de se vestir roupa e maquiagem extravagantes e se o que destacava n o seria justamente a diferen a entre sua a o e seu desejo e portanto chamando a aten o das pessoas Permaneceu em sil ncio mas de algum modo esse questionamento a fez rever sua posi o Maria passou a identificar seu medo e desejo no ato de vestir se de maneira vulgar e concluiu que se o que buscava era ser bem tratada pelos homens n o deveria provoc los Parecia algu m que precisava de modelos e orienta es para aprender a se vestir de acordo com o g nero feminino e com o meio social em que estava inserida Como morava sozinha passou a pedir opini es para as colegas Maria precisava ser cuidada mas n o havia algu m mais pr ximo e n o se sentia vontade para pedir ajuda m e nem ao pai Reconheceu que sua saia estava muito curta e por isso mexiam com ela na rua Aos poucos sua apar ncia foi se tornando mais discreta preferia cal a jeans e camiseta e usava uma maquiagem mais neutra desse modo cuidando mais de si mesma e n o se expondo novamente aos riscos de ser violentada Pedia me dicas sobre profissionais que faziam depila o definitiva pois passava horas no espelho tentando melhorar sua apar ncia e quando n o conseguia esconder seus p los evitava sair de casa
542. ursos embora n o tenha recebido nenhum pr mio por elas Ela traz para eu ler mas n o permite relacion las com nada Diz que n o quer decifr lo mas me oferece o texto em que se percebe solit ria e depressiva Vestido Marrom Em uma estranha estrada que corria estreita como um rastro no meio do mato e flores selvagens deparava se altos e majestosos morros que apareciam e sumiam constantemente em meio neblina cinza espalhada por toda parte Numa parte desta estrada chamava a aten o uma flor amarelo ouro que tentava quebrar o tom de horror passado ali Mas parecia algo dificultoso pois a pr pria beleza da flor chorava uma gota pesada de gua que pendia numa de suas delicadas p talas O c u parecia estar de luto estava negro e ao aproximar se da terra molhada de l grimas ia tornando se cinza at chegar ao branco O que passara ali parecia ter destru do toda a vida a qual a flor tentava com for a ressurgir Um pouco adiante um vestido marrom misturava se com a terra a poeira e as folhas secas mas o que surpreendia era o sangue desprezado pelo tecido Formava se uma po a que se acumulava sendo consumida pela terra Um crime Aparentava ser algo pior uma doen a Um casar o estilo ingl s avistava se do alto de uma colina Por tr s de uma rvore alta de galhos abertos havia uma janela de batentes de madeira branca que escondia o rosto de uma mulher de meia idade de fisionomia odiosa Esta observava o vestido estirado na e
543. ustra se a demanda E a isso ele vai responder que mais importante que atender demanda a M o que d ou seja mais importante que o desejo da necessidade em si o Outro responder Quanto mais o sujeito busca atrav s da demanda mais distante se encontra dele pois o desejo est sempre em outro lugar Portanto como sugerem Costa e Jardim 2004 a prescri o ass ptica ou seja fora de uma rela o transferencial n o produz ou altera os efeitos do medicamento Os efeitos placebos s o outro exemplo de como a qu mica passa pela rela o transferencial do paciente com o m dico ou seja a efic cia simb lica que pode estar presente mesmo em subst ncias neutras quando h esta outra qu mica que se produz na rela o transferencial ou no amor A an lise dos pressupostos que configuram a cl nica psicanal tica tem por objetivo delimitar o seu dom nio considerando os alcances e limita es do trabalho que cada profissional pode desenvolver com seus pacientes O que possibilitar o trabalho em equipe justamente a possibilidade de circula o entre os discursos como uma complementaridade e n o como competi o entre os saberes Freud 1980c 1926 p 262 assim pensava quanto a sua rela o com outras formas de saber Em si toda ci ncia unilateral Tem de ser assim visto que ela se restringe a assuntos pontos de vista e m todos espec ficos E uma insensatez na qual eu n o 27 tomaria parte lan ar uma ci ncia
544. velha Sua irm est gorda Acha um absurdo elas n o se arrumarem Fica pensando que n o quer ser como elas Quer ser muito melhor muito mais bonita Eu sou estranha com minha irm mas ela tamb m comigo Lembro me que quando ela chegava em casa e tocava a campainha eu que ia abrir a porta pra ela e ali mesmo a gente come ava a brigar A m e de Maria n o aceita o fato de ela vestir se como mulher porque acha que ela sofrer muito preconceito da sociedade Aceita no entanto sua homossexualidade Diz a ela Por que voc n o faz como o filho de minha amiga que gosta de homens mas se veste como homem E Maria n o se cansa de explicar que seu caso diferente que n o se sente como homem e sim como uma mulher Percebia a dificuldade das pessoas em diferenciarem transexuais de travestis associando ambos promiscuidade acreditando que a sociedade ignorante quanto ao seu problema Contou que ficou muito chateada quando soube que algumas pessoas haviam insinuado para sua m e que ela estaria se travestindo e fazendo programa Num primeiro momento pensou em tirar satisfa es mas achou melhor esperar uma oportunidade para que pudessem conhec la melhor O que a deixou indignada foi o fato da sua m e nem tentar defend la apenas chorar e ir embora Aos poucos foi percebendo se mais segura para se defender embora por muito tempo tivesse evitado reuni es familiares Diz que sua m e sempre
545. ven o hormonocir rgica s o convocadas a pensarem sobre seus sentimentos como pr condi o para alterarem o corpo em sua dimens o sexual As pessoas reduzem o est mago reduzem o pr prio corpo sua metade literalmente aumentam seios diminuem seios retiram tero para n o mais menstruar colocam pr teses para aumentar o p nis modificam o rosto etc Dever amos criar equipes que avaliassem essas pessoas e decidissem onde est o as verdades dessas demandas Questionamos se trataria de um ato insano ou n o A partir de interrogantes que s cada sujeito pode fazer a si mesmo buscando as respostas que sup e nos analistas que nosso trabalho se sustentaria Enquanto uma imposi o pouco pode ser feito Se essas pessoas sentem dificuldades em falar de seus conflitos porque n o sabem 142 i F k T E O leitor n o encontrar aqui respostas ou um debate sobre qual teoria mais ou menos aceita Nas narrativas n o estabeleci uma refer ncia estrutural pois n o tinha o objetivo de estabelecer um diagn stico embora em alguns momentos tenha me referido a problem ticas que se aproximavam de algumas estruturas cl nicas Embora estas sejam as reivindica es no contexto hospitalar sabemos que h exce es o que nos leva mais uma vez a refor ar que n o estamos caracterizando a transexualidade como uma nica modalidade de ser Diferente do que poderia acontecer com outros pesquisadores n o se apresen
546. vicissitudes de subjetiva o Diante dos avan os tecnol gicos cada vez maiores a quest o da subjetividade tem lugar fundamental na constitui o de singularidades marcadas pelos efeitos da contemporaneidade Entre os avan os que a ci ncia tem ofertado est a cirurgia conhecida popularmente como mudan a de sexo na qual a anatomia colocada em quest o na subjetiva o do sexo levando para o espa o hospitalar uma clientela que at ent o se manteve invis vel Por muito tempo acreditou se que a anatomia era o destino uma condi o previamente dada da natureza com a qual a pessoa deveria se conformar e mesmo insatisfeita com o pr prio corpo teria de se haver com a frustra o de n o ser ou n o ter aquilo que idealizou Hoje a ci ncia aposta que isso poss vel Fortalecidas pelo avan o tecnol gico as pessoas ditas transexuais podem recusar o que acreditam ter sido um equ voco quanto ao seu sexo biol gico revelando que a anatomia n o suficiente para que o sujeito se posicione subjetivamente como homem ou mulher mas paradoxalmente deve representar o seu eu Em discord ncia com o ditado de Rutebeuf do s c XIII de que o h bito n o faz o monge presenciamos o quanto a apar ncia est em alta na cultura contempor nea embora a id ia de que o corpo deva representar o sujeito n o seja atual Tendo por base um aforismo praticamente universal o rosto o espelho da alma segun
547. viv ncia e recolhimento no espa o privado ou nos grupos de iguais As travestis s o mais vis veis ao incorporar os dois g neros e n o aparentando inc modo em ser vista como sendo homem mulher enfrentando os limites sociais Por m tanto para travestis quanto para transexuais existem v rias formas de express o contemplando em seu universo tipos diferentes de identifica o N o estou falando aqui de no es abstratas de diferen a e alteridade mas de uma experi ncia que se traduz em um sentimento de pertencer e compartilhar ao se constituir enquanto um sujeito que busca o reconhecimento no olhar do outro Para isso a medicina torna se o instrumento a ponte que viabiliza o pertencimento ao mundo moderno n o mais isolada exilada mas uma possibilidade de n o sentir se estrangeira em seu pr prio territ rio agora dentro de um corpo poss vel J ana se encontra n o exatamente em um n o lugar mas em um espa o de tr nsito que emoldura e constitui um entre lugar na fr gil possibilidade de um caos diante do dilema de revelar sua identidade transexual e da recusa em permanecer como um ser invis vel N o se 168 trata simplesmente de uma quest o de identidade mas de uma posi o a partir da qual seu desejo aparece Nascida biologicamente e conhecida pelo meio social e familiar como Jo o n o se sente pertencente nem ao seu corpo nem sua pr pria casa onde tudo e todos apontam amea a da recusa Seu mundo se res

elias_va_me_assis - Repositório Institucional UNESP

Contents

Download Pdf Manuals

Related Search

Related Contents

elias_va_me_assis - Reposit&oacute;rio Institucional UNESP

Contents

Download Pdf Manuals

Related Search

Related Contents

elias_va_me_assis - Repositório Institucional UNESP