A Linguagem das Coisas
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1. acess rios que custaram cem libras quantia que est longe de ser insignificante quando os comprei avulsos na ocasi o em que esqueci os originais no quarto de um hotel em Vene za s o agora absolutamente in teis Para piorar eu j sabia o impacto que teria naquela superf cie esbelta o fato de eu ser dono desse objeto extremamente desej vel e desejado primeir ssima vez que ele sa sse da embalagem pl s tica protegida com espuma minhas impress es digitais come a riam a gravar marcas indel veis em seus acabamentos mais que vulner veis O trackpad come aria a acumular uma pel cula de gordura que com o passar do tempo adquiriria o aspecto de um laguinho de patos A concentra o de eletrost tica cobriria a tela de cabelo e caspa Os designers t o engenhosos e talentosos em tantos aspectos evidentemente ainda relutavam em reconhecer as imperfei es do corpo humano quando em contato com o mundo digital Mas para os consumidores mais fi is h uma forma de proteger um MacBook Pode se comprar uma pel cula para em brulhar a m quina como se fosse uma camisinha para o corpo in teiro a fim de isol la de todo contato humano Os laptops n o s o de modo algum os nicos objetos de con sumo a serem tra dos pelos donos Pelo simples uso podemos des truir quase tudo o que nos persuadimos a adorar Quando novo o corpo de pl stico coberto de metal do meu telefone celular da Nokia sugeria ser a ltima palavra em te2. inferior em rela o ao ltimo modelo no cat logo da Apple Eu tamb m ainda me lembrava de que fora obrigado a substituir dois teclados porque as letras fica ram apagadas em semanas depreciando a m quina ainda mais do que eu esperara Foi nesse estado de esp rito que abri a carteira Em Heathrow havia dois modelos de Apple escolha O pri meiro era todo branco como o meu ltimo O outro era a op o preto fosco Embora sua especifica o ligeiramente superior o tornasse mais caro quando bati o olho nele vi que acabaria com prando o A vers o preta tinha um aspecto elegante tecnocr tico e sereno A branca purista parecera igualmente sedutora quando a comprei mas o MacBook preto em compara o agora parecia muito calmo muito digno e casto As teclas s o quadrados com cantos bastante arredondados ocultos numa bandeja delicada mente erodida do resto da m quina O efeito mais de um bloco de m rmore preto maci o estranhamente quente esculpido com habilidade que de uma tampa em cima de uma caixa de compo nentes eletr nicos O preto usado h anos por muitos outros fabricantes preo cupados com design para sugerir seriedade mas era uma cor nova para a Apple N o coincid ncia que o preto seja a cor das armas o s mbolo do design sem o fator venda O preto uma n o cor usada para instrumentos cient ficos que contam mais com a preci s o do que com a moda para atrair clientes N o ter cor significa que se
3. A Linguagem das Coisas Tradug o de Adalgisa Campos da Silva Sum rio Introdu o Um mundo afogado em objetos 4 1 Linguagem 10 2 O design e seus arqu tipos 52 3 Luxo 90 4 Moda 130 5 Arte 166 Fontes das cita es 218 Cr ditos das fotografias 219 ndice 220 Um mundo afogado em objetos Um mundo afogado em objetos Nunca possuimos tantas coisas como hoje mesmo gue as uti lizemos cada vez menos As casas em gue passamos t o pouco tempo s o repletas de objetos Temos uma tela de plasma em cada aposento substituindo televisores de raios cat dicos que h ape nas cinco anos eram de ltima gera o Temos arm rios cheios de len is acabamos de descobrir um interesse obsessivo pelo n mero de fios Temos guarda roupas com pilhas de sapatos Temos prateleiras de CDs e salas cheias de jogos eletr nicos e compu tadores Temos jardins equipados com carrinhos de m o tesouras pod es e cortadores de grama Temos m quinas de remo em que nunca nos exercitamos mesas de jantar em que n o comemos e fornos triplos em que n o cozinhamos S o os nossos brinquedos consolos s press es incessantes por conseguir o dinheiro para compr los e que em nossa busca deles nos infantilizam A classe m dia tem cozinhas repletas de aparelhos el tricos com prados na esperan a de que nos tragam a sonhada realiza o dom s tica Exatamente como quando as marcas de moda p em seus nomes em roupas infantis uma
4. anas de 2004 se apresentara como a mais desej vel e mais inteligente pe a de tecnologia que eu algum dia poderia desejar Era um computador que fora reduzido ao essencial est ti co Grande apenas o suficiente para ter um teclado de tamanho natural tinha uma propor o peculiar enxuta e elegante entre lar gura e profundidade A caixa do monitor e o teclado eram total mente brancos O fecho que prendia a tampa piscava de vez em quando para mostrar que guardava um c rebro eletr nico formi d vel mesmo quando a gente n o se dedicava a ele Voc virava a m quina e via uns lampejos de luz esverdeada na barriga dela di zendo lhe exatamente a quantidade de carga que ainda restava na bateria de l tio Este era s mais um detalhe decorativo com um libi utilit rio mas penetrava diretamente na veia da aquisi o Os designers da Apple entenderam logo a necessidade de fazer com que o ato de inicializar um computador pela primeira vez fos se t o simples quanto localizar o bot o on Eles tamb m se torna ram craques em obsolesc ncia visual Quando comprei meu primeiro laptop na loja da Apple em Nova York em 2003 de fato achei que ir amos envelhecer juntos Seria um investimento em meu futuro um bem t o importante para mim que duraria a vida inteira Eu sabia perfeitamente que era um objeto fabricado s dezenas de milhares Mas de alguma forma tamb m parecia ser uma aquisi o t o pessoal e envolvente quanto um terno sob med
5. as digitais e nos telefones celulares e um ou outro pega um adaptador de voltagem De vez em quando um deles saca o cart o de cr dito e compra alguma coisa dando n s nos dedos ao digitar a senha com medo de perder o avi o O consumo aqui primeira vista a mais b sica das transa es destitu da de cerim nia e ela bora o reduzida ao mais essencial Mas mesmo num aeroporto comprar n o uma decis o simples e racional Como um ator re presentando sem maquiagem despojado do arco do prosc nio e das luzes da ribalta o laptop que acabou me persuadindo de que eu ti nha de t lo fez tudo sozinho Foi uma compra baseada num conjunto de sedu es e manipu la es que s acontecia na minha cabe a e n o num espa o f sico 11 Capitulo Um E entender como o laptop conseguiu fazer com que eu o desejasse a ponto de pagar para lev lo entender algo sobre mim mesmo e talvez tamb m um pouco sobre o papel que o design desempenha no mundo moderno O fato de que seria a quinta m quina do tipo que eu teria em oito anos com certeza n o era a primeira coisa que passava na minha cabe a Quando cheguei ao balc o mesmo que n o soubesse eu j destinara meu velho computador feira de eletr nicos em Lagos que para onde os discos r gidos sem uso seguem para reaprovei tamento Mas o meu falecido laptop n o era uma pe a obsoleta de tecnologia neol tica transistorizada Em seu melhor momento nas primeiras sem
6. cnologia Em poucos me ses sob a press o constante de meus dedos agitados virou um horr vel peda o de policarbonato mudo aparentemente marcado pela mais spera das doen as de pele pois o acabamento met lico 17 Capitulo Um descascou revelando um pl stico cinza embaixo da superficie po lida E enguanto sua forma fisica sugeria uma tentativa genuina de criar um objeto com o qual voc pudesse querer compartilhar suas horas de vig lia outros aspectos de seu desempenho eram menos atraentes A sequ ncia de transa es e controles na tela para ope rar sua c mera ou acessar a Internet t o esquisita quanto tentar usar o teclado cal ando luvas de soldador A ideia de que as coisas que possu mos refletem a passagem do tempo n o um conceito novo As marcas da viv ncia j pa receram acrescentar autoridade a um objeto como aquelas Ni kons pretas surradas que os fot grafos de guerra da era do Vietn carregavam pelos campos de exterm nio do Sudeste Asi tico o logotipo reluzente coberto com adesivo para evitar a aten o de atiradores o pesado corpo de metal aparecendo onde a tinta preta estava lascada Esses eram objetos a ser tratados com certo respei to Eram produtos de artes os aparelhos mec nicos engenhosos que tendo um bot o apertado levantavam o espelho que permitia que se visse atrav s da lente Tratava se de objetos que refletiam sua intelig ncia e seu valor com a pura presen a f sica Duravam e
7. com o objeto mais m o o laptop com que escrevo estas palavras foi comprado numa filial de aeroporto da Dixons Ningu m al m de mim pode ser responsabilizado por minha esco lha Nem mesmo o que Berger chamou de publicidade Algumas lojas s o planejadas para seduzir os clientes Outras os deixam em paz para que se decidam sozinhos A Dior e a Prada contratam arquitetos vencedores do Pritzker Prize para constru rem lojas na escala da grande pera a fim de re duzir os compradores a um transe consumista ext tico A Dixons n o Uma loja gen rica que venda artigos eletr nicos com descontos em Heathrow n o lugar para sedu es veladas ou escancaradas das formas mais elaboradas de varejo E que eu me lembre a Di xons jamais se autopromoveu para tentar me convencer a entrar nela ainda que as empresas cujos produtos ela vende o fa am Num aeroporto n o h espa o nem tempo para ser encantado ou hipno tizado seja por nuances ou por ironia As transa es ali s o do tipo mais bruto N o h vitrines N o h homens respeit veis de d lm e fones no ouvido para abrir a porta N o h camadas de embala gens de papel fino para as compras nem c dulas novinhas para o troco H apenas o inevit vel burburinho de um monte de objetos empilhados e vendidos nem t o barato assim para distrair Enquanto as ondas de passageiros da classe econ mica passam a caminho do voo das 7h para D sseldorf alguns d o uma olhada nas c mer
8. cozinha nova de a o inoxid vel nos conce de o libi do altru smo quando a compramos Sentimo nos seguros acreditando n o se tratar de caprichos mas de investimentos na fam lia E nossos filhos possuem brinquedos de verdade caixas e caixas de brinquedos que eles deixam de lado em quest o de dias E com inf ncias cada vez mais curtas a natureza desses brinquedos tam b m mudou O McDonald s se tornou o maior distribuidor mundial de brinquedos quase todos usados para fazer merchandising de marcas ligadas a filmes Os bens que possu mos tamb m nunca foram t o grandes Incharam para combinar com a epidemia de obesidade que assola a maioria das culturas ocidentais Em parte isso decorre do fen me no conhecido como maturidade do produto Quando todo mun do que for comprar um televisor j tiver feito isso s resta aos fabricantes convencer os propriet rios a substituir seus aparelhos antigos inventando uma categoria nova s vezes uma miniver s o mas se depender do fabricante ser maior e portanto melhor do que os modelos anteriores Assim as telas de tev passaram Introduc o de 28 para 60 polegadas Os fornos dom sticos se transformaram em conjuntos de forno e fog o As geladeiras viraram guarda roupas abarrotados Como gansos alimentados for a com gr os at seus f gados explodirem para virar foie gras somos uma gera o nascida para consumir Os gansos se apavoram quando o homem se aproxima pronto
9. duravam alcan ando o desempenho prometido gra as ao talen to com que os pticos haviam polido suas lentes e o esmero com que as l minas met licas que definiam as aberturas de seu obtura dor haviam sido desenhadas Essas n o s o qualidades que se de gradam com os anos Os bens que conservamos durante d cadas podem ser considera dos espelhos de nossas experi ncias da passagem do tempo Agora nossa rela o com os novos bens parece muito mais vazia atra o de um produto criada e vendida na base de um olhar que n o so brevive ao contato f sico A atra o se esvai t o depressa que a pai x o acaba quase t o logo a venda realizada O desejo fenece muito antes que o objeto envelhe a O desenho industrial come a a parecer uma forma de cirurgia pl stica algo como uma inje o de Botox na testa suprimindo rugas de express o para criar uma breve ilus o de beleza S os cart es SIM inseridos em nossos telefones t m a capacidade de aprender conosco marcar nossas amizades e nossas 18 Linguagem 30 60 A Nikon come ou a fazer suas c meras reflex de lente nica da s rie F em 1959 O corpo preto sinalizava que era destinada a profissionais 19 Capitulo Um rotinas atrav s dos n meros que gravamos neles e criar padr es sig nificativos com eles Mas estes como nosso hist rico no Google podem ser tanto fonte de uma paranoia justificada quanto de conforto H uma campanha publicit ria efica
10. e ao mesmo tempo enojado e com vergonha de mim mes mo diante do volume do que n s todos consumimos e da atra o superficial mas forte que a f brica do querer exerce sobre n s Os objetos muitos acreditam s o uma realidade indiscut vel do dia a dia Dieter Rams que por duas d cadas foi o diretor de Um mundo afogado em objetos design da Braun a empresa alem de aparelhos de consumo eletr nicos era um deles Ele descrevia os barbeadores e liquidificadores da Braun como mordomos ingleses discretamente invis veis quando n o s o necess rios mas sempre prontos para atuar sem esfor o quando chamados Tais coisas se tornaram muito mais que isso Roupas comida carros cosm ticos banhos sol s o coisas de verdade a ser usufru das em si afirmou John Berger em Modos de ver 1972 a an lise contempor nea da cultura visual mais lida dentre as publicadas nos ltimos 50 anos Berger fez uma distin o entre objetos de verdade e o que via como as manipula es do capitalismo que nos fazem querer consumi los importante n o confundir a publicidade com o prazer ou os benef cios dos objetos anunciados e que ser o usufru dos defendia A publici dade come a trabalhando em cima de um apetite natural para o prazer Mas n o pode oferecer o objeto real do prazer Berger escreveu Modos de ver de uma perspectiva desconfort vel a meio caminho entre Karl Marx e Walter Benjamin Seu livro foi
11. e deve ser contada de forma diferente quan titativa e qualitativamente Barthes e Baudrillard n o tinham o menor interesse em qual quer discuss o do papel do designer preferindo olhar a disposi o dos objetos como a manifesta o f sica de uma psicologia de massas Baudrillard por exemplo dizia ver o interior moderno Um mundo afogado em objetos n o como 0 produto do design fruto de uma atividade criativa mas sim como o triunfo dos valores burgueses sobre uma reali dade anterior mais prosaica Temos mais liberdade nos interiores modernos mas essa li berdade acompanhada por um formalismo mais sutil e uma nova moral Tudo agora indica a transi o obrigat ria do ato de comer dormir e procriar para o de fumar beber receber discutir olhar e ler As fun es viscerais deram lugar a fun es determina das pela cultura O aparador abrigava roupa de cama lou a ou comida Os elementos funcionais de hoje armazenam livros bibe l s um bar ou permanecem vazios Mas essas s o alega es tendenciosas de um homem urbano Em vez de reprimir nossos desejos primitivos parece que nossa cultura material tem mais interesse em se entregar a eles Nossa rela o com nossas posses nunca direta uma mescla complexa de ci ncia e inoc ncia Os objetos est o longe de serem t o inocentes como sugeriu Berger e isso que os torna interessan tes demais para ser ignorados Linguagem Linguagem Para come ar
12. es ou biscoitos amanteigados A engenharia de consumo precisa tratar de fazer com que consumamos o tipo de produtos que agora simplesmente utilizamos A Apple fez isso acontecer bem no mo mento em que o mundo est come ando a entender que seus recur sos naturais s o limitados Isso deu ao implac vel ciclo do consumo um verniz chique ironicamente endossado por alternativos de jeans e camisetas pretos em vez de terno e gravata O precursor imediato do Apple branco que eu tinha foi um aparelho de termopl stico de cor c trica se semitransparente que consagrou o nome de Jonathan Ive como o Harley Farl da era da inform tica Farl foi o designer de Detroit respons vel por fazer com que os carros tivessem um rabo de peixe mais alto a cada ano na d cada de 1950 Ele foi o mestre criativo do cromo E Ive o designer nascido na Gr Bretanha que se tornou t o parte da iden 14 Linguagem tidade da Apple quanto Steve Jobs fez a mesma coisa com o poli carbonato A compra do meu laptop novo foi por impulso mas nem tan to Sabia que queria uma m quina nova embora n o possa dizer que realmente precisasse porque a branca de apenas dois anos j ficara com a tela inutilizada uma vez O conserto demorou o es pantoso prazo de seis semanas enquanto a Apple a enviava para Amsterd para colocar uma nova placa m e Se isso acontecesse outra vez custaria 60 por cento do pre o de uma m quina nova e a que viria do conserto seria muito
13. est dando a aspirantes a consumidor a honra de lev los a s rio a ponto de n o tentar iludi los com falsos brilhos bvio 15 Capitulo Um que este exatamente o tipo mais eficaz de sedu o E no fim o preto tamb m se torna um sinal vazio um signo sem subst ncia Imediatamente ap s meu laptop novo sair da caixa ficou claro que embora a equipe de designers da Apple a quem se creditava no fim do manual de instru es a cria o desse prod gio tivesse sido brilhante n o fora brilhante o suficiente Eles conseguiram o truque impressionante de esconder uma c mera digital pr carrega da no monitor Trata se de um dispositivo que oferece o memor vel artif cio de prestidigita o de subitamente enquanto a pessoa est se registrando on line apresentar lhe sua pr pria imagem pis cando do outro lado Mas a equipe de design na cidade de Cuper tino n o atacou um problema tecnicamente menos trabalhoso com a mesma concentra o Enquanto a m quina preta os cabos s o brancos O mesmo ocorrendo com o transformador uma caixa retangular visualmente agressiva E como a igualmente desarm nica tomada para alimenta o N o h nada nessa falta de coordena o de cores que fa a o computador funcionar com menos flu ncia mas fui me decepcio nando cada vez mais enquanto desembrulhava minha compra Como esse portal do futuro poderia ter bases t o prec rias t o incoerentes Era como se descobrisse o A
14. ida Acabou 12 Linguagem Lan ado em 1999 a s rie iBook da Apple chegou e foi embora em sete anos passando do fr volo c trico ao preto s brio do MacBook 13 Capitulo Um sendo apenas um epis dio na transi o da Apple da produ o de equipamentos cient ficos para a de objetos de consumo n o mui to dur veis A Apple acha que o caminho para sua sobreviv ncia num mun do dominado pelos programas de Bill Gates e pelos componentes f sicos chineses usar o design como isca para transformar seus produtos em alternativas almejadas para o que seus concorrentes est o vendendo Espera vender menos m quinas mas cobra mais por elas Isso envolve sedu o em s rie A empresa precisa tornar seus clientes t o sedentos por um novo produto que joguem fora o ltimo a cada dois anos A ideia de que eu pudesse estar sucateando t o depressa algo que pouco tempo antes parecia prometer tanto em outra poca teria sido de uma extravag ncia inconceb vel Mas esse foi exatamente o sonho dos pioneiros do marketing americano nos anos 1930 Eles estavam determinados a convencer o mundo a consumir para sair da Grande Depress o O pioneiro da publicidade Farnest Elmo Calkins cunhou o termo engenharia de consumo Em Consumer Engi neering A New Technique for Prosperity publicado em 1932 ele sugeria que os bens s o de duas classes os que utilizamos como carros e aparelhos de barbear e os que consumimos como pasta de dent
15. is ticados mas tamb m grosseiros banais ou mal volos Se Berger estivesse escrevendo Modos de ver hoje o que ele cha ma de publicidade poderia ter sido descrito como design Cer tamente n o faltam pessoas que passaram a entender a palavra num sentido t o negativo quanto a forma como Berger via a publicidade O uso exagerado da palavra designer a esvaziou de significa dos ou a transformou em sin nimo de c nico e manipulador Bul thaup um fabricante alem o de cozinhas cujos produtos s o acess rios essenciais em qualquer interior que valorize o design at pro be o uso da palavra design em quaisquer de seus an ncios Todavia o design de objetos pode oferecer uma forma poderosa de ver o mundo O livro de Berger pertence a uma literatura sobre arte em que j n o h espa o para quase mais nada Mas desde que Roland Barthes escreveu Mitologias em 1957 e desde as impreci s es de O sistema dos objetos de Jean Baudrillard lan ado uma d cada depois poucos cr ticos submeteram o design mesma an lise minuciosa Trata se de uma triste falha O historiador de arqui tetura Adrian Forty se aproxima do ponto de vista de Berger com seu livro Objetos de desejo 1986 Mas com o mundo dos objetos explodindo de forma t o convulsiva espargindo produtos para to dos os lados sem parar h uma narrativa convencional do surgi mento do modernismo como o deus ex machina que d sentido era da m quina qu
16. is reingressam no ciclo econ mico como parte da curiosa ecologia do colecionismo Mas colecionar em si um fetiche muito peculiar que talvez seja mais bem compreen dido como tentativa de fazer o tempo voltar Pode ser tamb m uma tentativa de desafiar a amea a da mortalidade Colecionar uma s rie de objetos pelo menos por um momento ter imposto um sentido de ordem num universo que n o tem nenhum Os objetos s o nossa maneira de medir a passagem de nossas vidas S o o que usamos para nos definir para sinalizar quem so mos e o que n o somos Ora s o as joias que assumem esse papel ora s o os m veis que usamos em nossas casas ou os objetos pes soais que carregamos conosco ou as roupas que usamos E o design passou a ser a linguagem com que se molda esses objetos e confecciona as mensagens que eles carregam O papel dos designers mais sofisticados hoje tanto ser contadores de hist rias fazer um design que fale de uma forma que transmita essas mensagens quanto resolver problemas formais e funcionais Os de signers manipulam essa linguagem com mais ou menos habilidade ou encanto para transmitir o tipo de hist ria que meu MacBook cochichou no meu ouvido em Heathrow 21
17. iu de baixo da caixa de compensado forrada com tecido preto A ferrugem uniu suas teclas a campai nha emperrou e o e em min scula perfurou a fita esfarrapada em v rios lugares De um ponto de vista pr tico ela totalmente in til Mas ainda n o consigo jog la fora apesar de saber que algum dia quem quer que venha esvaziar a minha casa enfrentar o mes mo dilema que enfrentei Desfazer me at mesmo de um objeto in til para o qual fico sem olhar anos a fio de certa forma me 20 Linguagem desfazer de parte de uma vida Mas guard lo sem uso experi mentar uma censura muda cada vez gue se abre a porta do arm rio A mesma censura projetada por uma estante cheia de livros n o lidos E uma vez lidos eles perguntam baixinho a principio mas depois cada vez com mais insist ncia ser que algum dia tor naremos a l los Muitas categorias de produtos foram n o s transformadas e sim completamente eliminadas Vivemos um per odo que como as extin es dos grandes dinossauros exterminou os bichos que ron davam a paisagem da primeira era industrial E no rastro das ex tin es o processo evolutivo se acelerou t o violentamente que fugiu ao controle Aqueles objetos industriais que sobreviveram t m um ciclo de vida medido em meses n o mais em d cadas Cada nova gera o surpreendida t o depressa que nunca d tem po de desenvolver uma rela o entre dono e objeto S alguns desses objetos in te
18. l Gore ao volante de um Hummer O que tem a coer ncia que parece conferir a autoridade da l gica do rigor e do c lculo As origens do vocabul rio est tico do MacBook se aproximam muito do esp rito da Bauhaus que santificava a geometria do cubo da esfera e do cone Para a ltima gera o de seus produtos a Apple tomou emprestado um padr o formal que sugere modernismo integridade e uma nobre seriedade em oposi o ao car ter divertido de todo aquele pl stico de cores c tricas que costumava vender Mas a coer ncia parte essencial desse padr o A Apple n o conseguiu fazer algo t o bvio quanto combinar o laptop com os cabos pondo em d vida a integridade de todo o conceito Uma rvore tem coer ncia o contorno de sua silhueta a forma de uma folha os an is de seu tronco a forma de suas ra zes tudo isso formado pelo mesmo DNA e tem a mesma categoria E num certo n vel queremos que os objetos feitos pelo 16 Linguagem homem reflitam ou imitem essa propriedade Ouando vemos gue n o a possuem ficamos decepcionados Tamb m decepcionante embora de um jeito diferente a in trodu o feita pela Apple de uma pe a magn tica que liga a m quina ao cabo de alimenta o Sem d vida isso impede que sem querer derrubemos a m quina no ch o Se trope armos no cabo este se desprende com uma press o m nima Mas isso tamb m sig nifica que o cabo de alimenta o e o transformador do modelo antigo
19. para lhes enfiar um funil de metal goela abaixo enquanto lutamos por nossa vez de chegar ao cocho que nos fornece o dil vio sem fim de objetos que constituem nosso mundo H quem acampe em frente a lojas da Apple para ser o primeiro a comprar um iPhone H quem pague qualquer pre o para colecionar r pli cas de t nis de corrida dos anos 1970 H at quem use o Bentley Arnage para dizer aos jogadores de futebol da primeira divis o que vale 10 milh es de libras e n o os 2 5 milh es necess rios para adquirir um Continental As complexidades de s ries proced ncia e linhagem dos mo delos sustentam uma pornografia extasiada que transforma em fetiche culos de sol e canetas tinteiro sapatos e bicicletas e quase tudo o que possa ser trocado colecionado categorizado organi zado e em ltima an lise possu do bem poss vel que estejamos beira de uma onda de repulsa ao fen meno do desejo por tudo o que fabricado a toda a ava lanche de produtos que amea a nos soterrar No entanto ainda n o h sinal disso apesar do surgimento da ansiedade apocal ptica pelo terr vel destino que nos espera se continuarmos nessa farra sem limites Nem a volta da venda de indulg ncias pr tica aban donada pela Igreja medieval e agora ressuscitada na forma de pa gamentos pelo carbono emitido est nos impedindo de trocar de telefone celular a cada seis meses Na minha vida devo admitir que andei fascinado pelo brilho do consumo
20. uma tentativa de demolir a tradi o convencional que envolve o conceito de connaisseur e estabelecer uma compreens o mais pol tica do mundo visual A publicidade a vida dessa cultura a cultura do capitalis mo na medida em que sem a publicidade o capitalismo n o pode sobreviver e ao mesmo tempo a publicidade o seu sonho O capitalismo sobrevive custa de for ar a maioria a quem explora a definir seus pr prios interesses t o estreitamente quan to poss vel J se chegou a isso pela priva o prolongada Hoje nos pa ses desenvolvidos chega se pela imposi o de um falso padr o do que desej vel e do que n o Mesmo antes do colapso do comunismo e da explos o das economias da China e da ndia compreender os objetos era mais complicado do que isso N o s a iconografia dos an ncios orga nizada para fabricar desejo Mesmo as coisas reais que Berger considera dotadas de caracter sticas aut nticas o carro com a Introduc o porta que fecha com um trinco caro e que evoca uma tradi o de 60 anos ao faz lo a aeronave que integra efici ncia de combust vel a uma engenharia elegante e que torna poss vel o turismo de mas sa s o em si mesmas suscet veis ao mesmo n vel de an lise que ele aplica aos retratos tardios de Frans Hals e a alegorias de Botti cell S o calculadamente planejadas para obter uma resposta emocional Os objetos podem ser belos geniais engenhosos sof
21. z e emocionalmente mani puladora de determinada empresa de rel gios su a cuja propagan da que voc nunca verdadeiramente o dono de um de seus produtos apenas cuida dele para a pr xima gera o Trata se de uma percep o da consci ncia de classe que outra forma de enten der a linguagem dos objetos Os di rios de Alan Clark registram uma descri o cida de seu colega o ministro conservador Michael Heseltine como o tipo de homem que tinha de comprar os pr prios m veis insinua o era que s a plebe ou os socialmente desventurados haveria de querer fazer algo t o vulgar quanto comprar uma mesa de jantar nova em vez de herdar Curiosamen te o pai de Clark o historiador de arte e ex diretor da National Gallery Kenneth Clark que foi o respons vel por Civilisation a s rie televisiva e o livro complementar que instigaram John Berger a responder com Modos de ver Embora consiga de fato sugerir certa aura envolvendo um pro duto a campanha do rel gio n o desafia a natureza essencialmen te fugaz e cada vez mais transit ria de nossa rela o com aquilo que possu mos At o fim da d cada de 1980 uma c mera era planejada para durar a vida inteira Um telefone era arrendado do governo e constru do para aguentar o uso industrial Uma m qui na de escrever era algo que acompanhava um escritor por toda a sua carreira Ainda tenho a port til de meu pai Sua base de pape l o laminado descolou e sa
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